A população brasileira está envelhecendo e mesmo assim a sociedade não é dos mais velhos. Segundo as últimas projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil pode chegar a ter 19 milhões de pessoas com mais de 80 anos em 2060. Enquanto a estimativa para o número de idosos é de crescimento, a quantidade de crianças de até quatro anos cai a cada ano.

Mas por que, ainda assim, os idosos sofrem preconceito? Esta fragilidade ficou mais evidente com a pandemia, quando os mais velhos, por serem mais vulneráveis ao vírus, por segurança, tiveram que ficar isolados e em decorrência disso, muitos perderam os empregos. Uma perda muito significativa frente à uma das maiores crises do último século, em uma faixa etária em que as oportunidades no mercado de trabalho desaparecem.

Mudança de postura

Entre junho e agosto de 2021, as analistas da Mediator Pesquisa – Andrea Freire e Nazareth Barcellos – realizaram um estudo qualitativo sobre Idadismo. Idosos do Rio de Janeiro (da zona Sul à Baixada) foram entrevistados para avaliar como eles enxergam esta discriminação. Os temas abordados foram: mercado de trabalho, saúde, tecnologia, convivência com os filhos, consumo e lazer.

Segundo as analistas da Mediator, a ideia da pesquisa surgiu da necessidade de dar voz a este público. Nas entrevistas, ficou claro que a maioria dos idosos, mesmo enxergando que a velhice traz uma série de limitações e agruras, têm a intenção de mudar sua postura e serem bastante diferentes de seus pais e avós.

“A caminhada é difícil, pois têm que enfrentar a barreira do desrespeito, da falta de lugar no mercado, preocupações com enfermidades, falta de dinheiro e queda no padrão de vida, distanciamento de filhos e netos, perdas de familiares e amigos, mas nada afeta mais os entrevistados do que a ideia de perda de autonomia”, diz Andrea Freire, acrescentando que ser “refém” de alguém, perder o comando de sua vida social e financeira e ainda ter que ficar “nas costas” de terceiros é o que traz mais angústia e preocupação aos entrevistados e foram as falas mais presentes entre eles.

Trabalho e aposentadoria

Os Idosos de classes mais baixas que já estão aposentados ainda precisam trabalhar para complementar o baixo valor da aposentadoria. O mercado de trabalho não dá muitas oportunidades para os com mais de 60 anos, já que a experiência não é levada em conta. O mercado acha que eles já não aguentam trabalhos braçais e os que trabalham, convivem com colegas mais novos que os atropelam. A solução é viver de bicos para complementar a renda.

A aposentadoria para os idosos de classe média mais alta é um grande desafio. Já para os mais desafortunados é apenas mais um desafio entre tantos que enfrentam. Alguns temem mais a violência e a saúde pública deficitária do que propriamente envelhecer.

Os idoso de classes mais baixas relatam querer ter o mínimo de conforto porque sabem que vão depender deles mesmos. De qualquer forma, não querem que vejam a velhice como um tempo que separa a vida da morte. Nesse sentido, tanto os mais abonados quanto os mais pobres pensam igual.

Dificuldade com a tecnologia

Celular, computador, Ipad, tablet, são muitos os gagdets atualmente disponíveis no mercado. O uso da tecnologia é o principal ponto de exclusão – embora não seja o mais grave – na relação de mais velhos e jovens. Em geral, os mais idosos são pouco familiarizados com avanços tecnológicos, salvo exceções, e reconhecem sua dificuldade em acompanhar a rapidez de quem já nasceu na era do digital e praticamente com o celular na mão. E os fabricantes não se preocupam em ajustar ou melhorar padrões para atender este importante segmento de usuário.

Parece uma coisa boba do cotidiano, uma questão natural de conflito de gerações, mas vai muito mais além. Abala o emocional do idoso que se sente cada vez mais “obsoleto”, sem valor, o que pode gerar sérias consequências na saúde física e mental, como desenvolver uma depressão grave e/ou somatizar para reações físicas.   

A convivência com os filhos

Muitos dos entrevistados reconheceram que seus filhos têm vida própria e preferem não ocupá-los. Mas a ocupação com filhos tende a ser mais restrita. Sem falar que tem alguns filhos que na pandemia começaram a exercer certa pressão e controle sobre os passos dos pais, criando um excesso de cuidados, muitas vezes considerado exagerado e desnecessário.

Quando o assunto é lazer, as mulheres se preocupam e se dedicam mais a essa área do que os homens, que apresentam maior dificuldade em fazer/manter amigos, geralmente é a turma do bar ou dos esportes. Muitos dos entrevistados praticam alguma atividade física, ou tentam.

A autonomia na convivência com os filhos e na prática do lazer ou de um exercício é uma das maiores preocupações dos entrevistados. Quando ela é tolhida, como no caso das restrições impostas pela pandemia, o envelhecer se torna um conflito interno para esses idosos e gera uma séria de questionamentos emocionais.

Inclusão sem privilégios

O limite da vida para eles não é a idade, mas a enfermidade. Muitos acham um absurdo ter filas especiais e outros privilégios para as pessoas de 60 anos. Acreditam que deveríamos ter bom senso. Segundo alguns entrevistados, “se a pessoa tem alguma dificuldade é uma coisa, mas se não, porque enfatizar a idade?”.

Esses benefícios mostram o quão retrógrado e defasada é a visão em relação aos idosos atualmente. Há 100 anos, um homem virava um senhorzinho de bengala com 60 anos, há 50 anos ficava-se um senhor nesta idade, hoje a maioria busca ficar um “jovem senhor”. A sociedade não os percebem e considera que não são reconhecidos como um grande nicho a ser explorado. Pelo contrário, muitas vezes, ignora o fato de que estão se cuidando cada vez mais, de que buscam a gratificação pessoal e que são consumidores frequentes e com alto nível de exigência, inclusive em fitness e vestuário.

Livre de estigmas

A pesquisa concluiu que a inclusão natural, livre de estigmas e estereótipos com os de mais idade seria o que melhoraria essa realidade. A comunicação de produtos da terceira idade, embora tenha melhorado, é um espelho de como essa faixa etária é estereotipada. Toda a comunicação e produtos deveriam ser voltados para todos. O principal aspecto é engajar os jovens, sintonizá-los a este desejo de igualdade, de serem mais ouvidos, valorizados com naturalidade (sem se sentirem dependentes). É importante se dirigir aos jovens para atingir o idoso, para que este seja naturalmente incluído.

Com o avanço da Medicina, a tecnologia e mudanças de comportamento, aos 60/70 anos é muito difícil que os idosos venham a ser um espelho dos pais, principalmente a classe média alta. Se cuidam, se informam, procuram acompanhar a tecnologia, saem, se divertem, mantem uma aparência mais saudável e jovem. A bengala virá, segundo eles, muito mais tarde do que na época dos seus pais e avós. Lá pelos 80/90 anos, que correspondem aos 60 do passado.

E MAIS…

A ‘disputa’ entre os 60 anos versus os 80 anos

A pesquisa revelou que os idosos de 60 se acham melhores do que os de 80 anos. Especialmente aqueles que cuidam de seus pais, entendem que vão chegar lá, mas ainda não chegaram. Sentem-se “longe ainda da possiblidade de envelhecer”, explica as analistas.

De qualquer modo já sofrem com algumas limitações, com o ritmo mais lento, com a menor disposição para atividades mais pesadas… As manias já começam a aparecer e são mais cuidadosos dentro de casa. O espelho dos pais é realmente um ensaio, mas desejam ardentemente não chegar lá e se tornam ativos nesse desejo, ousando quase que “protelar” a chegada da velhice, expurgando justamente o retrato dos pais. É uma fantasia real de que quando se chegar aos 80/90, estarão com a saúde física e mental bem melhor que seus pais, quase que na certeza de que até lá, viver além dos 100 anos possa ser uma realidade muito próxima.