Tenho certeza de que você conhece “Divertidamente”, a febre mundial que acompanha as emoções da pequena Riley. O filme fez tanto sucesso que, além de uma sequência, ele também ganhou uma série dedicada aos sonhos da protagonista. Em “Produção de sonhos” (disponível no streaming Disney+), embarcamos em uma jornada lúdica e educativa dentro da mente da personagem em que a produção de sonhos é mostrada de uma maneira divertida e criativa, com uma representação da fábrica onde os sonhos são criados e processados, permitindo que as emoções se manifestem de forma vívida e única durante o sono.

Mas por que precisamos acompanhar os sonhos de Riley? A personagem está crescendo e, quando suas memórias precisam de um processamento extra, Alegria e as outras emoções-base as enviam para a Produção de Sonhos, permitindo uma representação clara de como as emoções influenciam as experiências, principalmente nos seus sonhos. As emoções que ela vivencia durante o dia são refletidas de maneira simbólica nos sonhos, nos ajudando a entender como esses sentimentos podem se manifestar de forma não-linear ou surreal durante o sono.

Para muitos, entender o que acontece durante o sono e como as experiências do dia a dia se conectam aos sonhos é um mistério, mas, ao mostrar a “fábrica de sonhos”, onde as emoções e os produtores organizam e manipulam as experiências de Riley, a série torna esse processo mais compreensível. Em termos psicológicos, ela ajuda a destacar o papel do cérebro em processar memórias e sentimentos não resolvidos.

A produção é uma espécie de “fábrica” onde os sonhos são elaborados, armazenados e, por fim, enviados para a “tela dos sonhos”, o que os torna acessíveis para Riley durante o seu sono (em um estilo bem cinematográfico, acompanhamos a roteirização e a gravação do sonho). Em alguns episódios, vemos que os sonhos podem ser baseados em suas memórias, em seus medos ou desejos e também podem representar aspectos não resolvidos do seu dia a dia que causaram ansiedade e receio.

Cada sonho é uma representação simbólica das situações cotidianas da personagem e das interações emocionais que ela teve, sendo processadas de maneira, muitas vezes, absurda, como no estilo dos sonhos humanos. Temos esse exemplo no primeiro episódio, no qual Riley leva um chaveiro de unicórnio para a escola e um colega faz piada sobre, envolvendo toda a turma, rindo da personagem. No mesmo episódio, ao acompanharmos o sonho, nos deparamos com uma situação em que o chaveiro aparece e os amigos e colegas de Riley estão no mesmo sonho e ambiente que o chaveiro.

Reflexão

A maneira como os sonhos são retratados na série nos traz a reflexão sobre a psicologia dos sonhos na vida real. Embora a série seja baseada na terapia cognitivo-comportamental (TCC), o assunto tem sido estudado como uma manifestação do inconsciente, de acordo com teóricos como Sigmund Freud e Carl Jung. Freud sugeria que os sonhos são uma forma de realização de desejos reprimidos, enquanto Jung acreditava que os sonhos são uma maneira de integrar aspectos da psique que não estão totalmente conscientes.

A série pode ser vista como uma metáfora para esse processo psíquico, em que os produtores da fábrica de Riley têm o papel de organizar e dar forma aos conteúdos emocionais que se apresentam durante o sono. Isso reflete a ideia de que os sonhos são uma maneira de o cérebro processar informações e experiências, ajudando o indivíduo a lidar com emoções complexas e situações que não foram completamente resolvidas durante o dia.

Já a TCC sugere que muitos dos nossos sentimentos e comportamentos são influenciados pela forma como interpretamos e processamos nossas experiências. A ideia de que os pensamentos e sentimentos disfuncionais podem ser reestruturados para promover um equilíbrio emocional é refletida nos sonhos de Riley, em que as emoções processam eventos e memórias de forma simbólica, ajudando a personagem a lidar com suas experiências. A série também toca em temas de regulação emocional,consolidação de memórias e como o cérebro utiliza os sonhos para integrar experiências vividas e experiências não resolvidas.

Neurociência

Para a neurociência, os sonhos são um efeito colateral da consolidação da memória e não têm uma função específica. A hipótese da ativação-síntese sugere que os sonhos são gerados pela interação entre a atividade neuronal aleatória e a tentativa do cérebro de dar sentido a ela.

Já para a neuropsicologia – que estuda a relação entre cérebro e comportamento e como isso afeta as funções cognitivas, incluindo os processos de memória e emoção –, os sonhos têm um papel importante na consolidação de memórias e no processamento emocional. Durante o sono, especialmente nas suas fases, o cérebro trabalha ativamente para integrar e organizar informações da memória de curto e longo prazo. A série pode ser vista como uma representação metafórica desse processo, no qual a fábrica organiza e processa memórias e emoções que a personagem viveu ao longo do dia.

Na vida real, o processo de produção dos sonhos é muito mais complexo, mas ainda segue um caminho lógico. A neuropsicologia sugere que, durante o sono, o cérebro desempenha um papel fundamental na regulação emocional, principalmente no sono REM. Nessa fase, o cérebro reativa memórias, reorganiza experiências e ajusta nossas respostas emocionais a eventos passados. Sonhos recorrentes ou particularmente vívidos podem estar diretamente relacionados à forma como o cérebro está tentando processar experiências não resolvidas ou emoções intensas.

Abordagem lúdica

Além de ser uma representação criativa e acessível dos processos psíquicos envolvidos na formação dos sonhos, a série aborda tópicos centrais em psicologia, neurociência, e teorias de processamento emocional, trazendo uma abordagem lúdica para esses conceitos complexos. Podemos explorar como as emoções de Riley são representadas de forma simbólica nos sonhos, permitindo uma compreensão mais profunda da teoria das emoções. Permite, ainda, observar como as emoções influenciam as memórias e como elas são processadas durante o sono. Além disso, destaca o papel das emoções no processamento psicológico de eventos cotidianos e como o cérebro tenta lidar com essas experiências.

Ademais, a série proporciona uma oportunidade para reflexão crítica sobre como os sonhos e as emoções estão interconectados e como esses processos influenciam o comportamento e a saúde mental, além de ser uma excelente ferramenta para quem deseja aprofundar seu conhecimento sobre o funcionamento da mente humana, especialmente em relação à psicologia infantil, ao desenvolvimento emocional e ao impacto das experiências cotidianas nos processos mentais.

Quer saber mais sobre os sonhos? Então confira estes livros disponíveis no site da Sinopsys Editora: Sobre sonhos e transformações: sessões de perguntas de Zurique (Carl Gustav Jung) e Seminários sobre análise de sonhos: notas do seminário dado em 1928-1930 por C.G. Jung (Carl Gustav Jung).