Desde crianças, as pessoas são confrontadas sobre o que querem em relação ao trabalho por meio da pergunta clássica: o que você vai ser quando crescer? “Dificilmente a resposta a essa pergunta é ser feliz, ser livre ou ser criativo. Posso dizer que 99% das respostas das crianças são profissões. E se pararmos para pensar, passamos boa parte da nossa vida nos preparando para uma profissão e depois exercendo-a”, constata a psicóloga Caroline Parpinelli. “Diante disso, podemos perceber que o trabalho se tornou um construto central na constituição do ser humano enquanto pessoa na sociedade”, complementa. Nesta entrevista, ela aprofunda o assunto.

Graduada em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Caroline é especialista em terapias cognitivo-comportamentais e, desde 2013, atua com psicologia organizacional com ênfase em atração e seleção de profissionais, desenvolvimento organizacional e de lideranças. Também é psicóloga clínica com foco em terapias cognitivo-comportamentais e orientação profissional de carreira e diretora/fundadora da empresa Caminhante – Trajetórias Profissionais.

Por que se tornou psicóloga e o que a levou para a psicologia organizacional e do trabalho?

O motivo principal da escolha pelo curso de psicologia foi o objeto de estudo em si e não necessariamente a atuação profissional. Sempre me interessei muito em compreender e viver experiências inerentes à existência humana. Do nascimento à morte, o desenvolvimento humano é cheio de ciclos e, em cada um desses ciclos, há profundas camadas de conhecimentos a serem estudadas. A psicologia permite transitar no estudo de processos muito individuais, como compreender como funcionam emoções humanas básicas como raiva, tristeza e alegria, até fenômenos sociais complexos, como a relação do ser humano com o trabalho. O que mais me fascina na psicologia é a compreensão de quão complexos somos como seres humanos e como sociedade e de que, embora dividimos nossa humanidade, compartilhando experiências parecidas, cada pessoa tem a sua singularidade e uma vivência única diante do mundo.

Minhas experiências profissionais me possibilitaram transitar nessas diversas camadas de estudo da psicologia e me levaram a atuar com a psicologia clínica, organizacional e do trabalho. Percebo que essas três áreas se complementam e exigem de mim, como profissional, uma diversidade de habilidades e conhecimentos que me desafiam e me movem todos os dias na minha atuação como psicóloga e diretora da empresa Caminhante – Trajetórias Profissionais.

A Caminhante surgiu como resultado das minhas experiências como psicóloga clínica e organizacional. Atendendo pacientes na clínica individual, percebi como o trabalho sempre é tema importante na vida das pessoas e que exige bastante energia psíquica para ser elaborado. Já como psicóloga organizacional atuando em empresas, fiquei muito próxima dos desafios complexos inerentes da relação trabalho-empresas-pessoas.

Por meio da Caminhante, me proponho a apoiar as pessoas na descoberta de caminhos possíveis para ter uma relação mais saudável com o trabalho. E oferecer serviços de qualidade para empresas, alinhando as necessidades estratégicas da organização com a história de vida das pessoas.

Fale um pouco sobre a relação do ser humano com o trabalho.

Desde muito pequenos, somos confrontados sobre o que queremos em relação ao trabalho por meio da pergunta clássica: “O que você vai ser quando crescer?” Dificilmente a resposta a essa pergunta é ser feliz, ser livre ou ser criativo. Posso dizer que 99% das respostas das crianças são profissões. E se pararmos para pensar, passamos boa parte da nossa vida nos preparando para uma profissão e depois exercendo-a. Diante disso, podemos perceber que o trabalho se tornou um construto central na constituição do ser humano enquanto pessoa na sociedade.

Penso que a centralidade do trabalho na construção da identidade, bem como o impacto do capitalismo na nossa forma de consumir e produzir, está levando a um esvaziamento de sentido e significado da relação das pessoas com o trabalho. Esse esvaziamento de sentido e significado, conectado com a cultura da produtividade e alta performance, está adoecendo as pessoas. Portanto, poderia dizer que a relação do ser humano com o trabalho está adoecida, em crise, necessitando de novas possibilidades de se organizar.

Acredito que o momento atual está trazendo à tona o impacto dessa centralidade do trabalho nas nossas vidas; aumento de casos de burnout, depressão, ansiedade, altos índices de pedidos de demissão. Considero de extrema importância olhar para esses números e movimentos sociais para que possamos rever a forma como colocamos o trabalho em nossas vidas.

Vejo que empresas já estão abrindo espaço para essa reorganização, por exemplo, pesquisas sobre a redução da carga horária de trabalho para quatro dias da semana e modelos de trabalho remotos. Mas, além disso, é necessário que as pessoas se posicionem diante dessa questão social e se tornem mais conscientes sobre o que elas desejam em relação ao trabalho, atribuindo mais sentido para essa relação.

Qual o objetivo e a importância da orientação profissional de carreira para quem está fazendo a primeira escolha profissional?

Começamos a concretizar a nossa primeira escolha profissional na adolescência, quando saímos do ensino médio e nos direcionamos para a universidade. Nessa fase, ainda estamos em processo de amadurecimento emocional, cognitivo e social, mas somos impelidos a fazer uma escolha que vai impactar nosso futuro. Um processo de orientação profissional nesse momento vai possibilitar espaço e tempo para que a pessoa possa refletir e questionar sobre o que ela espera da relação com o trabalho, quais seus sonhos e desejos para vida e como o trabalho se coloca diante desse projeto de vida.

O autoconhecimento será tema central desse processo, pois é através do autoestudo que o jovem vai se sentir mais seguro diante das incertezas naturais da trajetória profissional. Como resultado, o processo de orientação profissional não visa chegar numa resposta exata e única sobre qual é a melhor profissão seguir, embora seja comum isso acontecer, mas, sim, que a pessoa desenvolva habilidades e ferramentas para seguir o seu processo de autoconhecimento, aprendendo a fazer escolhas mais conscientes e alinhadas com seu perfil e projeto de vida.

E para quem quer mudar na profissão, seja por insatisfação profissional, seja para progredir na carreira?

Conectando com a pergunta anterior, muitas pessoas fizeram a primeira escolha profissional sem ter a oportunidade de refletir profundamente sobre ela e, com o passar dos anos, podem se deparar com insatisfação profissional ou com desejo de fazer mudanças significativas. Nesses casos, a orientação profissional também vai possibilitar esse tempo e espaço para autoconhecimento e para a reflexão da maneira como se relaciona com o trabalho e como deseja se relacionar no futuro. Novos sentidos e significados do trabalho são construídos e, assim como na primeira escolha profissional, a orientação profissional e de carreira vai fornecer mais autoconhecimento, habilidades e ferramentas para direcionar as próximas escolhas profissionais. O planejamento de carreira também é um aspecto a ser construído em processos de orientação para adultos.

Quais são os principais benefícios relatados por quem buscou a orientação profissional?

Dentro da minha experiência, os principais benefícios relatados foram: sentimento de liberdade para olhar para si mesmo e para o mundo (esse sentimento de liberdade favoreceu a ampliar as possibilidades e escolhas profissionais); autoconhecimento, que possibilita maior clareza sobre o perfil profissional, sobre o que deseja da relação com o trabalho e sobre o projeto de vida; mais segurança diante das incertezas e instabilidades da vida profissional.

Qual a importância dessa área da psicologia (orientação profissional) inclusive como fator de mudanças sociais?

Um dos eixos do processo de orientação profissional é ver o trabalho como um instrumento de mudanças e transformações sociais. A partir do momento em que a pessoa atribui esse sentido para o trabalho que realiza, juntamente com uma compreensão mais consciente sobre os sentidos e significados que o trabalho tem para ela, as mudanças na forma dela se relacionar com o mundo e ela mesma se tornam mais profundas e intencionais. Essa mudança irá impactar no contexto e nas relações dos quais ela faz parte. Para representar melhor essa ideia de como o processo de orientação profissional tem um papel de transformação social, trago um trecho do artigo ‘Orientação vocacional/ocupacional projeto profissional e compromisso com o eixo social’, escrito pela psicóloga e doutora Marilu Diez Lisboa, profissional que inspirou minha escolha em trabalhar com orientação profissional: “(…) indivíduo com possibilidades de se constituir como autor de seus atos, consciente de si mesmo e do mundo que o cerca, podendo discernir sobre o que e como poderá fazer no sentido na construção de um mundo cada vez mais justo e mais voltado para o que possa beneficiar e fazer os seres humanos evoluírem naquilo que têm de mais nobre, para si em direção às relações sociais (…)”.