Você percebeu que já falamos dessa série aqui? Da outra vez, foi para ilustrar um transtorno, lembra qual? Quando recomendamos Modern Family pela primeira vez nesta seção, foi para ilustrar os sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em dois personagens. Desta vez, nosso olhar é voltado para outro assunto, os estilos parentais. A sitcom acompanha três configurações familiares da mesma família. Confuso, né? Mas acompanharemos Jay Pritchett e seus filhos, que já são adultos e têm as suas próprias famílias.

No enredo, ficam bem evidentes as características de cada um enquanto indivíduos, mas também como pais e como suas decisões impactam seus filhos. A série foi escolhida pois conseguimos identificar a maneira como Jay criou Claire e Mitchell e ainda acompanhar os impactos causados neles e como cada um decidiu criar seus filhos (podendo ver os impactos deixados de forma direta no estilo parental escolhido).

Estratégias e atitudes

Vamos ver um pouco sobre estilos parentais antes de ligar cada um à cada família? Postulados pela psicóloga norte-americana Diana Baumrind, os estilos de parentalidade descrevem como o comportamento dos pais ou outros cuidadores podem afetar o comportamento e desenvolvimento da criança, tendo efeitos até mesmo na vida adulta. Eles são o conjunto de estratégias e atitudes que os pais ou outros cuidadores adotam para educar os seus filhos e são caracterizados por padrões de interação e socialização entre os pais e as crianças. Os estilos parentais desempenham um papel fundamental no desenvolvimento e bem-estar das crianças.

No texto, iremos abordar quatro estilos de parentalidade, sendo três propostos por Baumrind e um último proposto pelos psicólogos John Martin e Eleanor Maccoby. É importante ressaltar que não existe um estilo de parentalidade correto e que dificilmente um pai ou outro cuidador vai exercer apenas um desses estilos, podendo haver momentos nos quais há variação entre os diversos estilos. No entanto, um deles tende a ser mais dominante do que os outros, e é este estilo que irá influenciar mais o desenvolvimento da criança.

Autoritário

Os estilos são divididos em autoritário, permissivo, autoritativo e negligente. No primeiro, os pais/responsáveis valorizam a obediência e o respeito à autoridade, estabelecendo regras rígidas e exigindo que os filhos as sigam sem questionamento. Esse estilo tem alto nível de controle, mas pouca responsividade emocional, o que significa que esses pais não demonstram muita abertura para negociação ou diálogo com os filhos.

Pais autoritários tendem a ser controladores e a usar punições severas para corrigir comportamentos indesejados. Eles geralmente esperam um alto nível de disciplina, com pouca flexibilidade. Crianças criadas em ambientes autoritários podem desenvolver baixa autoestima, maior tendência à ansiedade e dificuldade para tomar decisões. Em alguns casos, elas se tornam obedientes e bem-comportadas, mas podem ter problemas de autoexpressão.

Em Modern Family, vemos Jay Pritchett impondo regras rígidas e expectativas a seus filhos e netos. Uma cena notável é quando ele tenta ensinar seu enteado, Manny, a ser mais “másculo” e estabelece um conjunto de regras para que o pré-adolescente se encaixe em sua visão tradicional de masculinidade, refletindo sua abordagem autoritária. Ele tende a ser mais rígido e tem expectativas altas em relação a seus filhos e netos, valorizando a disciplina e a estrutura, frequentemente impondo regras e limites que espera serem seguidos

Permissivo

No estilo permissivo, os pais têm alta responsividade emocional e pouca exigência de controle, sendo muito afetivos, mas aceitando praticamente todos os comportamentos dos filhos, colocando poucos limites e sendo indulgentes nas punições. Esses pais tendem a ser muito afetuosos e a evitar conflitos, muitas vezes deixando que as crianças façam suas próprias escolhas sem impor restrições.

Crianças criadas em ambientes permissivos podem ter dificuldades com disciplina e autorregulação, além de serem mais propensas a problemas de comportamento e impulsividade. Elas podem se tornar exigentes e menos tolerantes a frustrações.

Embora sejam pais amorosos e envolvidos, Mitchell e Cam tendem a ser mais flexíveis e, em alguns casos, permitem que Lily tenha liberdade excessiva. Muitas vezes, eles hesitam em impor disciplina e preferem ser amigos da filha, resultando em situações engraçadas e desafiadoras. Uma cena que ilustra o estilo permissivo é quando o casal decide deixar a menina fazer o que quiser em uma festa, permitindo que ela se vista como quiser, mesmo quando isso resulta em algumas escolhas engraçadas e inusitadas.

Autoritativo

Já o estilo autoritativo é caracterizado por um equilíbrio entre controle e apoio. Pais autoritativos estabelecem regras e limites claros, mas também incentivam a autonomia, sendo receptivos às necessidades e às emoções dos filhos. Eles explicam o porquê das regras e são mais abertos ao diálogo.

Pais autoritativos demonstram afeto e apoio ao mesmo tempo que estabelecem limites e encorajam o comportamento responsável. Esse estilo é considerado, geralmente, o mais benéfico para o desenvolvimento infantil. Crianças criadas por pais autoritativos tendem a ter autoestima mais alta, habilidades sociais e emocionais bem desenvolvidas e maior capacidade para tomar decisões. Elas se sentem seguras para expressar suas opiniões e explorar o ambiente.

Na série, acompanhamos Phil e Claire Dunphy tentando equilibrar amor e limites. Embora sejam amorosos e se preocupem com o bem-estar dos filhos, também estabelecem regras e incentivam a responsabilidade, promovendo a comunicação aberta. Eles buscam criar um ambiente de apoio, mas com diretrizes claras, como no episódio em que Claire tenta fazer com que Haley, Alex e Luke aprendam a responsabilidade usando um sistema de recompensas e consequências. Phil também exemplifica esse estilo quando tenta equilibrar ser divertido e envolvido enquanto ainda define limites, como quando ele dá conselhos aos filhos sobre a importância dos estudos e do respeito.

Negligente

Por fim, no estilo negligente, os pais têm baixo controle e baixa responsividade emocional. Esse estilo é caracterizado pela falta de envolvimento dos pais na vida dos filhos, seja por estresse, falta de tempo ou mesmo desinteresse. Pais negligentes são indiferentes às necessidades dos filhos, tanto emocionais quanto práticas, deixando-os à própria sorte e sem monitoramento.

Esse estilo é geralmente prejudicial ao desenvolvimento das crianças, que tendem a ter problemas de autoestima, dificuldades de socialização, baixa realização acadêmica e comportamentos de risco.

Ainda não ficou claro como cada família se encaixa nos estilos? Iremos dar mais exemplos e detalhes abaixo, lembrando que dificilmente um pai ou outro cuidador vai exercer apenas um desses estilos, podendo haver momentos nos quais há variação entre eles. No entanto, um desses estilos tende a ser mais dominante do que os outros, e é esse estilo que está sendo observado e descrito aqui.

Inflexibilidade

O estilo autoritário de Jay pode ser observado nas cenas do episódio “Run for your wife” (temporada 1, episódio 6), em que Manny deseja tocar uma flauta na escola usando um poncho, mas Jay tenta forçá-lo a não se apresentar e a se comportar de uma maneira específica e seguir sua ideia de comportamento adequado. Jay é inflexível e não aceita que as crianças possam ter suas próprias formas de ver o mundo e se comportar. Ele espera que todos se ajustem aos seus próprios padrões de comportamento, tentando controlar as interações, e, quando isso não acontece, reage com frustração.

O estilo autoritário de Jay pode levar a uma relação um pouco tensa e distanciada com seus filhos. Jay, muitas vezes, coloca sua visão de paternidade acima das necessidades e emoções de Manny, o que pode resultar em frustração e dificuldades de comunicação. Embora Manny, ao longo da série, desenvolva uma relação de carinho e respeito por Jay, a natureza controladora e pouco flexível do padrasto, combinada com a falta de diálogo genuíno, cria uma dinâmica de poder que pode afetar a autoestima e o desenvolvimento emocional dos filhos, especialmente nas fases em que eles buscam mais independência e compreensão.

Limites estabelecidos

O estilo autoritativo de Claire e Phil pode ser observado em cenas do episódio “Not in my house” (temporada 1, episódio 12), em que discutem com seus filhos sobre o comportamento deles dentro de casa, estabelecendo regras mais claras e normas de convivência. Os pais se preocupam com a forma como os filhos estão lidando com as situações cotidianas e querem corrigir certos comportamentos.

Nessa dinâmica, claramente definem o que é esperado de seus filhos em casa, como respeitar o espaço e as coisas dos outros. No entanto, eles não fazem isso de maneira autoritária ou punitiva, mas buscam explicar por que é importante ter esses limites, buscando demonstrar disposição para ouvir os filhos e explicar as razões por trás das regras. Crianças criadas sob o estilo autoritativo, como Haley, Alex e Luke, geralmente se tornam mais seguras, responsáveis e independentes, já que entendem a razão por trás das regras e aprendem a tomar decisões informadas dentro dos limites estabelecidos.

Liberdade e diversão

Já o estilo permissivo de Mitchell e Cam pode ser observado em cenas do episódio “Little bo bleep” (temporada 3, episódio 13), em que descobrem que Lily aprendeu palavras inadequadas (palavrões) e está começando a usá-las. Em vez de corrigir imediatamente, acham a situação hilária e demoram para agir, não se sentindo pressionados a estabelecer regras rígidas sobre a linguagem da filha. Eles são pais que evitam conflitos e consequências diretas, preferindo criar um ambiente de liberdade e diversão.

Embora isso resulte em uma dinâmica familiar muito amorosa e divertida, pode também levar a desafios, como dificuldade em estabelecer limites claros e falta de disciplina para lidar com comportamentos inadequados. Como pais permissivos, Mitchell e Cam frequentemente permitem que Lily explore e aprenda por conta própria, sem interferir com regras rígidas, o que pode ter benefícios no desenvolvimento da autonomia, mas também pode resultar em dificuldades de autorregulação e compreensão das consequências de suas ações.

Quer saber mais sobre os estilos parentais? Confira o Baralho de investigação dos estilos parentais: o impacto da forma de educar no desenvolvimento das crianças, da Sinopsys Editora.