A arteterapia é composta de um grupo de procedimentos diagnósticos e terapêuticos que utiliza uma variedade de técnicas e materiais para a expressão de conteúdos inconscientes através de imagens. A função terapêutica empreendida pelas técnicas expressivas provoca a tradução dos conteúdos psíquicos em imagens. Nesta entrevista, o tema é aprofundado pelas médicas Denise Vianna e Lenita Barreto Lorena Claro, autoras do livro ‘Terapia expressiva: um guia para vivências com arteterapia no hospital’, publicado pela Wak Editora.
A obra, por meio de uma abordagem lúdica e prática, foi pensada como um manual e resumo de um trabalho desenvolvido de 2011 a 2020 em um hospital universitário. Nele, em meio aos leitos, aos corredores e às salas de espera, pessoas vestidas com uma camiseta amarela levavam arteterapia aos pacientes e a seus acompanhantes, aos médicos e enfermeiros, aos funcionários e a quem desejasse sair da rotina para olhar aquele momento com outros olhos.
Nas camisetas, estava estampado o Quíron, centauro grego que simboliza o curador ferido, aquele que, mesmo com suas dores, ajuda o próximo a curar-se. Na conturbada realidade de pacientes com câncer ou doenças degenerativas, ou até para aqueles que estavam na ala de cuidados paliativos, surgia uma esperança: poder revisitar as caixinhas da vida por meio das tintas, da música, das histórias, da colagem ou de quaisquer materiais que apareçam. Abrir suas gavetas e poder olhar para elas com a leveza de uma criança trazia a coragem e a criatividade necessárias para enfrentar os desafios que a vida apresentava.
Denise (à esquerda na foto) tem mestrado em saúde coletiva pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é responsável pelo curso de formação em arteterapia Terapia Expressiva: a Arte do Cuidado e docente do curso de Medicina Integrativa do Instituto Albert Einstein. Lenita tem mestrado e doutorado em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, é formada em arteterapia e coordena o programa Terapia Expressiva como Veículo de Cuidado Integral no Hospital Universitário Antônio Pedro (TECI-HUAP).
O que é arteterapia?
A arteterapia é composta de um grupo de procedimentos diagnósticos e terapêuticos que utiliza uma variedade de técnicas e materiais para a expressão de conteúdos inconscientes através de imagens. A função terapêutica empreendida pelas técnicas expressivas provoca a tradução dos conteúdos psíquicos em imagens, evento que inspirou nosso lema: “Da psique ao suporte – expressão; do suporte à psique – terapia”. Nosso referencial teórico segue os fundamentos da psicologia analítica, proposta por Jung (psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung) em suas Obras Completas.
Onde, quando, como e por que surgiu?
O que se entende atualmente como arteterapia teria sido sistematizada em 1940 por Margareth Naumburg nos Estados Unidos (Vasconcelos & Giglio, 2007). No Brasil, merecem destaque Ulysses Pernambuco (Pernambuco, 1892-1943) e Osório Cesar (Oficina de Pintura, em 1923, e Escola Livre de Artes Plásticas, 1949, Hospital Psiquiátrico do Juqueri, São Paulo), que, pelo artesanato e desenvolvimento de aptidões expressivas com o mínimo de interferência do supervisor, garantiam a plena espontaneidade das manifestações, permitindo o desenvolvimento psicológico e artístico. Nise da Silveira (1905-1999), protestando contra muitos dos métodos terapêuticos correntes na época – o eletrochoque, a insulinoterapia e a lobotomia –, defendeu uma prática cuja base era o afeto catalisador, um estar ao lado do cliente numa relação de horizontalidade que abolia a hierarquia entre o médico e o paciente, a sanidade e a loucura. Ela trouxe os conceitos de Jung à análise das obras com material expressivo dos pacientes da seção de terapêutica ocupacional, que implantou no Hospital Pedro II do Engenho de Dentro.
Quais os benefícios que a arteterapia traz de maneira geral às pessoas?
Melhora de sintomas físicos, emocionais e mentais. Expansão da criatividade. Melhor qualidade de vida. Superação de dificuldades cognitivas. Autoconfiança. Despertar de consciência e afetividade, refinamento nos relacionamentos.
De que maneira ela trabalha as emoções?
O arteterapeuta deve viabilizar, acompanhar e incentivar a expressão das imagens que confirmam a capacidade autocurativa da psique, estimulando a expressão livre e autônoma. A arteterapia considera que a doença e a saúde são aspectos dinâmicos da totalidade e que a ação terapêutica se processa pela integração de conteúdos conscientes e inconscientes em prol do resgate da unidade do indivíduo. O fato de o sistema diagnóstico ser simultâneo ao processo terapêutico revela-se quando as mesmas imagens que expressam conteúdos reprimidos no inconsciente também representam a liberação da energia psíquica, o que possibilita a resolução de complexos e a concomitante remissão de sintomas. Unificando diagnóstico, terapêutica e prevenção, essa ferramenta não se propõe a tratar apenas doenças, mas também pessoas inseridas em sua realidade social – considerando o próprio hospital, que é parte e produto desta, organismo-objeto do cuidado.
Para quais transtornos psicopatológicos ela é mais indicada?
A arteterapia pode beneficiar qualquer pessoa, em todas as faixas etárias e condições sociais. Essa metodologia terapêutica pode ser aplicada em grupos ou individualmente, em instituições diversas, públicas ou particulares. Pode ser aplicada a pessoas com limitações intelectuais, motoras, de visão e audição.
E especificamente no contexto hospitalar, quais os benefícios para os pacientes?
Em nossa experiência, o emprego do material expressivo com finalidades terapêuticas à beira do leito sendo associado às terapêuticas médicas tradicionais tem sido bem aceito pelo corpo clínico. Em nossas publicações, ressaltamos que muitos autores ratificam a eficácia clínica da terapia individual e de grupos por meio da utilização de material expressivo com pacientes internados. Confirmamos que a participação dos acompanhantes dos pacientes, nas atividades, foi capaz de ajudá-los a aceitar a enfermidade de seus entes queridos, mitigar sua dor e assim torná-los mais afetivos e mais resilientes ao sofrimento. Percebemos que os pacientes fazerem atividades expressivas junto com os funcionários do hospital que cuidam deles representa uma transformação da hierarquia instituída, e o processo dinâmico de expressão coletiva revelou-se um recurso promotor da integração que estreita laços de intimidade e confiança entre eles. Isso gerou a formação de grupos informais de conversas espontâneas ou estimuladas pela equipe sobre as próprias atividades, a doença, o tratamento, a qualidade de vida. Nossas pesquisas atestam que há uma enorme repercussão da ação sobre todas as pessoas presentes no processo, mesmo naquelas que não participaram ativamente das ações, tornando o hospital um lugar mais acolhedor.
E para os profissionais da saúde, de que forma ajuda?
As vivências dirigidas aos profissionais do hospital (médicos, enfermeiros, auxiliares em geral, equipe da limpeza), que atuam diretamente com portadores de doenças muito graves, precisam ser igualmente cuidadas com atenção e dedicação. Esses cuidadores participam das ações, das vivências e usufruem dos seus benefícios terapêuticos. Os efeitos da participação em atividades com arteterapia para esses profissionais transcendem os indivíduos – todo o ambiente dos ambulatórios e das enfermarias é cuidado e se transforma em um espaço de vida e saúde.
Falem um pouco sobre o projeto descrito no livro ‘Terapia expressiva: um guia para vivências com arteterapia no hospital’.
O livro apresenta reflexões sobre as atividades do programa de extensão Terapia Expressiva como Veículo de Cuidado Integral no Hospital Universitário Antônio Pedro (TECI-HUAP) da Universidade Federal Fluminense (UFF), cujas ferramentas essenciais são o afeto e a arteterapia – prática integrativa e complementar aprovada pelo Ministério da Saúde para o Sistema Único de Saúde (2017). As ações do programa são brevemente descritas a seguir:
a) Ações de cuidado integral à saúde a cerca de 60 pacientes sob tratamento onco-hematológico, seus acompanhantes e profissionais de saúde no ambulatório do Núcleo de Atenção Oncológica do HUAP e na enfermaria de Hemato-Oncologia. Tais atividades são campos de prática para profissionais e alunos de cursos de graduação da área da saúde, aperfeiçoamento para arteterapeutas voluntários na equipe.
b) Fotografia e vídeo. Divulgação de resultados e campo de investigação do potencial terapêutico dessas ferramentas durante as ações de cuidado com arteterapia no hospital.
c) Educação e formação: o curso de extensão Cuidar de Si com Arte (cuidado de si e sensibilização pela arteterapia) foi oferecido a profissionais da saúde e graduandos diversos de 2012 a 2018. Orientação prática e de pesquisa para arteterapeutas, bolsistas e estudantes de diferentes cursos de graduação nas ações de cuidado, grupo de estudos, palestras e eventos culturais.
d) Projetos de pesquisa: os resultados das pesquisas e a publicação das ações em dissertação de mestrado, livros, capítulos de livros e artigos revelaram evidências científicas e práticas da factibilidade e utilidade da utilização da arteterapia no contexto hospitalar, mesmo para pacientes graves.
O livro, legado do programa iniciado em 2010, um trabalho realizado por muitas mãos e corações, pretende ser um manual de consulta para arteterapeutas interessados em saber por que, para quem e como fazer arteterapia em um hospital. Nele, são evidenciadas as ações de cuidado integral com a arteterapia no ambulatório e enfermaria de hemato-oncologia e as fotos que as documentam e ilustram.