Um dos grandes problemas em termos das capacidades dos alunos em conseguir resolver problemas é a dificuldade em estabelecer estratégias e traçar caminhos para atingir seus objetivos. Por outro lado, em minha experiência como professor e gestor escolar, observei também em grande parte dos alunos uma exacerbada tendência a agir (ou reagir) de forma automática, sem elaboração de processos de pensamento e criticização das ações a serem executadas, levando a um bloqueio na capacidade de elaboração de estratégias e soluções.
Uma das ferramentas que veio a ser elaborada no final do século passado na tentativa de solucionar tais problemas foi o que veio a ser chamado de metacognição que, grosso modo, pode ser entendida como a autorregulação dos processos cognitivos, de forma a “adquirir, planejar e utilizar o seu conhecimento”, com a devida compreensão da finalidade, planejamento de ações, aplicações, alterações necessárias e avaliação das tarefas a serem executadas[i]. Conforme salienta Evelise Portilho, “ao tomar consciência e adquirir controle sobre sua aprendizagem, acredita-se que o aluno possa chegar a melhores e mais significativos resultados em seu trabalho acadêmico” (p. 47). Desta forma, entende-se que é uma capacidade de monitorar e autorregular os próprios processos cognitivos[ii].
Esta é uma característica eminentemente humana: a capacidade de pensarmos e repensarmos nossas ações, de forma a aprendermos com elas e de modificarmos o que for necessário para atingirmos nossos objetivos. Como bem lembram Graciela de Jou e Tania Sperb, “imagine como seria nossa vida se não tivéssemos consciência de nossos próprios pensamentos? Como poderíamos planejar nossas ações e corrigi-las? […] Como poderíamos escolher a maneira mais adequada de estudar ao longo de nossa vida acadêmica?”[iii].
O que é e como surgiu?
A metacognição surgiu a partir dos trabalhos de John Flavell, um psicólogo americano que, ao final da década de 70 começou a publicar uma série de escritos[iv], com foco inicial na área de memória[v], com a finalidade de esclarecer os “processos mentais que regulam pensamentos e atitudes humanas”, de realizar “a ação de pensar sobre o pensar, ou seja, a cognição da cognição[vi]”. O termo metacognição, entretanto, é um termo “guarda-chuva” que engloba variados significados que surgiram na literatura ao longo dos anos, sendo relacionado a processos individuais de pensamento e informação[vii]. É isso que significa o prefixo “meta” – sobre si mesmo. Metacognição, assim, se refere a dois aspectos importantes da aprendizagem: o conhecimento metacognitivo, ou o conhecimento do indivíduo acerca de suas habilidades cognitivas, da natureza de tarefas específicas e de estratégias e como utilizá-las para aprender; a regulação cognitiva, por outro lado, trata do monitoramento e controle dos próprios processos cognitivos[viii]. Em resumo, no dizer de Evelise Portilho[ix], se trata de planejar e regular a própria cognição.
A observação de que os melhores estudantes, com melhores resultados acadêmicos, e que eram eficientes na execução de tarefas acadêmicas, eram aqueles que eram capazes de tomar consciência e criticar seu próprio conhecimento, de bolar estratégias para aprender melhor, e que eram capazes de monitorar sua própria aprendizagem começou, gradativamente, a formar o corpo desta área da ciência[x]. Afinal, conhecer o que se conhece faz toda a diferença no monitoramento do que ainda falta e de que caminho seguir.
De fato, conforme asseveram Graciela Jou e Tania Sperb, a metacognição propicia uma aprendizagem mais eficiente, e os indivíduos considerados hábeis metacognitivamente seriam aqueles “capazes de saber o quê sabem (conhecimento declarativo), como utilizar o que sabem (conhecimento procedural) e porque, onde e quando utilizar o que sabem (conhecimento condicional, contextual), aplicando as estratégicas relevantes ao objetivo da atividade cognitiva”[xi]. A maior consciência, por parte do aluno, de seus pontos fortes e fracos aumenta seus esforços de melhorar suas habilidades de aprendizagem[xii].
Por outro lado, e reforçando a importância da metacognição, Claudia Davis, Marina Nunes e Cesar Nunes asseveram que o fracasso em aprender está mais voltado a dificuldades metacognitivas do que propriamente a problemas cognitivos, pela falta de competências e conhecimento necessários para saber utilizar e transferir tais aprendizagens a outras situações. Assim, não saber o que se sabe, e o que não se sabe, em termos da consciência, parece ser uma questão diretamente ligada ao fracasso escolar. “Faltam-lhes métodos de trabalho, motivação e, consequentemente, persistência nas tarefas” (p. 228) [xiii].
In comparison to other students, students using their metacognitive skills effectively are those who are more aware of their strengths and weaknesses and strive to improve their learning skills further
Metacognição baseada em evidências
Variados estudos científicos têm comprovado, ao longo dos anos, que usar metacognição impacta positivamente em variadas tarefas cognitivas. Selecionamos aqui algumas áreas em que a metacognição têm comprovada eficácia:
- Relação entre Metacognição e Aprendizagem Autorregulada – há um consenso científico de que há uma relação intrínseca entre a autorregulação do aluno em termos de sua aprendizagem, estratégias metacognitivas e realização acadêmica[xiv].
- Aprendizagem da Leitura Compreensiva – quanto maior o hábito de leitura, mais se torna possível a utilização de estratégias de leitura mais adequadas, tendo em vista maior capacidade de avaliação da própria compreensão. Isso também se reflete na maior habilidade de leitura, na melhor compreensão da ideia principal do texto, na consciência da superestrutura (tipo do texto) mais bem elaborada, na recuperação do texto e na capacidade de reflexão sobre o texto[xv].
- Julgamento da Própria Aprendizagem – aumenta a capacidade de recuperação dos conhecimentos aprendidos[xvi].
- Dependência da Idade – a metacognição é mais assertiva em idades mais avançadas e a partir da experiência, e aumenta na pré-adolescência e adolescência, estando relacionada ao desenvolvimento da atividade intelectual[xvii]. Ainda assim, considera-se que a partir dos 8 anos de idade já há capacidade metacognitiva no indivíduo, embora haja estudos que tenham relatado efeitos de estratégias metacognitivas em pré-escolares[xviii]. Por outro lado, não é uma aquisição automática, pois há adultos que não desenvolvem habilidades metacognitivas.
- Influência em Áreas Fundamentais da Aprendizagem Escolar – como na comunicação, compreensão oral e escrita, resolução de problemas, avaliar o próprio aprendizado (ou não aprendizado), aumentar a motivação para a melhoria do desempenho escolar[xix].
- Habilidades de Aprendizagem – leitura rápida e fluida, planejamento e controle do tempo e o uso de estratégias mnemônicas estão relacionados ao autocontrole por parte do aprendiz[xx].
- Estratégias Múltiplas – o uso de múltiplas estratégias parece ser necessário para desenvolver a aprendizagem autorregulada, bem como habilidades e conhecimento metacognitivo[xxi].
Domínios e Modelos Metacognitivos
Graciela Jou e Tania Sperb alertam, entretanto, para o risco do risco do que entendo como uma relativização do termo metacognição que levaria a se referir a toda sorte de fenômenos psicológicos que fossem próprios do estado consciente do sujeito, risco este apontado pelo seu próprio criador[xxii]. Para minimizar este risco, sugeriu-se uma especificação do domínio metacognitivo a partir dos tipos de conhecimento necessários à atividade metacognitiva, bem como a especificação de modelos metacognitivos, para melhor compreensão:
- Conhecimento Metacognitivo – conhecimento cognitivo global adquirido pelo indivíduo, ou seja, sua mente e características psicológicas. Ana Paula Figueira se refere a esta característica a partir do termo sensibilidade, proposto pelo próprio Flavell em conjunto com Henry Wellman. É dividido em três tipos de variáveis:
- Da pessoa – conhecimento adquirido sobre aspectos universais da cognição humana, sobre as habilidades e motivações dos outros, e sobre as suas próprias habilidades e motivações. Permite aprender pela experiência.
- Da tarefa – conhecimento adquirido sobre como lidar com as informações em si, o que permite avaliar a diferença entre tarefas, o que facilita a organização para sua resolução.
- Da estratégia – conhecimento sobre o tipo de estratégia utilizada, ressaltando-se a diferença entre estratégia cognitiva e metacognitiva. Na primeira, trata-se da simples resolução da tarefa; na segunda, da certeza de que é a estratégia correta, por meio de sua repetição e/ou certificação.
- Experiência Metacognitiva – experiência subjetiva relacionada a um evento, por meio do sentimento ou feeling de que se sabe ou não algo. Em outras palavras, da consciência acerca das experiências vivenciadas em termos cognitivos e afetivos.
- Objetivos Cognitivos – metas a serem alcançadas nas tarefas cognitivas. Segundo Ana Paula Figueira, tais objetivos podem ser implícitos ou explícitos, sendo importantes na monitoração da tarefa[xxiii].
- Ações Cognitivas – atitudes tomadas para atingir-se as metas pretendidas. Também servem como forma de avaliação da eficácia das estratégias cognitivas.
- Interação – Ana Paula Figueira ressalta este domínio que integra “o conhecimento da tarefa, do self e das estratégias em interacção[xxiv]”, como forma de integrar os domínios anteriores.
Graciela Jou e Tania Sperb ressaltam que, ao longo das décadas, foram postulados, no meio acadêmico, vários modelos metacognitivos, que surgiram a partir de diferentes paradigmas. A partir do trabalho de revisão de S. Yussen, as autoras postularam os modelos que reproduzimos (com adaptações) a seguir:
Paradigma do Processamento de Informação – descreve modelos de controle, em que estão presentes mecanismos utilizados em treinamentos de estratégias e generalização, como monitoramento e autorregulação. Este paradigma norteia a maioria das descrições sobre metacognição, pois visa descrever os “mecanismos executivos do sistema cognitivo para aprendizagem, por meio do desenvolvimento da auto-regulação, e na instrução, por meio do desenvolvimento da heterorregulação”[xxv].
Paradigma Cognitivo-Estrutural – adotado por Piaget e Feldman, ressalta a relação entre uma mudança estrutural do conhecimento metacognitivo e outros conhecimentos como forma de descrever a estrutura do conhecimento.
Paradigma Cognitivo-Comportamental – adotado por, entre outros, Albert Bandura, integra a metacognição ao repertório de simbolismos que permeiam a aprendizagem, descrevendo uma modelagem metacognitiva relacionada a mudanças no comportamento.
Paradigma Psicométrico – procura identificar fatores metacognitivos em testes, a partir da análise do desempenho.
O papel da Escola e do Professor
Claudia Davis, Marina Nunes e Cesar Nunes ressaltaram, em seu artigo[xxvi], sobre a dificuldade de respostas que se segue quando se pergunta a professores como se constrói um cidadão crítico e autônomo, como a escola faz esse trabalho. Claro que atingir o que se estipula na legislação ou mesmo em conversas de especialistas pode ser fácil de se entender, mas parece ser uma tarefa de proporções gigantescas. Porém, quando se pensa em diferentes escolas, com propostas diferenciadas e, muitas vezes até antagônica, dentro de um mesmo sistema de ensino, a situação parece piorar ainda mais.
Os autores também enfatizam a importância da enculturação provocada pela escola como instituição, ressaltando a facilidade de encontrar culturas escolares voltadas para a informação (aluno que sabe muito, mas não sabe tão bem como usar o conhecimento, típico das escolas conteudistas) e aquelas voltadas para a formação (o aluno sabe que direção tomar, mas não tem uma base conceitual tão sólida). São mais raras, entretanto, aquelas que são voltadas para a cultura do pensar, que refletem sobre sua condição, suas escolhas e estratégias.
Eveline Portilho ressalta que cabe ao professor auxiliar o aluno na ativação de sua atenção no sentido de uma aprendizagem significativa, para que possa processar o objeto da aprendizagem de forma ativa e relevante[xxvii], o que também é considerado por Mayara Gomes e Jesus Brabo[xxviii]. Além disso, depende do professor a tarefa de explicitar o que se pretende da forma mais clara possível, inclusive no que se refere a torná-los conscientes do que se pretende, no sentido das reflexões necessárias a respeito das situações que se apresentam, de forma a poderem escolher estratégias mais assertivas e que reflitam na aprendizagem. O termo consciência aparece como um elemento central quando se fala de metacognição, sendo que seu produto é o “sentimento de saber”[xxix].
Quais são os caminhos?
Partindo do pressuposto que tudo que se faz em Educação não funciona com “fórmulas de bolo”, pensar em criar cidadãos críticos, autônomos, lúcidos e capazes de resolverem problemas complexos pode ter inúmeros caminhos diferentes. Há, entretanto, alguns pontos comuns que podemos explorar. Mayara Gomes e Jesus Brabo[xxx], citando duas autoras americanos, Linda Baker e Ann Brown, relatam duas:
1 – Planejamento de abordagens para tarefas que envolvem identificação do problema, escolha de estratégias, organização de pensamentos e previsão de resultados;
2 – Atividades de monitoramento: aprendizagem de testes, revisão e avaliação da eficácia de nossas estratégias, verificação de resultados: avaliação dos resultados com base em critérios específicos de eficiência e eficácia.
A Cambridge Assessment[xxxi] acrescenta:
3 – Explicitação de metas de aprendizagem: planejamento de estratégias, autoavaliação, monitoramento de resultados, compreensão de metas de médio e longo prazo.
4 – Planejar progressão no ensino de novas estratégias cognitivas: ativando conhecimentos prévios e orientação explícita sobre estratégias, além de estimular a prática independente e a reflexão estruturada.
5 – Modelar o uso de estratégias cognitivas: questionamentos em voz alta, modelar o uso de estratégias entre disciplinas escolares (p.ex., o que é feito em matemática poder ajudar em geografia).
Evelise Portilho apresenta, a partir do pensamento de A. Ontorria[xxxii], outros pontos a considerar:
6 – Centrar-se na compreensão, o que exige que vá muito além da mera aquisição da informação e de conteúdos didáticos, o que promove o desejado “aprender a aprender”.
7 – Valorizar o pensamento autônomo, criativo e divergente: especialmente por meio da reflexão e do senso crítico, o que permite a potencialização da aprendizagem.
8 – Valorizar a pessoa: por meio da valorização das relações humanas, o que exige a flexibilização do processo ensino-aprendizagem, evitando rótulos e discriminações entre os estudantes.
Mayara Gomes e Jesus Brabo relacionam ainda:
9 – Tornar visíveis pensamentos subjacentes – permite o pensar conscientemente a própria aprendizagem.
10 – Questionar o próprio conhecimento ou desconhecimento – por meio de perguntas do sobre o que se sabe, o que não se sabe, e o que é necessário que se saiba.
Ana Paula Figueira ressalta também:
11 – Instrução explícita e direta do pensamento metacognitivo – seja por parte do aluno, seja por parte do professor (neste caso sobre seus próprios processos mentais).
12 – Autodetecção de Erros – por meio de explicação do professor sobre os processos cognitivos da aprendizagem, mais do que os produtos desta, com vistas à autoavaliação do aluno.