O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma condição neurobiológica que afeta o comportamento, causando dificuldades de concentração, impulsividade e hiperatividade. De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o número de casos varia de 5% a 8% em crianças no mundo todo. Desses, 60% a 85% continuam a apresentar o quadro na adolescência e até 60% permanecem com os sintomas quando adultos.

Nesta entrevista, o tema é aprofundado pelo psiquiatra Marcos Magalhães Ferreira, formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pós-graduado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Ele atua em consultório particular e em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e é diretor clínico do Hospital Psiquiátrico de Rolândia, onde também presta assistência.

Quem o TDAH mais afeta (prevalência) e por quê?

De acordo com a ABDA, o número de casos de TDAH no mundo varia entre 5% e 8% em crianças. Estima-se que 60% a 70% das crianças com o transtorno apresentam outra comorbidade psiquiátrica e pelo menos 10% delas apresentam três ou mais dessas comorbidades. Desses 5% a 8%, 60% a 85% continuam a apresentar o quadro na adolescência e até 60% permanecem com os sintomas quando adultos.

A incidência em pais e irmãos de crianças com TDAH é 2 a 8 vezes maior que na população geral. De fato, a genética tem uma ligação tão relevante que constatamos uma prevalência de 30% em um ou em ambos os pais com o transtorno.

Estudos sugerem que os meninos têm 5 a 8 vezes mais probabilidade de serem diagnosticados com o transtorno do que as meninas, mas esse fato parece estar relacionado às diferenças de sintomas apresentados entre os diferentes sexos. Como os meninos costumam manifestar mais hiperatividade/impulsividade e as meninas mais déficit de atenção, eles acabam sendo mais diagnosticados e, consequentemente, mais adequadamente tratados. Dessa forma, a ideia de a prevalência ser maior em meninos traz consigo este viés. Com efeito, percebe-se que, em adultos, a taxa de prevalência se iguala entre os gêneros, de um apara um.

Atualmente, o tema tem grande repercussão nas redes sociais e parece que virou moda as pessoas dizerem que têm TDAH. Fale a respeito.

A primeira vez que o TDAH apareceu nos manuais diagnósticos foi no final da década de 1980. Com o passar do tempo, o assunto se tornou cada vez mais conhecido e o interesse sobre ele se intensificou consideravelmente, sobretudo nos últimos anos, vinculados, como não poderia deixar de ser, à explosão das redes sociais. A prevalência, por exemplo, subiu de 6% no final da década de 1990 para 10% por volta de 2016.

Esse aumento de diagnósticos se deve à ampliação tanto da conscientização quanto do entendimento do TDAH e não a um real aumento do número de casos. O maior conhecimento permite e propicia identificação de novos indivíduos que sofrem com os sintomas, mas não buscavam ajuda anteriormente. Contudo, a despeito do notável interesse e do modismo relacionado ao tema, é importante que as pessoas continuem a se informar e procurem sanar suas dúvidas com profissionais de saúde capacitados a abordá-lo.

Quais os principais sintomas do TDAH nas diferentes etapas da vida?

O TDAH é classificado, atualmente, em três subtipos: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo ou combinado. Os sintomas mais comuns são de desatenção, de hiperatividade e/ou de impulsividade de modo a causar problemas na funcionalidade do indivíduo em atividades acadêmicas, profissionais e sociais.

No que se refere à desatenção, a manifestação ocorre de diversas formas, como cometer erros por descuido ou não prestar atenção em detalhes ao se executar atividades; ter dificuldade em manter a atenção, ficar “longe”, distraído, quando alguém fala ou ao assistir a algo; ter dificuldade de terminar atividades e de se organizar para realizá-las, como, por exemplo, deixar objetos pessoais e trabalhos bagunçados, ou não organizar o tempo e perder prazos, evitar atividades que exijam esforço mental, perder objetos utilizados no dia a dia, como materiais, documentos, óculos ou chaves, esquecer-se de compromissos, como pagar contas, cumprir obrigações ou faltar a reuniões.

Quanto à hiperatividade/impulsividade, percebe-se por meio de sintomas como ficar se mexendo ou balançando as pernas o tempo todo, levantar-se e sair de locais onde deveria permanecer sentado, ter sensação de inquietação, não fazer as atividades com calma, sentir-se “ligado na tomada” e não ficar quieto em situações nas quais se deveria ficar calmo, não esperar sua vez na hora de falar e falar demais, ter dificuldade de esperar sua vez em qualquer atividade, intrometer-se nas atividade alheias ou até interrompê-las.

Com tantos sinais e sintomas envolvendo o TDAH, há algumas diferenças entre crianças e adolescentes e adolescentes mais velhos e adultos. Como já mencionado, as crianças do sexo masculino tendem a apresentar mais hiperatividade e impulsividade ao passo que as meninas se revelam mais desatentas, mas claro que isso não é uma regra. Os adolescentes mais velhos e os adultos também demonstram mais desatenção.

Quando pensamos em hiperatividade, as crianças realmente ficam tão inquietas que não conseguem ficar sentadas e comportadas em lugar nenhum, seja em sala de aula de aula, seja em casa, seja em consultórios. Elas andam para todos os lados, mexem em tudo, sobem em qualquer lugar o tempo todo. São apenas segundos de sossego para quem convive com elas.

Os mais velhos, por outro lado, manifestam essa hiperatividade de uma forma diferente, como uma sensação de inquietude. Eles possuem maior controle da hiperatividade, mas continuam impulsivos, alguns de forma mais amena, outros nem tanto.

Como deve ser feito o diagnóstico adequado?

No passado, era necessário que houvesse sintomas antes dos 7 anos de idade, no entanto, hoje em dia, a idade foi ajustada para 12 anos. Ora, se algum adulto vem conversar sobre o assunto e suspeita do diagnóstico, muitas vezes é difícil se lembrar de um passado tão longínquo, anterior aos 6 anos. Essa mudança permitiu o reconhecimento de novos e corretos diagnósticos com o benefício de se iniciar tratamento e proporcionar melhora substancial nas atividades e na qualidade de vida. Ele é feito por meio de histórias médica e psiquiátrica completas, e podem ser utilizados questionários ou testes neuropsicológicos. Não existem exames que definam o diagnóstico.

Quais os tratamentos mais indicados?

O tratamento primordial, de primeira linha, é medicamentoso, no qual se utilizam os estimulantes do sistema nervoso central ou outro medicamento envolvido na transmissão da noradrenalina nas sinapses quando os estimulantes não funcionam ou são contraindicados.

Contudo, além de medicamentos, é importante fazer terapia psicopedagógica, nos casos de estudantes, e psicoterapia. Essas terapias vão propiciar reestruturação dos ambientes, reorganização das rotinas e educação dos pares que convivem com as pessoas que têm TDAH. Assim, além de ajudar na organização da vida, trarão benefícios emocionais com a redução do nível de ansiedade e do aumento da autoestima, já que esses sentimentos acabam se alterando devido às dificuldades e às disfuncionalidades que o transtorno causa.

Quais os benefícios que a Lei Municipal Nº 7.734/2024, recentemente aprovada em Governador Valadares/MG, deve trazer?

Embora muito se discuta a respeito do TDAH, o município de Governador Valadares tomou uma atitude ainda mais admirável e específica para o enfrentamento da condição. Em agosto de 2024, foi aprovado o Mês de Conscientização sobre TDAH. Durante esse mês, várias atividades devem ser realizadas para aumentar a compreensão sobre o tema na população geral, promover educação de pais, professores, profissionais de saúde e da sociedade como um todo, incentivar diagnóstico precoce e tratamento adequado, combater preconceitos e oferecer apoio e orientações às famílias de pessoas com TDAH. Essas atividades podem ser concebidas por meio de campanhas educativas em escolas, instituições de saúde e na mídia, além de palestras e eventos educativos com especialistas, distribuição de materiais informativos e divulgação de recursos e serviços para diagnóstico e tratamento.

Esse tipo de iniciativa é muito importante, pois, além de informar e sensibilizar a sociedade, permite tanto o tratamento para as pessoas que tem o transtorno quanto a psicoeducação necessária a todos aqueles que convivem com elas, orientando-os a como lidar e se envolver com as situações do dia a dia de forma salutar. Afinal, o suporte adequado faz toda a diferença no enfrentamento das dificuldades e na capacidade de promover melhora da qualidade de vida. Um ótimo exemplo a ser seguido por outros municípios, pelos estados e até pela União a fim de gerar e viabilizar mais benefícios à população.