Há mais de 22 anos com o diagnóstico de esclerose múltipla, a atriz Cláudia Rodrigues, querida pelos brasileiros por personagens como Marinete, de A diarista, e Ofélia, de Zorra Total, tem buscado diversos tratamentos para enfrentar a doença. Sua equipe inclusive anunciou a venda de uma cobertura no Rio de Janeiro para custear o túnel térmico cerebral, técnica experimental focada na indução de proteínas de choque térmico com o objetivo de restaurar a função cerebral de pacientes afetados por doenças neurológicas degenerativas.
Nesta entrevista, o assunto é abordado pelo neurocirurgião Bruno Burjaili, especializado no tratamento de doenças da cabeça, nervos e coluna vertebral, com experiência em doença de Parkinson, tremores, distonia, dores crônicas e fibromialgia.
Assim como esclerose múltipla, Parkinson e Alzheimer também estão entre as doenças que são alvo do método desenvolvido pelo médico e pesquisador brasileiro Marc Abreu na Universidade de Yale, Estados Unidos. Ele é especialista em termodinâmica cerebral e frequências termorregulatórias.
O que é a técnica do túnel térmico cerebral e por que há suspeitas da comunidade médica sobre ela?
A técnica chamada de túnel térmico cerebral ainda é experimental, ou seja, não está definido que realmente tenha eficácia, o que significa que quem se submete está sendo testado. Ela é proposta por um médico brasileiro (Marc Abreu) por meio da utilização de um aparelho de criação própria, no entanto essa máquina recebeu autorização da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos apenas para medir a temperatura cerebral, não para a aplicação de tratamentos. O modo como funcionaria a tentativa não fica muito claro nas descrições do colega. São descrições confusas, como aquecer o organismo a 100 graus celsius, o que, naturalmente, não seria resistido, já que o corpo humano não consegue manter a vida nessa temperatura.
Também há confusão na tentativa de explicar cura ou regressão de doenças consideradas crônicas, já que cientistas e médicos do mundo todo não têm acesso a esses resultados. É improvável que esse tipo de promessa seja cumprida. Se ele afirma ser possível, precisa provar, e isso certamente teria repercussões fantásticas. Algo tão essencial que não é revelado gera, naturalmente, suspeitas e remete a outras iniciativas de intuito pouco claro que caem em descrédito conforme a ilusão é desfeita. No final das contas, quem pode se prejudicar é o paciente e sua família.
O alto custo é outra questão que gera questionamentos da comunidade médica e científica, uma vez que tratamentos experimentais, via de regra, não são cobrados dos pacientes, já nesse caso, o custo total do tratamento pode chegar a R$ 25 milhões de reais. É uma pena que não se disponha à divulgação, pois sempre estamos ansiosos para oferecer novos tratamentos a quem precisa, porém que sejam seguros, amplamente documentados e que funcionem. Os pacientes e famílias sentem que não podem esperar e, muitas vezes, esse sentimento, diante de uma promessa estranha, os induz a riscos e custos obscuros.
Qual o posicionamento das entidades representativas da área no Brasil?
Após a repercussão do tratamento, tanto a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), quanto a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) divulgaram notas em que ressaltam, respectivamente, que a técnica é “estranha aos postulados da medicina” e que “a ciência ainda procura uma cura para essa patologia […] toda nova possibilidade de intervenção terapêutica deve passar por uma rigorosa etapa de testes clínicos multicêntricos”.
E quanto aos pacientes que afirmam ser beneficiados pela técnica?
Uma das afirmações que mais supostamente embasam o tratamento são os efeitos positivos em quem se submeteu à técnica, mas apenas os relatos de pacientes não podem sustentar a eficácia de um método, pois podem resultar do chamado efeito placebo. O efeito placebo ocorre quando uma parte da melhora conseguida é devida à crença no que está sendo feito, ele pode fazer com que pessoas que tomam pílula de farinha possam sentir melhoras. Existem técnicas na ciência para separar o que é placebo do que é efeito real do tratamento e verificar, então, se aquela iniciativa está realmente sendo eficaz. Assim, quando alguém relata haver melhorado, não conseguimos saber se foi o próprio túnel térmico ou se foi a crença nele, já que os dados não são disponibilizados.
O que pode ser feito para tratar essas doenças neurológicas?
Tanto a esclerose múltipla quanto a doença de Parkinson, a esclerose lateral amiotrófica (ELA) e Alzheimer são doenças muito diferentes entre si, mas que têm em comum o fato de ainda não haver cura ou modos conhecidos de interrompê-la. Porém existem diversos tratamentos que trazem uma bagagem de pesquisas e evidências demonstrando efeitos reais para redução de sintomas e melhor qualidade de vida para o paciente. A doença de Parkinson, sobre a qual posso falar, tem uma gama de medicamentos comprovadamente eficazes para reduzir sintomas, assim como técnicas de fisioterapia e fonoterapia, entre outras, sem contar até o implante do chamado marca-passo cerebral, demonstrando que há, sim, muito estudo e tecnologia empregados para fazer o melhor possível a quem enfrenta esses desafios. Tudo isso sempre embasado pela ciência séria e pelo respeito a essas pessoas.