ESTUDO DE CASO

A primeira vez que falei com Rafaela, ainda por telefone, foi para agendar sua primeira consulta. Ao final da ligação, ela me perguntou: “A senhora acredita em Deus?”  Achei aquilo meio estranho e fora de contexto, mas respondi-lhe que sim. Depois imaginei se tratar de uma pessoa muito religiosa ou algo parecido, de forma que não dei maior atenção ao fato.

Ao conhecê-la, alguns dias depois, vi que teríamos um longo trabalho pela frente. Rafaela estava completamente perdida. Aos 30 anos não sabia quem era, e muito menos aonde queria chegar. Vítima de diagnósticos errados (nos quais ela até, então, acreditava e que descobrimos serem errados somente alguns meses mais tarde), tomava anticonvulsivantes e abandonara completamente uma de suas duas grandes paixões. Uma delas era uma pequena moto da qual ela falava com brilho nos olhos, e que me parecia infinitamente distante daquela figura envelhecida que estava diante de mim. A outra paixão era um namorado, que ela também abandonara, por acreditar que seria responsabilidade dela ficar ao lado da mãe alcoólatra para evitar que esta bebesse, o que, evidentemente, não acontecia. Junto com tais renúncias vieram outras, como a da própria sexualidade, que fizeram Rafaela perder completamente seu brilho, além de adquirir uma obesidade mórbida que, quando apontada por mim, causara-lhe espanto por naquele momento “fazê-la perceber que era gorda”. Na faculdade não tinha amigos e fazia um curso do qual não gostava e que nada tinha a ver com ela, de forma que, também nessa área, Rafaela acumulava fracassos que, por sua vez, contribuíam ainda mais para a diminuição de sua autoestima.

Determinação

Mas havia algo a favor de Rafaela: ela queria mudar. E mais do que isso: Talvez por ter tido poucas oportunidades na vida, agarrou-se à psicoterapia como sua última possibilidade de salvação, encarando-a com a disciplina de uma atleta.

Ao final de 4 anos de tratamento, Rafaela era outra pessoa: largara os anticonvulsivantes, aprendera a lidar com o alcoolismo da mãe, estava frequentando um novo curso na faculdade aonde passou a ser popular, começou a ter uma vida sexual ativa e, a mais evidente de suas mudanças: estava 35 quilos mais magra em virtude de uma cirurgia de estômago.

Já no processo de alta, Rafaela chegou ao consultório indignada com o comentário de uma amiga para a qual havia contado que fora promovida no trabalho: “É impressionante como você tem sorte na vida!” Rafaela, que trazia uma antiga foto sua nas mãos, começou a fazer uma retrospectiva de todo nosso processo terapêutico, suas dificuldades, o difícil processo de rever suas crenças, descobrir suas forças pessoais, investir no prazer e todas as pequenas conquistas que a haviam conduzido até aquele momento. Estava muito claro que sua felicidade atual era resultado de um duro trabalho pessoal no qual estivera envolvida nos últimos 4 anos. Com sua autoestima recuperada, Rafaela sabia que aquela felicidade era, mais do que qualquer coisa, uma conquista sua. Uma vitória que estaria sempre ali, pronta, para lembrar-lhe de seu próprio poder de realização.

A despedida

E foi assim nossa última sessão. No final, nos abraçamos muito, ela me deu sua antiga foto e, mais uma vez, surpreendeu-me com uma pergunta: “Você se lembra da primeira vez que nos falamos por telefone?

Respondi-lhe que sim e ela imediatamente continuou: “Lembra que eu lhe perguntei se você acreditava em Deus? Eu nunca te disse por que havia perguntado aquilo. Naquele momento eu queria me matar. Mas eu queria antes me “confessar” com alguém que acreditasse em Deus. Obrigada por ter me ajudado a me salvar de mim mesma e, principalmente, a acreditar na felicidade”.