A felicidade não está na eternidade em si, tampouco na busca por ela, mas sim no movimento de se autotranscender em direção a ela. É na autotranscedência, no encontrar-se com o outro em uma relação genuinamente humana, que o ser realiza seus valores e experiencia seu sentido de vida. Logo, a felicidade não é um produto a ser alcançado, mas sim uma experiência a ser realizada. Para Frankl (2019) “(…) a felicidade precisa ter um fundamento cujo efeito compareça espontaneamente; em poucas palavras, a felicidade resulta, não se deixa obter, não é fabricável; ao contrário, quanto mais se torna um fim, quanto mais se coloca em jogo o prazer, mais rápido ela se desvanece (…) uma vez postos em prática, o princípio do prazer se monstra um único e imenso desmancha-prazeres” (Frankl, 2019, p. 85). Por isso, precisamos resgatar a procura pelo sentido de vida, porque nele está implícito o encontro existencial com a felicidade. Uma busca unicamente centrada no encontro de um propósito (não do sentido) de vida como recurso único para ser feliz nos afasta da dimensão espiritual e relacional do nosso ser, que se revela egoísta ao alimentar somente a ideia de um “Eu” a ser cultivado (Frankl, 2011).

A cultura do autocentrismo

Muitas pessoas acabam por viver uma vida ensimesmada, influenciadas pela cultura contemporânea que prega o autocentrismo em contrapartida ao autodistanciamento realizado pela autotranscedência. Centrada em si mesma e com foco máximo e exclusivo na busca pela felicidade, a pessoa se torna o centro das suas atenções e negligencia suas relações consigo mesma, com as pessoas e com o mundo, dificultando, assim, sua autotranscedência. Vivendo no conformismo e/ou totalitarismo (Frankl, 2011), ou seja, “faço o que querem que eu faça” OU “faço o que todos fazem”, respectivamente, as pessoas esquecem de viver sua autotranscedência e deixam, assim, de buscar uma experiência mais genuína do existir humano, o que seria o recurso capaz de prevenir o mal de muitas épocas: o vazio existencial.

Importante destacar que não se trata de uma busca pela busca, porque assim ela também seria vazia de sentido, mas sim uma busca pelo seu sentido de vida, por constituir-se como um ser único apesar da universalidade (Frankl, 2012) e que responde ao “chamado” da sua existência: o encontro pelo sentido de vida. Com licença para uma metáfora poética: Para responder ao chamado da sua existência é preciso olhos para enxergar, mais do que ver, e orelhas para escutar, para além de ouvir!

O legado em vida

Infelizmente, percebemos que muitas pessoas, ao viverem suas vidas sem considerarem o morrer, se desviam de si e da sua existência, tomando atalhos que dificultam o encontro de si mesmas e, consequentemente, do seu sentido de vida. Geralmente, ou elas se identificam excessivamente com a dimensão somática, do corpo, quando se voltam para uma estética cronológica cristalizada no “ser jovem” e se desesperam quando a perenidade da vida se agiganta aos seus olhos, o que para nós aparece como uma infantilização da vida; ou elas se voltam para a dimensão psíquica, quando os males da alma se somam aos declínios do corpo em uma interseção que pode gerar transtornos mentais e psicossomáticos.

Frente à finitude da vida, ou seja, ao momento em que o corpo e a mente parecem padecer, nos questionamos sobre nosso viver nas muitas crises das meias-idades, que podem ser aos 15, 20, 30, 40, 50 ou mais anos de idade. Nestes momentos, então, aparece a desesperança face as indagações à vida, que parecem nunca serem respondidas, pois, afinal, não estamos habituados a responder às perguntas da vida e nem sequer ouvir as perguntas que a vida nos faz! Afinal de contas, somos seres de um tempo em que o niilismo, no sentido clássico filosófico surgido no século XIX, já não mais impera e nos desesperamos frente à finitude de nós mesmos.

É preciso finalizar ciclos

Entretanto, insistimos na ideia de que a proximidade da finitude da vida, de um ciclo de vida, do fim de um ano ou da tão famigerada “morte” pode nos proporcionar reflexões que nos ajude a sermos e existirmos da maneira como somos e desejamos ser. Como seres propensos a ser feliz, é importante reconhecer que a morte e a finitude são aspectos ativos de nossas existências e não somente o fim da vida em si. Com isso, propomos uma aceitação ativa das perdas e mortes como um campo de possibilidades inventivas e infinitas no chamado e caminhar em direção à busca pelo sentido da vida. Para isso, destacamos algumas reflexões que consideramos pertinentes a este momento de finitude de 2020, que foi um ano atravessado pelo espectro da morte em diferentes dimensões: Que novidades o morrer pode nos trazer? Porque a morte e o morrer nos é tão difícil de lidar e, por vezes, aceitar?

Constatamos que as perdas e mortes na vida são inevitáveis e a pandemia da Covid-19 neste ano de 2020 nos escancarou isso a sangue frio! Para além da morte física dos entes queridos, morremos pela transformação contínua de nossas vidas imposta pela pandemia. As perdas, a morte e o luto foram potencializadores dessa transformação. Para a LAE de Viktor Frankl, o que deixamos no pós-morte é o que nos resume e expressa nosso sentido de vida maior (ou supra sentido), ou seja, aquele que é o sentido último de nossa existência (Frankl, 2019). Embora esse supra sentido só possa ser alcançado na conclusão da existência, podemos ter sinais dele quando revisitamos nossa vida e percebemos o que deixaremos como legado.

E MAIS…

Sempre deixamos um legado. Qual é o seu?

Reconhecer nosso legado pode diminuir nossa angústia existencial no enfrentamento cotidiano da morte, já que: “É verdade que nada podemos levar conosco quando morremos. Mas aquela totalidade da nossa vida, que completamos no momento definitivo de nossa morte, fica fora da sepultura e fora permanece – e isso é assim, não apesar de, mas exatamente porque ela entrou para o passado. Assim, o que tivermos esquecido, o que tiver escapado de nossa consciência, não foi eliminado da realidade; passou a fazer parte do passado e permanece como parte da realidade” (Frankl, 2006, p. 110). A isso chamamos legado e é o que deixaremos eternizado! Então, que tal buscar por seu sentido de vida na direção da sua autotranscendência neste e nos próximos anos? O caminho não é fácil, mas com o tempo é possível se autoconhecer e reconhecer-se como um ser ontologicamente liberto e pleno de vontade de sentido. De certo, isso tornará seu encontro existencial com seu sentido de vida mais leve e prazeroso, porque ele está aí, ao seu lado nas pequenas experiências da vida, mesmo em uma pandemia!

REFERÊNCIAS:
Frankl, V. E. (2005). Um sentido da vida: Psicoterapia e Humanismo (V. H. S. Lapenta, trad.). São Paulo, SP: Ideias & Letras.
__________ (2011). A vontade de sentido: Fundamentos e aplicações da logoterapia. São Paulo: Paulus. (Original publicado em 1969).
__________.(2019) Sofrimento Humano: Fundamentos Antropológicos da Psicoterapia (R. Bittencourt & K. Bocarro, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar.