“A segurança psicológica é voltada a empresas corajosas que desejam liderar a transformação da forma de fazer negócios”, afirma a psicóloga organizacional Veruska Galvão (à direita na foto). “Empresas que já estão ‘experimentando’ a segurança psicológica conseguem fazer uma gestão mais consciente e humana, que fala abertamente sobre os incômodos e que não tem medo de ousar. O resultado é engajamento e inovação”, complementa sua colega Patrícia Ansarah. Nesta entrevista, o tema é aprofundado por elas.
Ambas são mentoras executivas e fundadoras do Instituto Internacional em Segurança Psicológica (IISP), única instituição autorizada e capacitada internacionalmente para conceder a certificação em segurança psicológica a profissionais e empresas no Brasil e em todos os demais países de língua portuguesa. Recentemente, lançaram em coautoria o livro ‘Livre para falar: como a segurança psicológica pode ser a principal alavanca para garantir a sustentabilidade do seu negócio’, editora Paraquedas.
A obra reúne artigos de 22 especialistas embasados na teoria original sobre segurança psicológica desenvolvida pela estudiosa norte-americana Amy Edmonson, professora de liderança e gestão na Harvard Business School. Segundo Amy, segurança psicológica é a crença compartilhada pelos integrantes de uma equipe de que essa equipe é um ambiente seguro para se tomar riscos interpessoais.
Patrícia e Veruska relatam que, após anos de vivência no mercado corporativo, estavam em busca de uma “fórmula” que ajudasse as organizações a lidarem com os seus mais diversos desafios, mas que, ao mesmo tempo, empoderasse os profissionais, lhes dando a oportunidade de falar sem medo de constrangimentos e retaliações. Em suas pesquisas mundo afora, encontraram a segurança psicológica como o princípio fundamental para a mudança que desejavam provocar.
O que é segurança psicológica?
Trata-se da crença compartilhada por membros de uma equipe de que aquela equipe configura um ambiente seguro para se tomar riscos interpessoais. Ou seja, um ambiente psicologicamente seguro é aquele em que as pessoas se sentem à vontade para comunicar ideias, desconfortos, sentimentos, expectativas, desconhecimentos, sempre que necessário for e sem o receio de serem julgadas, paralisadas ou sofrerem cancelamentos, humilhação ou represálias por isso, bem diferente do que muitas vezes acontece hoje no mercado.
O conceito de segurança psicológica data da década de 1990 e é fruto do estudo conduzido por Amy Edmonson, professora da Harvard Business School, nos Estados Unidos, sobre a causa de erros médicos em clínicas e hospitais. Ao se debruçar sobre erros extremos, em um ambiente onde falhas podem ser fatais, ela percebeu e organizou insights sobre novos meios de se gerenciar pessoas, conflitos, obter e distribuir informações e considerar pontos cegos em processos que envolvem times.
Como a SP é importante para os times de sucesso?
Quando os times têm segurança psicológica, eles conseguem ver qualquer tema sob a perspectiva do aprendizado e da colaboração. Todo insight é bem-vindo e, assim, ideias brilhantes ou que podem ser lapidadas não são abortadas prematuramente. Da mesma forma, quando as pessoas estão seguras, elas podem falar abertamente sobre o que não está dando certo, sem medo de represálias. Tudo isso contribui para a melhoria de processos, para o desenvolvimento de novas soluções. Não dá para um time ser bem-sucedido sem que seus membros possam falar o que pensam.
Assim, as empresas que querem se manter competitivas no mercado precisarão encontrar novas formas de fazer negócio. Criar ambientes psicologicamente seguros é, de fato, essencial para alavancar o desenvolvimento e a performance dos seus times, de forma coletiva, e alcançar resultados de maneira sustentável.
Quais os benefícios decorrentes?
Em ambientes psicologicamente seguros: o “não falar” pode prejudicar não somente um profissional, mas todo o time; há o compartilhamento de informações e impressões, há processos ágeis de decisão e pilotagem; o aprendizado não só é estimulado como é tido como prioridade nos processos; as relações são fortalecidas para superar desafios, aprender com as diferenças, conflitos, insatisfações, assumir riscos e inovar; a diversidade e inclusão importam a toda a cadeia; a gestão é consciente; existe a cultura da escuta, ou seja, há espaço para que todos falem independentemente de níveis hierárquicos ou funções.
Os benefícios conquistados vão muito além da saúde mental e compreendem também: aumento do potencial e performance coletiva; foco para além da execução de tarefas, priorizando o aprendizado contínuo e mútuo, incluindo todos os pontos de vista e sugestões; tomada de decisões mais ágeis e inteligentes, inclinadas à inovação; aumento do nível de colaboração e engajamento; aumento da confiança no time e da autoconfiança; conquista e retenção de talentos; maior vantagem competitiva.
Há pesquisas/dados estatísticos para ilustrar os resultados alcançados?
A falta de segurança psicológica está entre as maiores preocupações de líderes e profissionais de RH no país. Foi o que constatamos via uma pesquisa inédita feita pelo IISP nos dias 26 de abril a 7 de dezembro de 2022. Foram ouvidos 361 colaboradores de empresas brasileiras e 99,2% deles querem mais informações sobre o tema, embora mais da metade (56,9%) tenha algum conhecimento sobre o assunto.
Interessante também trazer à discussão uma pesquisa Gallup que envolveu mais de 3 milhões de pessoas em 2017. Segundo a pesquisa, apenas três em cada dez pessoas dizem concordar totalmente com a afirmação “minha opinião é levada em consideração”. Se o cenário fosse outro, sendo 6 em 10, as organizações poderiam: chegar a 27% de redução de turnover involuntário (taxa de rotatividade de funcionários), ter 12% de aumento de produtividade e alcançar 40 % de redução em acidentes de trabalho.
Como estimular a alta performance a partir da SP?
Os times que contam com ambiente seguro para expor ideias ou até suas insatisfações são mais produtivos e engajados. Resultado: as organizações tornam-se mais lucrativas, competitivas e inovadoras quando apostam em uma gestão mais consciente e humana. Um claro exemplo disso é o projeto conduzido pelo Google durante três anos chamado Aristóteles.
Interessado em entender por que times da mesma empresa tinham performance diferentes uns dos outros, o Google resolveu observar seus times internamente. Assim, foram observados mais de 200 times e descobriu-se padrões em times de alta performance que os outros não tinham e o padrão principal, que levava times ao sucesso, era a segurança psicológica. Em 2015, as conclusões do estudo foram divulgadas e ganharam o mundo do trabalho, dando visibilidade ao tema e provocando muita curiosidade às grandes empresas, que passaram a querer conhecer e implementar também o modelo para serem bem-sucedidas.
Embora o termo segurança psicológica ainda seja relativamente novo no Brasil, grandes empresas têm investido na certificação de seus times em SP. No IISP, lidamos diariamente com grandes corporações em busca desse conhecimento e implementando uma nova dinâmica em suas rotinas, tornando o trabalho mais fluido e, por isso mesmo, mais inovador e competitivo.
Quais são os pilares para implementação?
Um programa de segurança psicológica começa com os membros da equipe estabelecendo seus indicadores de sucesso, o que inclui a positividade das relações e o resultado desejado por todos. Tomar consciência dos fatores que estão impedindo aquele time de alcançar todo o seu potencial criativo é o primeiro passo. Para promover um ambiente psicologicamente seguro nas organizações, as equipes devem estar atentas aos seguintes indicadores de comportamentos:
Reagir a erros: se o integrante da equipe cometer um erro, isso não pode se voltar contra ele. As equipes têm melhor desempenho quando seus membros sentem que podem agir e falar abertamente, sem medo de serem colocados em uma situação constrangedora, mesmo quando cometem uma gafe ou erro.
Lidar com as questões: os membros do time precisam estar aptos a apontar problemas e questões difíceis de trabalho para a discussão conjunta. Portanto, é preciso desenvolver um alto nível de confiança mútua para que as pessoas saibam que podem dizer o que pensam e se sintam seguras para falar. São em momentos assim que podem surgir ideias inovadoras.
Aceitar a diversidade: qualquer pessoa da equipe nunca deve rejeitar outra por ser diferente ou por pensar diferente. É fundamental que a cultura da diversidade esteja presente entre todos os membros da equipe, para que ninguém se sinta rejeitado por ter pontos de vista fora dos padrões pré-estabelecidos.
Assumir riscos: os integrantes do time devem ter a certeza de que é seguro assumir riscos sem sofrer retaliação. Para isso, é preciso cultivar um ambiente seguro para que todos possam se arriscar sem serem julgados.
Pedir ajuda: é fácil pedir ajuda para membros dessa equipe. Para alcançar esse elemento, todos devem adotar uma cultura de aproximação, sendo acessíveis e solícitos. É importante estabelecer canais e ferramentas de comunicação para tornar o processo de ajuda mais ágil e efetivo.
Respeito mútuo: a relação de respeito entre os indivíduos deve ser recíproca, ninguém pode minimizar o esforço do outro, de forma deliberada. Essa premissa das relações humanas deve ser baseada na solidariedade e empatia. O respeito mútuo é um elemento poderoso para a resolução de conflitos e diálogos produtivos.
Apreciação: as contribuições e os talentos de cada um devem ser valorizados pela equipe. Os membros do time precisam notar que suas habilidades são utilizadas e também reconhecidas.
Qual o papel da liderança nessa nova dinâmica de trabalho?
Recentemente, o IISP promoveu o 1º Summit Internacional de Segurança Psicológica. Reunimos profissionais dos mais variados segmentos de mercado para debater as diferentes nuances do tema e muitas vezes falamos sobre liderança, o “novo líder”. Entendemos que o futuro já chegou e as lideranças precisam ressignificar suas formas de atuação mediante o novo cenário que envolve inteligência artificial, questões ambientais, uma sociedade composta por cidadãos/consumidores mais atentos, profissionais que questionam a forma tradicional da liderança, escalada de informações por todos os lados e demanda por transparência. Os debates geraram alguns insights sobre quais seriam as habilidades do novo líder, as quais listamos abaixo:
1. O entendimento, pelo líder, de que seu conhecimento tem limite e que ele precisará lidar com situações inéditas e, para isso, precisará convidar seus liderados a participarem do debate e lhes dar realmente espaço de fala e criação;
2. Estar aberto a desconstruir seus próprios pensamentos;
3. Entender que segurança psicológica é um fenômeno relacional e não é sobre “ser bonzinho”, mas, sim, sobre permitir que todos contribuam com algo sem medo de retaliação;
4. Dar feedbacks, deixar claro o que é esperado de cada um ao longo de toda a jornada;
5. Trabalhar de forma transparente e compartilhar as informações que são relevantes com cada um, de acordo com sua atuação dentro de um projeto;
6. Compartilhar suas conquistas e também as suas falhas: ao se mostrar, permitir que a equipe também o faça;
7. Permitir-se estar vulnerável, admitindo erros que podem ser transformados em aprendizados;
8. Compaixão e compreensão principalmente consigo e com quem está no entorno.