A Logoterapia – conhecida como Psicoterapia do Sentido da Vida – tem suas bases antropológicas e epistemológicas pautadas na fenomenologia, no existencialismo e no humanismo (Moreira & Holanda, 2010). Conhecida como a Terceira Escola Vienense de Psicoterapia, esta perspectiva teórica proposta por Viktor Emil Frankl (1905-1997) tem por princípio central a ideia de que o ser humano se encontra numa constante busca de sentido para a sua própria vida. Contudo, ela considera que, em meio a essa busca, todo homem estaria suscetível ao enfrentamento do que Frankl chama de tríade trágica: o sofrimento, a culpa e a morte. Essa tríade trágica é própria da existência humana, visto que ninguém estaria livre de “ser confrontado com o sofrimento inelutável, com a culpa incontornável e com a morte inescapável” (Frankl, 2019, p. 83).

É, portanto, a partir da certeza da presença destes aspectos trágicos na existência humana que surge o questionamento de Frankl (2008): Como dizer sim à vida apesar de tudo isto? Acreditando que a vida seja dotada de sentido, mesmo nas circunstâncias mais miseráveis, esse autor pressupõe, através da Tese do Otimismo Trágico, que existe uma capacidade humana de transformar criativamente tais situações em algo positivo ou construtivo. Assim, tendo em vista este potencial humano transformador, o homem pode dar novos sentidos às suas dores, entendendo que é sempre possível: “transformar o sofrimento numa conquista e numa realização humana; extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor; fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações responsáveis” (Frankl, 2008, p. 161). O otimismo trágico representa, portanto, o desafio de extrair o que há de melhor em cada situação, por mais doloroso que esta seja.

Para Frankl, o homem encontra o seu sentido de vida realizando valores, os quais podem ser por meio da criação, da experiência ou de atitudes. O valor de criação consiste naquilo que o homem dá ao mundo através do seu trabalho, por exemplo. Trata-se de algo que o homem considera como algo significativo que ele cria ou constrói em sua existência. O valor de experiência, por sua vez, consiste naquilo que o mundo proporciona ao homem. Experimentar algo ou encontrar alguém fazem parte destes valores. Neste sentido, Frankl destaca que amar é “a única maneira de captar outro ser humano no íntimo de sua personalidade” (2008, p. 136).

Por último, o valor de atitude é considerado o mais importante. Corresponde à postura que o homem decide diante da vida que permite transformar uma situação miserável em triunfo ou heroísmo. Representa a capacidade humana de encontrar sentido diante de um sofrimento inevitável, respondendo com atitudes afirmativas (Frankl, 2008), sendo, portanto, o valor mais adotado para enfrentar a tríade trágica.

O sentido do amor

Por décadas, diversos filósofos refletiram sobre o conceito de amor, um tema que instiga a todos os estudiosos e a população em geral. Com isso, existem múltiplas teorias que tentam explicá-lo. Enquanto a neurologia aposta na oxitocina, o famoso hormônio do amor, reduzindo-o a um simples processo fisiológico, outras áreas apostam nos processos psicológicos como base para o amor como afeto que se direciona como uma energia, uma pulsão.

“Conceber o amor como produto derivado de processos condicionantes, como o fizeram algumas correntes de psicoterapia baseadas em uma concepção mecanicista do ser humano, é um exemplo típico de reducionismo, e este é definido por Frankl como um sub-humanismo (…)” (Cerqueira e Vicente, p.27, 2017).

Entretanto, segundo Frankl e a etiologia dimensional, o sujeito é formado por sua dimensão biológica, psicológica e noética. Logo, o sentido do amor também estaria pautado e é caracterizado de acordo com tais dimensões. Assim, diferentes atitudes podem ser adotadas perante cada dimensão humana, mas somente atingindo a dimensão noética que o homem será capaz de encontrar o sentido do amor, dando-se o encontro com o ser amado em sua verdadeira essência.

“Diante do fenômeno do amor, ‘às três dimensões da pessoa humana correspondem também três possíveis formas de atitude’ (FRANKL, 2010, p.174), a saber: a atitude sexual, ligada à dimensão corporal, a atitude erótica, relacionada com a dimensão psíquica e a atitude de amor, radicada na dimensão espiritual.” (Cerqueira e Vicente, p.32, 2017).

Ao aprofundarmos as dimensões, a biológica estaria contida pela aparência, pelo corpo e a sua parte mais superficial, com isso, marcada pela atração física e sua atitude sexual. Caso pudéssemos analisar em níveis, este seria o primeiro contato, da qual se considera as qualidades externas do outro, com a finalidade de procurar por características que possam levar a satisfação. Segundo Cerqueira e Vicente (2017), nessa forma de se relacionar o prazer é um fim em si mesmo, a pessoa em si não chega a ser considerada, pois a atitude sexual tem a corporalidade como meta, como intenção maior, de forma objetificada. Neste tipo de relação, o outro torna-se objeto para satisfação de um prazer, sendo facilmente substituído por outro que preencha essa demanda sexual.

Dimensão psicológica

Já na dimensão psicológica, também há uma busca por características que levem à satisfação, porém em nível anímico. Isso porque a atitude de busca é erótica, com a qual o sujeito “apaixona-se” pelas partes boas da personalidade do outro (Cerqueira & Vicente, 2017). Nesse amor erótico, a pessoa pode ser substituída por outra com as mesmas qualidades. Nesse caso, as duas pessoas envolvidas podem chegar a desenvolver o que Frankl chama de vazio existencial, já que um dos lados não entra em contato com o verdadeiro eu do outro, o qual, por sua vez, aceita esse tipo de relação, podendo ser infiel com seu próprio eu: “‘Nesta relação, em que uma mulher entrega-se a um homem ficam ambos de mãos vazias’ (FRANKL, 2010, p. 187), e no contexto da Análise Existencial, pode-se dizer que também, ficam com a própria existência frustrada e vazia.” (Cerqueira e Vicente, p.34, 2017).

A partir do momento em que o sujeito apreende o outro em seu todo, atingindo a sua dimensão espiritual, sua atitude se torna amor, ou seja, uma forma mais elevada do que o erótico. O sujeito amado não seria mais um tipo perfeito que pode ser trocado por outro similar, mas um ser único e insubstituível: “Enquanto as atitudes sexual e erótica fixam-se no ‘horizonte do ter’, a atitude de amor estabelece-se no ‘horizonte do ser’” (Cerqueira & Vicente, p.36, 2017). Ademais, esse amor não precisa da carne, do corpo para existir, pois é capaz de iluminar o exterior e expressar-se por meio dele. Esse amor é muito valioso na vida das pessoas, uma vez que pode ser uma via de encontro com o sentido de vida.

Esse amor estaria presente nos valores de experiência como uma inspiração para o valor de criação ou até mesmo como base para os valores de atitude. Além disso, o sujeito que ama consegue enxergar potencialidades no ser amado, como conquistas dos quais consegue alcançar, pontos fortes em sua personalidade e entre outras características que o incentivam a ser a sua melhor versão. “A vivência do amor não deixa de ser um campo onde os valores de atitude podem ser vividos em toda a sua profundidade, pois esta requer constantemente a superação de si mesmo em vista do outro ser amado.” (Cerqueira e Vicente, p.40, 2017). Com isso, é pelo amor que o sujeito também gera o senso de responsabilidade. Isso porque, compreendendo que o ser amado é único e insubstituível, a traição não é uma opção, já que:

“Somente na atitude de amor como ‘a orientação do ser de uma pessoa espiritual para uma outra’ (FRANKL, 2010, p.188), pode-se falar em uma vinculação profunda e duradoura com o outro e, por isso mesmo, na responsabilidade e na garantia de fidelidade que decorrem dessa vinculação.” (Cerqueira e Vicente, p.36, 2017).

E MAIS…

Infidelidade é um assunto complexo

Evidentemente, a infidelidade se torna um assunto complexo, vinculado não somente ao sentido do amor, mas também aos aspectos mais amplos da vida. Assim, na clínica logoterapêutica é essencial que o terapeuta compreenda a integralidade do sujeito a fim de considerar todos as suas dimensões e possibilidades de expressão dos seus afetos presentes no campo vivencial, inclusive o amor. Para além de ser um campo de força para superar, pelo amor, possíveis sofrimentos inevitáveis, o relacionamento amoroso pode ser em si causa do sofrimento, seja pelo seu rompimento ou por uma traição. Com isso, o valor de atitude perante tal situação estaria vinculada – assim como a base da tríade trágica – na transformação da vivência negativa em experiência positiva, por meio da busca pelo sentido de vida: “Essa superação pode dar-se pelo desligamento da outra parte, pela atitude de perdão ou, ainda, pela tentativa de reconquista do outro.” (Cerqueira e Vicente, p.40, 2017).

Referências
Cerqueira, E.K. & Vicente, R.O. (2017). O sentido do amor na logoterapia e análise existencial de Viktor Frankl. IN: SEDAC. Família e Amor. STUDIUM, Várzea Grande, 3(4), 1-106. Acesso em março de 2022, disponível em: <http://unifacc.com.br/wp-content/uploads/2019/09/Sedac-Revista-ABRIL-2017.pdf#page=26>
Frankl, V. (2008). Em busca de sentido (37 ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Frankl, V. (2018). Psicoterapia para todos: uma psicoterapia coletiva para contrapor-se à neurose coletiva (3 ed.). Petropólis, RJ: Vozes.
Frankl, V. (2019). O sofrimento humano: fundamentos antropológicos da psicoterapia. São Paulo, SP: É Realizações.
Moreira, N., & Holanda, A. (2010). Logoterapia e o sentido do sofrimento: convergências nas dimensões espiritual e religiosa. Psico-USF, 15(3), 345-356. Acesso em março de 2022, disponível em https://www.scielo.br/j/pusf/a/HxrrqnNtNcfvGT5xQwbmNTf/?lang=pt&format=pdf