A psicoterapia analítica funcional (FAP, do inglês functional analytic psychotherapy) trata da criação de relações terapêuticas em que o profissional se relaciona hábil e estrategicamente com os clientes para criar um contexto de mudança. Enquanto muitas relações mudam vidas, a relação terapêutica visa a mudar vidas de modo terapêutico.

Ao ser proposta pelos psicólogos norte-americanos Mavis Tsai e Robert Kohlenberg na década de 1980, na Universidade de Washington, a FAP provocou certa revolução na análise comportamental da relação terapêutica.

Ela é fundamentada em uma visão de psicologia e influência social que integra a ciência comportamental contextual (CBS, do inglês contextual behavioral science) com a crescente ciência da conexão social, incluindo como as conexões sociais afetam o funcionamento psicológico.

Sendo assim, a abordagem direciona o foco de trabalho sobre a relação terapêutica como meio de proporcionar mudança nas queixas trazidas ao consultório. Entende-se que o modo como o cliente age, fala e se coloca na sessão pode ser semelhante ao modo como ele o faz na sua vida cotidiana.

Os comportamentos que ocorrem ao vivo e a cores com o terapeuta e que têm relação com o motivo que levou a pessoa a buscar terapia são chamados de comportamentos clinicamente relevantes (CCRs). Esses comportamentos são o foco principal da FAP.

Nesta entrevista, a psicóloga Priscila Rolim de Moura aprofunda o assunto.

Mestre em psicologia clínica e especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC), ela atua como psicoterapeuta clínica e supervisora em Santos/SP e on-line, como treinadora certificada em FAP (pela University of Washington) e como professora convidada em cursos de especialização. Também é diretora da iMind – Psicologia e Mindfulness –, clínica e centro de estudos em terapias comportamentais contextuais.

Priscila é uma das responsáveis pela tradução, revisão técnica e publicação do livro ‘Psicoterapia analítica funcional descomplicada – Guia prático para relações terapêuticas’ no Brasil (Sinopsys Editora). Dos autores Gareth Holman, Jonathan Kanter, Mavis Tsai e Robert Kohlenberg, a obra oferece uma introdução aos fundamentos conceituais e à prática clínica da FAP com ênfase em cenários clínicos práticos. Com ela, o terapeuta aprende a equilibrar autenticidade com estratégia e conceituação de caso para tornar seus relacionamentos terapêuticos mais compassivos, flexíveis e eficazes.

O que a FAP tem de diferente de outras abordagens?

O que a FAP oferece é um pequeno conjunto de diretrizes claras que ajudam os terapeutas a manterem os seus olhos em direção às características da relação terapêutica que mais predizem resultado. Dentro desse escopo da ciência comportamental contextual, a FAP tem como principal veículo para o tratamento a relação terapêutica: se relacionar de uma forma hábil, estratégica, habilidosa e cuidadosa com os clientes para criar um contexto de mudança. A grande diferença de outras abordagens é que a pessoa que conduz a sessão é encorajada a olhar para o processo interpessoal entre o cliente e o terapeuta enquanto a sessão ocorre privilegiando esses comportamentos de melhora. E a grande essência é que o terapeuta FAP vive essa relação junto com o cliente, de maneira funcional, visando à melhora do cliente. Além de ter esse olhar profundo para as relações e para o que está acontecendo no momento, o terapeuta FAP também produz e faz mais autorrevelações do que em outras abordagens; é encorajado a se vulnerabilizar e a emitir comportamentos corajosos dentro da sessão.

Quais são as cinco regras que norteiam a intervenção do terapeuta?

As cinco regras são ferramentas de aprendizado que ajudam o terapeuta a entender o processo na FAP. A regra um é observar os comportamentos clinicamente relevantes (CCRs), que a gente chama de consciência, utilizando o modelo ACL – awareness, courage and love ou consciência, coragem e amor –, que também são termos intermediários utilizados. A regra dois é evocar os CCRs, que é ser corajoso. A regra três é reforçar os CCRs, que é ser amoroso, é produzir o reforço interpessoal. A regra quatro é observar o seu efeito, que seria consciência novamente. E a regra cinco é prover estratégias de generalização. A FAP visa a um equilíbrio entre estar num processo interpessoal enquanto o terapeuta também se engaja na análise funcional utilizando as cinco regras de forma flexível. A intenção não é usar as cinco regras de forma rígida, mas dançar entre elas e estar atento ao processo de terapia. É como estar em um drone, observando essa fluidez entre um processo e outro, entre uma regra e outra, e como isso interfere nas intervenções, produzindo um direcionamento mais produtivo.

O que são os chamados comportamentos clinicamente relevantes?

A proposta da FAP é que os exemplares de padrões interpessoais das queixas dos clientes também aparecerão dentro do consultório. E o que ocorre na interação com o terapeuta a gente chama de CCR. CCR1 são os comportamentos clinicamente relevantes problemas e o CCR2 são os comportamentos clinicamente relevantes de melhora, os avanços comportamentais. A gente busca estabelecer essas contingências para que os CCR2 possam ocorrer e modela e fortalece esse comportamento próximo em tempo e espaço da resposta do cliente para que haja mais probabilidade de afetar a mudança.

Qual a importância do reforçamento na FAP?

Quando você vê um CCR2 (um comportamento de melhora) do seu cliente dentro da sessão, você precisa reforçá-lo, recebê-lo, sustentá-lo, de forma que ele permaneça fora da sessão também. A regra três, o reforçamento, tem a função de manter e de modelar o comportamento de melhora. E como você fará isso depende muito da sua autenticidade, da forma que é mais honesta para você fazer, da forma que o seu cliente recebe melhor também. E aí pode ser compreensão, pode ser respeito, aceitação, autorrevelação sobre impacto positivo do cliente em você, algo que ele fez e que o ajudou a crescer como profissional, inspirando você com profissional. E a regra quatro é você entender o efeito do seu reforço, o que é muito importante. Não tem como fazer a regra três sem fazer a regra quatro. Para você entender se a sua interação, se a sua escolha, realmente foi reforçadora e se teve o efeito desejado, você precisa checar esse efeito. E você pode fazer observando se o comportamento realmente aumentou de frequência, aquele comportamento de melhora, ou perguntando também. Eu escolho fazer os dois, pois penso que propicia uma certeza maior.

Quais são os pacientes que mais se beneficiam com a FAP?

Os autores citaram, durante o surgimento da FAP, que ela era bem adequada para clientes que não obtiveram uma melhora adequada com terapias convencionais e aqueles com dificuldade em estabelecer uma relação de intimidade ou problemas interpessoais difusos. Quem não tem problemas relacionais? É difícil entender que existe um paciente que se beneficia melhor, porque todos nós temos algo que precisamos melhorar em nível interpessoal. Num nível mais amplo, uma pergunta que é interessante é qual paciente que você é capaz de atender com a FAP? Não é tanto sobre o cliente, mas o que você é capaz de fazer com o uso da abordagem com dados clientes ou não é capaz de fazer. Penso que a FAP não é recomendada para casos em que você não se sinta tão confortável ou que você não tenha ainda tanta experiência. E como a FAP tem uma visão ideográfica, a ideia é que a gente a adapte funcionalmente a certas populações e tenha habilidades interpessoais para usá-la com certos clientes. Para que a gente possa implementá-la de forma hábil, de forma que exista mudança e que o terapeuta esteja disposto a se desenvolver e desenvolver o crescimento do cliente também.

O que é preciso para construir com o cliente, já nas primeiras sessões, a compreensão funcional de seus problemas?

Esta resposta também pode ser dada a partir das etapas para conceituação de caso na FAP. A abordagem usa o modelo das cinco regras e também o modelo ACL (awareness, courage e love ou consciência, coragem e amor). Então já nas primeiras sessões se pode utilizar todas as ferramentas que a FAP dá, inclusive outras ferramentas que o livro ‘Psicoterapia analítica funcional descomplicada’ provém; para a gente entender a conceituação de caso do cliente, apresentar o melhor palpite inicial de quais são os principais comportamentos problemáticos, CCRs e diagnóstico do cliente com relação aos problemas que ele apresenta na terapia. Para fazer essa conceituação, a gente precisa identificar os comportamentos-problemas e as suas funções. Para isso, é possível fazer os paralelos funcionais, ou seja, entender o que se passa fora da sessão, o conteúdo que o cliente traz, os problemas que ele tem vivido fora de sessão, e entender também como eles podem ocorrer dentro de sessão. A gente também define classes funcionais de comportamentos, faz essa análise e identifica o CCR1, o CCR2 e essas instâncias de classes funcionais. Outro ponto-chave é a identificação dos comportamentos-alvos do terapeuta com aquele cliente, que a gente chama de T1 e T2, ou seja, os comportamentos clinicamente relevantes do terapeuta em sessão.

O que é a generalização? E como as tarefas de casa ajudam?

É um processo no qual os comportamentos em um contexto, ou seja, dentro da sessão, se transferem para outros contextos. Nesse sentido, a regra cinco, a generalização, chama a atenção para esse acesso de melhorias do contexto da terapia para outros contextos que são relevantes fora de sessão. Na FAP, a generalização é alcançada por meio das discussões de análises funcionais, do entendimento do que aconteceu, da modelagem, e também a formulação de caso e atribuindo a prática de atividades de casa de CCR2. A gente pode fazer isso pedindo para que o cliente produza comportamentos que ele fez em sessão fora de sessão também com pessoas relevantes da vida dele. A regra cinco, a generalização, é prover essa análise funcional do comportamento e também estabelecer essa conexão entre as transformações que são feitas dentro de sessão para fora de sessão.

Qual a importância da empatia para a FAP e quais técnicas e exercícios podem auxiliar?

Eu entendo que reconhecer a perspectiva do cliente, ser empático, é imprescindível para qualquer abordagem que se utilize. Isso pode transformar toda uma relação. A ideia de expressar compreensão, validação ou empatia, para a FAP, dentro do modelo ACL, é considerada especialmente funcional. As pessoas precisam se sentir compreendidas e validadas, principalmente quando elas estão vulneráveis. Porém você pode refinar ainda mais a sua empatia para melhorar esse processo de forma funcional. E algumas das técnicas e exercícios que podem ajudar são olhar para a sua própria história de vida e para a história de vida do cliente e fazer um diário de vulnerabilidades em que você compartilha com um colega terapeuta o seu dia a dia expressões vulneráveis e corajosas, exercitando esse feedback empático. Tudo isso vai lhe ajudar a expressar empatia da maneira mais acolhedora e mais clara.

Por onde pode começar quem quiser se tornar terapeuta FAP?

Pode começar com o livro ‘Psicoterapia analítica funcional descomplicada’. Mas a minha recomendação para quem quer se tornar terapeuta FAP é também se expor mais a esse treino experiencial ou vivencial que a FAP provém, o que inclui supervisão, workshop, terapia. Para se certificar, é necessário que você faça sessões com terapeutas certificados no gênero masculino e feminino. Por meio desse treinamento, o terapeuta vai ter mais consciência e aprenderá mais sobre os próprios repertórios, controle de estímulos e sabedoria para fazer uma intervenção.