Para quem já assistiu à série “O paciente”, pensar nela como análise sobre relação terapêutica chega a ser estranho, afinal deu tudo errado naquela relação, porém há pontos importantes a serem observados e compreendidos a partir das tentativas e falhas. Para quem não conhece, o enredo retrata o terapeuta Alan Strauss (Steve Carell) em luto pela morte de sua esposa e seu novo paciente enigmático. Enquanto os dois lutam com problemas individuais muito diferentes, Alan é feito prisioneiro pelo paciente, que se revela um serial killer. Com o tempo se esgotando, Alan luta desesperadamente para impedir que se torne cúmplice dos assassinatos de seu paciente ou, pior, sua próxima vítima.
Talvez essa não tenha sido a melhor maneira de apresentar a série, afinal, um dos medos dos psicólogos e futuros psicólogos hoje é sofrer algum tipo de violência de seus pacientes (ou de conhecidos deles) como muitas vezes aparece nas notícias. Mas a envolvente trama traz inúmeras camadas a serem compreendidas, como a relação terapêutica e sua função nas sessões. Mas antes de compreendermos as facetas da relação terapêutica, vamos adentrar um pouquinho o sombrio mundo dessa série.
A narrativa gira em torno de Alan, um psicoterapeuta que se torna prisioneiro de um paciente (relaxa, não é spoiler), Sam (Domhnall Gleeson), que apresenta um quadro severo de transtornos psicológicos e busca a ajuda de Alan para entender e controlar suas impulsões na luta contra desejos violentos e um histórico de comportamentos perturbadores.
Confinados em um ambiente isolado, a interação entre os dois se transforma em um jogo psicológico intenso em que Alan tenta utilizar suas habilidades terapêuticas para ajudar Sam enquanto luta para encontrar uma maneira de escapar. Durante o cativeiro, Alan tenta manter a calma, buscando entender as razões por trás dos impulsos violentos de Sam, o que se torna uma questão de sobrevivência para ele. A série também apresenta flashbacks de ambos os personagens que revelam inclusive os traumas de cada um.
Ética
A relação entre Alan e Sam é central para a narrativa. Enquanto um tenta manter uma postura ética e empática, mesmo sob pressão extrema, outro oscila entre a vulnerabilidade e a ameaça. Essa inversão da dinâmica de poder provoca questões sobre ética na terapia, em que Alan, como terapeuta, deve encontrar maneiras de preservar sua própria vida enquanto tenta ajudar Sam.
Podemos fazer uma análise da relação terapêutica, colocando-a em um contexto extremo que revela suas faces e complexidades, destacando diversos aspectos dessa relação que são de grande importância para o processo. Podemos observar pontos como empatia e conexão, vulnerabilidade, limites, ética, influência do ambiente.
A empatia é um pilar central na relação terapêutica. Alan tenta estabelecer uma conexão genuína com Sam mesmo sob circunstâncias adversas. Sua habilidade de ouvir e compreender as emoções permite que ele crie um espaço seguro no qual o paciente se sente à vontade para compartilhar seus medos e suas inseguranças. A série ilustra como a empatia pode servir como um estímulo para a mudança, ajudando Sam a explorar seus traumas.
A vulnerabilidade é uma característica fundamental na terapia. Alan, mesmo sendo o terapeuta, não é imune a sentimentos de medo e insegurança e sua disposição em mostrar essa vulnerabilidade, dentro dos limites éticos, ajuda a humanizar a relação, facilitando a comunicação aberta.
Limites
A série também aborda a questão dos limites na relação terapêutica. Acompanhamos a tentativa de manter a ética profissional mesmo em um ambiente de cativeiro. A integridade dos limites pode ser testada, mas Alan se esforça para preservar a relação terapêutica como um espaço seguro e respeitoso.
A situação extrema em que Alan e Sam se encontram destaca como o contexto pode impactar a relação terapêutica. Em um ambiente de cativeiro, a dinâmica de poder é invertida, o que provoca novas questões sobre controle, confiança e o papel do terapeuta. A série mostra que, mesmo em circunstâncias adversas, a relação terapêutica pode ser uma ferramenta poderosa para a transformação.
Existe uma abordagem chamada psicoterapia analítica funcional (FAP, do inglês functional analytic psychotherapy), que consiste em ver junto ao paciente como o momento presente da sessão terapêutica pode conter o problema. É uma abordagem baseada em pesquisa e análise, compreendendo relacionamentos fortes e conectados, que se concentra na importância da relação terapêutica como um meio de promover a mudança.
Na FAP, a relação entre terapeuta e paciente é vista como um contexto vital em que os comportamentos são discutidos e modificados. A série ilustra isso ao mostrar Alan tentando entender e trabalhar com os comportamentos de Sam que emergem em situações de alta tensão. O confinamento não apenas expõe Sam a seus medos, mas também força Alan a interagir com ele de maneiras que revelam comportamentos e emoções que podem ser explorados terapeuticamente.
Autenticidade
A FAP enfatiza a importância da autenticidade no processo terapêutico. Os comportamentos autênticos que surgem durante as sessões são fundamentais para o desenvolvimento da terapia. Essa abordagem sustenta que o comportamento deve ser analisado dentro de seu contexto relacional. O ambiente de cativeiro em que os personagens se encontram transforma radicalmente a dinâmica de poder, provocando novas questões sobre controle, confiança e vulnerabilidade. A série demonstra que, mesmo em uma situação adversa, a relação terapêutica pode servir como um meio poderoso de transformação, refletindo o conceito de que a mudança pode emergir das interações autênticas.
A FAP propõe que a terapia é um processo colaborativo. A interação entre Alan e Sam ilustra como, por meio do diálogo e da autoexploração, ambos têm a oportunidade de crescer. Alan busca não apenas ajudar Sam a controlar seus impulsos, mas também a entender a profundidade de suas emoções, revelando que a terapia é uma via de mão dupla.
Por mais inusitada que a escolha da série tenha sido, podemos observar a relação terapêutica em um momento e meio extremo, o qual não lidaremos na clínica ou demais ambientes de atendimento. A relação terapêutica é fundamental em qualquer abordagem escolhida, mas, caso você tenha interesse em saber mais sobre FAP, o livro Psicoterapia analítica funcional descomplicada: guia prático para relações terapêutica, da Sinopsys Editora, será o seu melhor amigo e guia prático para compreender relações terapêuticas.