Em sua essência, o estresse não é uma doença, mas uma resposta natural do organismo humano, envolvendo os sistemas neurológico, psicológico e fisiológico, a situações percebidas como perigosas à integridade. Ao gerar essa resposta de luta e fuga, os comportamentos e a fisiologia são alterados, podendo, então, desencadear ou potencializar doenças físicas e mentais. Essa resposta preparatória está presente em todas as situações que geram demandas para o indivíduo, e, dependendo do grau em que isso ocorre e se acumula, faz-se necessária uma intervenção profissional.
Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pelo psicólogo Paulo Eduardo Benzoni, que, em 2003, na Universidade Paulista (UNIP), estabeleceu e, desde então, vem trabalhando em um núcleo de pesquisas sobre estresse, especialmente o estresse ocupacional. Inicialmente, o trabalho era vinculado ao curso de graduação em psicologia; depois, à montagem de um grupo de pesquisas na base corrente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, atualmente, ao mestrado profissional em práticas institucionais em saúde mental.
Livro
Graduado em psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), Benzoni é doutor em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), mestre em promoção de saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN) e especialista em administração pela Universidade de São Paulo (USP). Entre suas publicações, está o livro ‘Controle do estresse em 8 encontros: guia para profissionais com protocolo cognitivo para aplicação’, da Sinopsys Editora, que reúne seus 20 anos de pesquisas sobre o tema.
Direcionada a psicólogos e outros profissionais da área da saúde mental, a obra apresenta um protocolo de atendimento individual fundamentado na psicoterapia cognitivo-construtivista, o Programa IRIS (Identificar, Ressignificar, Instrumentalizar e Superar), desenvolvido para o gerenciamento do estresse. Traz, também, o Inventário de Percepção do Estresse e Estressores de Benzoni (IPEEB), instrumento de rastreio da percepção de estresse e estressores para auxílio ao trabalho clínico.
Qual o conceito de estresse?
Para conceituá-lo, precisamos partir do princípio de que ninguém vive sem estresse. Ele nos acompanha constantemente. Porém é necessário diferenciar o estresse cotidiano, necessário à vida, do estresse elevado, que demanda muito tempo em estado de alerta e leva a um estado de resistência, que é um estágio intermediário, mas pode ocasionar perda de energia e exaustão se mantido durante muito tempo. Todos os pacientes que chegam ao consultório de psicologia apresentam estresse em diferentes graus, uns mais, outros menos. O livro ‘Controle do estresse em 8 encontros’ é voltado ao treino do indivíduo para o gerenciamento do seu estresse, evitando que chegue aos níveis mais elevados. O estresse é necessário para a vida, porém em níveis adequados. Se excessivo, levará à exaustão e ocasionará uma série de problemas.
Como percebe que a sociedade está lidando com os eventos estressores na atualidade?
Eu diria que a situação está séria. Sempre que a pessoa tem uma demanda, uma cobrança, algo para fazer, seu organismo terá a chamada resposta de estresse: ela ficará mais atenta e com respiração rápida, ofegante, porque precisa de energia. A sociedade hoje está com muitas demandas. Se pegarmos como exemplo os aplicativos de comunicação, estamos sempre com o celular na mão e toda nossa vida está nele, inclusive o trabalho. É algo constante. Essa facilidade na comunicação veio como mais um fator estressor, e fazemos cada vez mais coisas e mais coisas. A sociedade está caminhando para um estado constante de estresse. E é necessário fazer um trabalho social educativo para as pessoas aprenderem a gerenciar o seu estresse normal para que ele não se torne excessivo.
O que é, como surgiu e qual o objetivo do Programa IRIS, que deu origem ao livro?
A escolha do nome está relacionada à deusa grega Íris, a mensageira dos deuses do Olimpo aos humanos. E também é a sigla de identificar, ressignificar, instrumentalizar e superar. Fundamentado nos meus 20 anos de pesquisas sobre o estresse, o programa foi criado para que as pessoas aprendam a administrar aquilo que as estressa. Em outras palavras, aprendam a identificar aquilo que as estressa, ressignificar (dar um novo significado) aquilo que as estressa, se instrumentalizem com ferramentas para lidar com isso e, finalmente, possam superar esse estresse do cotidiano. O livro ‘Controle do estresse em 8 encontros’ traz ao terapeuta uma metodologia, um passo a passo, de como fazer o trabalho de treinamento e gerenciamento de estresse com seus pacientes. A ideia é produzir materiais complementares, inclusive um baralho.
Como o Programa IRIS pode auxiliar o paciente que chega estressado na clínica?
Não é necessário que haja o diagnóstico de estresse para usar a metodologia, pois o paciente que chega ao consultório, seja com depressão, ansiedade ou outro quadro, está tentando lidar com conflitos familiares ou outras demandas em que o estresse está presente. Se o terapeuta aplicar a ferramenta para diminuir a sensibilidade do paciente àquilo que o estressa, que são os gatilhos para o problema que ele está trazendo para o consultório, terá maior probabilidade de sucesso no tratamento. O livro traz orientações de atividades que o terapeuta pode fazer para levar o seu paciente a dar um novo significado àquilo que são os gatilhos disparadores do estresse do problema que ele está trazendo.
É possível identificar, ressignificar, instrumentalizar e superar os eventos estressores em apenas oito encontros?
Várias pesquisas dentro da metodologia clínica, com casos atendidos e acompanhados clinicamente, mostram que é possível, sim. O ser humano é muito diverso, então pode ser que seja necessário um encontro a mais ou a menos, mas quando o foco é somente o estresse, é possível trabalhar nos oito encontros, sim. Até porque há um instrumento dentro do livro, o Inventário de Percepção de Estresse e Estressores de Benzoni (IPEEB), que ajuda a identificar exatamente qual área da vida da pessoa está contribuindo mais para o estresse para que, dentro do Programa IRIS, seja feito um trabalho mais orientado àquela área. Esse instrumento de rastreio (não é um teste psicológico) foi desenvolvido justamente para poupar o tempo no trabalho e está muito bem consolidado estatisticamente.
Quais são hoje os fatores mais estressantes que chegam na clínica de psicologia?
É uma pergunta um pouco difícil de responder, pois há uma variedade grande em função dos diferentes grupos de pacientes. Mas, no consultório, é constante a questão das relações de um modo geral, seja conjugal, familiar ou social, de amizade.
No que diz respeito às pesquisas (o IPEEB já foi aplicado em mais de 2.000 pessoas), há fatores estressores diferentes por idade. Na faixa dos 25 aos 40 anos, por exemplo, os aspectos relacionados ao trabalho são os que estressam mais, porque é o momento de a pessoa estar desenvolvendo a sua carreira. Dos 18 aos 24 anos, são as cognições, como ficar preocupado pensando em muita coisa. Acima dos 50 anos, 60 anos, começa uma preocupação maior com a saúde física. Então são diferentes estressores em função da faixa etária, da fase do ciclo vital.
Fala-se muito que o trabalho é um fator estressor, mas temos observado nas pesquisas que o estresse se manifesta no trabalho, mas a fonte, muitas vezes, está fora, como na família. Consequentemente, as questões do trabalho acabam se tornando mais pesadas. Nesses casos, não tem que tratar o trabalho, mas, sim, a forma de lidar com as relações familiares.
Quais as contribuições da terapia cognitiva para o gerenciamento do estresse?
A terapia cognitiva é a abordagem mais utilizada no mundo para o gerenciamento de estresse, porque, conceitualmente e epistemologicamente, fornece um caminho mais estruturado para o trabalho. Portanto, serve de base para os trabalhos no mundo todo e está sendo cada vez mais utilizada nos consultórios nas suas diferentes vertentes, como construtivista, dialética, comportamental e outras.
Como lidar com o estresse no cotidiano?
Vou responder esta pergunta a partir do modelo estrutural que sigo, que é modelo BERN (behavioral, exercise, relaxation and nutrition), criado pelos alemães Esch e Stefano para o gerenciamento ao estresse. O ‘B’ (behavioral) está relacionado a tentar mudar, olhar o mundo de uma forma diferente, ficar mais atento à natureza, tentar separar aquilo que é perigo daquilo que não é. Muitas vezes, olhamos para um gatinho e achamos que ele é um tigre. Talvez essa mudança de comportamento seja mais difícil, por isso, invisto meus esforços de pesquisa em programas de mudança comportamental.
O ‘E’ (exercise) diz respeito a fazer exercícios físicos com regularidade. Ninguém precisa ser um atleta e ficar competindo consigo mesmo. A ideia é fazer exercício por prazer e qualidade de vida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta entre 150 a 300 minutos de exercícios por semana para se ter uma vida mais saudável. O ‘R’ (relaxation) engloba atividades de relaxamento, como, por exemplo, desligar o WhatsApp, colocar o celular no modo avião, assistir às suas séries, aos seus filmes, ler um livro, fazer tricô, crochê etc. E o ‘N’ (nutrition) está relacionado a se alimentar de forma equilibrada.
Essas quatro vias são muito importantes para o gerenciamento do estresse inevitável no dia a dia e para conseguir ter uma vida menos estressante. Todos os materiais que tenho desenvolvido para futura publicação vão nessa linha. É isso que precisamos seguir, mas, principalmente, mudar a forma de enxergar o mundo. Nem tudo o que está aí é um tigre-dente-de-sabre ou um monstro. Vamos também olhar um pouco para os gatinhos manhosos que estamos transformando em tigres.