O envelhecimento é um processo natural em que ocorrem mudanças biopsicossociais específicas associadas à passagem do tempo. Pode, no entanto, variar de pessoa para pessoa, seja por fatores internos, seja por influências do estilo de vida, características do meio ambiente ou condição de saúde.

Sendo assim, a idade biológica não pode estar relacionada com a cronológica. A primeira segue um ciclo biológico envolvendo etapas de evolução do ser humano, como o nascimento, enquanto a segunda é uma abstração em que se tenta obter controle por meio de classificações simplistas, utilizando escalas numéricas com a visão generalizada de um “corpo máquina”.

“Envelhecer em nossa cultura é desafiante, porque valoriza-se demais a juventude eterna e a produtividade. A partir do momento em que valorizarmos a velhice com o significado digno e merecido, jamais a classificaremos como fase da inatividade”, afirma a psicóloga clínica e educacional Erika Neves, mestre em ciência da educação. Nesta entrevista, ela aprofunda o assunto.

É verdade que hoje os 60 são os novos 40? Fale a respeito?

Diante dos avanços na medicina, as orientações sobre saúde global sendo feitas em larga escala por mídias confiáveis e o acesso a práticas saudáveis, SIM, a linha do tempo do ciclo da vida ampliou a fase “juventude adulta”.

O que é o ‘sentido de ser’ e como criá-lo e/ou mantê-lo com a chegada da velhice?

Neste tema, sempre cito Victor Frankl e sua experiencia no campo de concentração nazista. Quem, após vivenciar o trauma da guerra, sobrevive com propósito? Foi o que Frankl conseguiu, pois, no pior momento de sua existência, ele percebeu que as pessoas que transcendem para além das circunstâncias desenvolvem maior resistência. Frankl sobreviveu e fundou a logoterapia, terapia do sentido.

Em síntese, o “sentido de ser” não é meramente circunstancial. Independe da noção de sermos “úteis” em algum aspecto. Sem utilidade, sem sentido. NÃO! O sentido de ser é conexão com o todo. É sentir pertencimento diante da grandiosidade da existência.

Logo, após 60 anos, temos a favor a experiência, a maturidade e a sabedoria adquirida ao longo dos anos. Diante disso, despertar novos sentidos fica ainda mais fértil. Valorizar a jornada é primordial para criar novas maneiras de ser e viver em conexão com o todo.

Quais os fatores que contribuem para um envelhecimento saudável?

Além dos fatores já conhecidos e potencialmente informados – exercício físico, alimentação saudável e equilibrada, cuidados médicos regulares –, devemos considerar de igual modo os aspectos psicológicos e sociais.

a) Mente ativa: hidratação, meditação, oração, boas leituras, palavras cruzadas, jogos de tabuleiro etc.

b) Coração em paz: evitar conflitos banais, fazer a faxina da alma deixando o passado no passado; para cada pensamento de “eu deveria”, recordar dois desafios que foram vencidos de fato.

c) Psicoterapia do luto para elaborar as perdas e tornar o presente mais leve.

d) Social: manter contato com amigos de longas datas cuja parceria é benéfica. Participar de grupos temáticos de acordo com as suas necessidades pessoais: grupo da caminhada, das amigas da mama, da costura e artesanato, do futebol, da música. É importante abastecer a “bateria social”.

Quais os desafios que a sociedade ainda precisa vencer para que a velhice deixe de ser sinônimo de proximidade do fim da vida e encarada como um momento de novas possibilidades?

Envelhecer em nossa cultura é desafiante porque valoriza-se demais a juventude eterna e a produtividade: “Trabalhe enquanto outros dormem”. A partir do momento em que valorizarmos a velhice com o significado digno e merecido, jamais a classificaremos como fase da inatividade.

Envelhecer é sinônimo de viver! As aposentarias, em vez de serem radicais, um corte abrupto, deveriam ser gradativas, com redução da carga horária até que os profissionais consigam ajustar a nova configuração da rotina.

Qual o papel da psicoterapia nesse contexto?

As pessoas que procuram a psicoterapia com a finalidade de preparar-se psicologicamente para a aposentadoria são aquelas que estão certas de que merecem esse tempo de “descanso”, mas estão conscientes de que, com ele, perde-se uma rotina previsível, um grupo social, confraternizações e status social e ganha-se um calendário aberto. E agora, quem sou e o que faço para além das minhas atividades laborais?

Certa vez, assisti a uma matéria em que pessoas asiladas ensinavam inglês on-line a jovens do mundo todo. Que felicidade! Que linda produção de sentido por meio de novos relacionamentos na medida certa. Nessa era da tecnologia e da alta conexão, vale muito associar/“linkar” essa rica fase da vida com a ação espontânea, produtiva dentro de um tempo que faça bem ao idoso!

Escrevo isso na esperança de que logo ali, na minha vez de ser descartada pelo mundo da alta performance, eu saiba voar ainda mais alto com leveza e sabedoria. E é justamente o que desejo aos meus contemporâneos. “Quem é rico em sonhos não envelhece nunca. Pode até ser que morra de repente. Mas morrerá em pleno voo.” Rubem Alves.