Em um estudo recente publicado na BMC Psychiatry, pesquisadores abordaram um caso singular de erotomania induzida pela Internet.

Eu tomei a liberdade de analisar esse esse estudo sob uma perspectiva única, mergulhando nos complexos meandros neurobiológicos e cognitivos associados a este distúrbio.

Esta síndrome fascinou médicos e estudiosos, com as suas raízes remontando às reflexões de Hipócrates e aos estudos detalhados do psiquiatra francês Gaëtan de Clérambault no início do século XX.

Etiologia e Patogênese

A erotomania, também conhecida como síndrome de Clérambault, é caracterizada por uma crença delirante e persistente de ser amado por alguém de status social mais elevado. Tento explicar da seguinte forma: “a erotomania representa um desvio fundamental na interpretação de sinais sociais e cognitivos, possivelmente decorrente de anormalidades nos circuitos neurais associados ao processamento de recompensas, percepção social e autoconsciência”.

As redes neurais envolvidas incluem o córtex pré-frontal, o sistema límbico e a amígdala, com implicações potenciais no desequilíbrio dos neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina. Os avanços na genômica permitem agora identificar variantes genéticas que podem predispor a esses desequilíbrios neuroquímicos.

O Caso

O caso em questão envolve uma mulher húngara de 70 anos, vítima de um golpe de romance online. Aposentada, previamente isolada e emocionalmente vulnerável, a senhora iniciou uma jornada delirante após desenvolver uma admiração pelo trabalho de um músico nas redes sociais. Essa admiração evoluiu para um envolvimento emocional intenso, alimentado por interações fraudulentas com um impostor que se passava pelo músico. 

Ao longo de um ano, o golpista estabeleceu uma profunda conexão emocional com ela, convencendo-a de um interesse romântico mútuo. Isso levou a mudanças pessoais significativas e sacrifícios financeiros por parte dela, culminando em conflitos familiares e uma tentativa grave de suicídio quando as demandas financeiras se tornaram insustentáveis. 

Admitida em um departamento psiquiátrico após a tentativa de suicídio, uma avaliação revelou a complexidade de fatores cognitivos, emocionais e psicológicos que contribuíram para seu diagnóstico de delírio erotomaníaco, induzido pela fraude do romance online e exacerbado por suas vulnerabilidades pré-existentes.

Este caso exemplifica a interseção de vulnerabilidades preexistentes, como isolamento social e transtornos de humor, com a exposição a estímulos digitais enganosos, levando a um agravamento do quadro clínico.

Ele enfatiza a importância de considerar os aspectos biológicos e psicossociais na avaliação de tais casos. É preciso avaliar como os fatores cognitivos, emocionais e ambientais interagem, contribuindo para a manifestação da erotomania.

Abordagem Integrativa

O tratamento deste caso específico combina psicofarmacologia com terapia cognitivo-comportamental. A abordagem terapêutica deve ser holística, abordando não apenas os sintomas psiquiátricos, mas também fatores como a alfabetização digital e a resiliência emocional.

Ele ressalta a importância de um acompanhamento longitudinal, dada a complexidade da condição. Monitorar os avanços na cognição e comportamento ao longo do tempo é crucial para avaliar a eficácia do tratamento e prevenir recaídas.

Desafios e Estratégias

Ressalto a necessidade de aumentar a conscientização sobre a erotomania induzida pela Internet e seus riscos associados.

Precisamos de estratégias preventivas direcionadas, particularmente para indivíduos com vulnerabilidades psicopatológicas, e aprimorar nossa compreensão dos mecanismos subjacentes a esses distúrbios.