Um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), da Universidade de Harvard e da Universidade Federal do ABC (UFABC) descobriu um novo circuito de neurônios que controla o consumo de alimentos. Os experimentos mostram que a ativação desses neurônios leva camundongos a comerem alimentos altamente calóricos, como nozes, mesmo que os animais não estejam com fome. Os cientistas também mostram que a inibição desses neurônios diminui a ingestão desses alimentos, mesmo que os animais estejam com fome. O estudo foi publicado na revista “Nature Communications”.
“Esses estudos mostram que descobrimos um circuito que controla a ingestão alimentar, ignorando a presença ou ausência de fome, que normalmente é um fator de grande influência na alimentação. Se esse circuito estiver menos ativado, ele pode causar sintomas de anorexia, como comer menos e ter menos prazer durante a alimentação. A superativação desse circuito, por outro lado, pode causar consumo excessivo”, afirma o neurocientista brasileiro Avishek Adhikari, pesquisador da UCLA, coordenador do estudo.
O estudo constatou que existe uma via específica que está envolvida no controle da alimentação: é a via de projeção GABAérgica da matéria cinzenta periaquedutal (PAG) lateral e ventro-lateral sobre a região da zona incerta (ZI). A PAG é uma região que se encontra no tronco encefálico, mais especificamente no mesencéfalo, e ele modula diversos comportamentos defensivos.
Enquanto a zona incerta é uma região que se estende entre o tálamo e o hipotálamo, que tem sido associada a diversas funções, mas pouco se sabe sobre os mecanismos dessa região. “Sabíamos que essa região induz medo e analgesia, mas não suspeitávamos que encontraríamos um circuito que induz o consumo de alimentos”, de acordo com Adhikari.
GABA
O estudo mostrou que ativando especificamente neurônios GABAérgicos, os camundongos aumentaram a ingestão alimentar. Mas, quando esses mesmos neurônios foram inibidos, a ingestão alimentar foi reduzida. O GABA é o principal neurotransmissor inibitório no sistema nervoso central. Os neurotransmissores podem ser classificados como excitatórios ou inibitórios. Os neurotransmissores excitatórios tendem a gerar potenciais de ação. Já os neurotransmissores inibitórios funcionam para prevenir um potencial de ação, que é o mecanismo de transmissão de informação no sistema nervoso, isto é, a capacidade de transmitir informação para um ou mais neurônios. “Neurônios GABAérgicos são comumente tidos como neurônios inibitórios e possuem uma grande importância na modulação da atividade de outros neurônios”, explica Alexandre Kihara, neurocientista da UFABC, e coautor do estudo.
“Nosso estudo foi mostrou que esses neurônios GABAérgicos localizados na PAG se projetam, formando uma via de projeção para a ZI, uma região do cérebro sabidamente envolvida na a regulação do comportamento alimentar exacerbado e que responde a estímulos hormonais relacionados à fome”, explica o pesquisador brasileiro Fernando MCV Reis, também da UCLA, principal autor do estudo
O curioso é que os camundongos que comiam mais não estavam com fome, uma vez que tinham se alimentado anteriormente na gaiola. No outro experimento, os cientistas deixavam o animal sem comer por 18 horas e, mesmo com fome, os animais comiam menos.
Outro achado é que a estimulação desses neurônios GABAérgicos da PAG apresenta um efeito reforçador, uma vez que os camundongos preferiram permanecer em um ambiente onde a estimulação era oferecida quando comparado ao ambiente onde a estimulação não ocorria.
Optogenética
Esses neurônios foram ativados com uso de optogenética, técnica que usa proteínas que respondem à luz para controlar a atividade de circuitos neurais. Os cientistas injetaram um vírus alterado geneticamente no tronco cerebral dos camundongos. Esse vírus infectou os neurônios GABAérgicos e fez com que eles produzissem proteínas chamadas opsinas que conseguem alterar a atividade elétrica desses neurônios na presença de luz. Por fim, eles implantaram no tronco cerebral do camundongo uma pequena cânula de fibra ótica conectada a um laser. Quando eles ligaram a fonte de luz laser, as opsinas transformaram a energia da luz laser em impulsos elétricos nesses neurônios. “A optogenética é método que utilizamos para ativar e desativar eletricamente diversas células no cérebro e ver o seu reflexo no comportamento que está sendo estudado, no caso ingestão de alimentos”, explica Adhikari.
Reis lembra que muitos transtornos alimentares estão relacionados tanto ao aumento como à redução exagerada da ingestão de alimentos. Comportamentos compulsivos ou do tipo “binge” são exemplos de comportamento alimentares exacerbados que poderiam estar relacionados a uma atividade aumentada desse circuito neural. “Assim, nesses casos, tratamentos que forem capazes de atenuar ou modular a atividade desse circuito neural podem auxiliar na terapêutica dessas condições”, pontua Reis.
Segundo o pesquisador, no caso de transtornos em que a redução do comportamento alimentar é um sintoma grave, como no caso de anorexias, ou dos efeitos colaterais que resultam na redução de apetite durante o tratamento de outras doenças, é possível aumentar a atividade desses circuitos, resultando na recuperação de apetite.
Humanos
A questão é: as descobertas valem também para humanos? Quando olhamos para um camundongo, é difícil imaginar como os resultados obtidos a partir deste animal podem ser transpostos para humanos.
“Mas apesar das diferenças, principalmente no que se refere ao tamanho e complexidade, há diversas semelhanças que conseguimos transpor de um roedor para humano. Roedores são mais semelhantes a humanos do que se pensa e por este motivo, conseguimos descobrir e desvendar diversas questões relacionadas ao funcionamento do cérebro”, afirma a neurocientista Juliane Midori Ikebara, pesquisadora da USP e da UFABC.
Segundo ela, modelos de doenças neurodegenerativas são um ótimo exemplo de como a pesquisa básica em roedores podem trazer respostas para as doenças humanas. “Para isto, existem estudos de neuroanatomia comparativa que podem apontar as semelhanças e diferenças de cérebros entre espécies diferentes”, diz.
Ikebara explica que os próximos passos da pesquisa é investigar melhor como os neurônios GABAérgicos da PAG modulam subpopulações específicas da ZI. “Lembrando que a ZI é uma região com subdivisões e que possui neurônios com características neuroquímicas distintas. Dessa forma, queremos destrinchar melhor esta circuitaria para avaliar se projeções mais específicas estão relacionadas com comportamentos específicos”, conclui.
Investigação do ambiente e novos estímulos
Segundo os pesquisadores a exploração investigativa e a busca de alimentos têm importância vital, mas não são bem compreendidos. A alimentação é um dos aspectos mais importantes da vida de um animal.
Em busca de alimento, os animais devem conduzir uma exploração cuidadosa para ter acesso aos recursos calóricos e para se familiarizarem com seu ambiente.
Tais atividades exploratórias são compostas por uma ampla gama de comportamentos que incluem abordagem a novos estímulos, perseguição de presas e investigação do ambiente.