A Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu o dia 2 de abril como Dia Mundial de Conscientização do Autismo para dar visibilidade ao tema. Assim, criou-se também a campanha Abril Azul para que o mês inteiro seja marcado com diversas ações voltadas para o autismo. E por que a cor azul? Porque o autismo atinge muito mais os meninos do que as meninas (proporção de 4:1), fato que a ciência ainda não consegue explicar.

O autismo é um transtorno neurobiológico que atualmente de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que afete 70 milhões de pessoas sendo 2 milhões apenas no Brasil, e o quadro para analise sugere que 1 a cada 55 crianças hoje apresenta traços/características do autismo.

Classificação e diagnóstico

No autismo de acordo com o CID 11 (versão mais atualizada 2018) muitas questões para o diagnóstico foram alteradas e orientações para os profissionais foram acrescentadas.

Na classificação para o diagnóstico do autismo deve-se ter como Priore os sintomas específicos do transtorno sendo eles; interação social prejudicada, padrões repetitivos e estereotipados e padrões restritos de linguagem verbal e não verbal, no novo CID eles acrescentaram subdivisões, trouxe muito debate e muitos questionamentos, mas no ponto central de identificação individual dos sintomas vem elucidar muitos conceitos, inclusive para o processo educacional, ao meu ver isso facilitará principalmente o planejamento para um processo educacional funcional, as subdivisões incluiu  prejuízos na linguagem funcional e deficiência intelectual.

Quando vamos iniciar um processo educacional para a pessoa com NEE (necessidade educacional especial) e essa nomenclatura não se restringe ao autista, mas a toda pessoa que apresente prejuízo qualitativo no processo de aprendizagem essas informações são de extrema importância para o profissional pedagogo, orientador educacional e claro para o próprio professor e mediador escolar.

Comprometimento cognitivo

No processo de análise do comprometimento cognitivo do autismo, vai caracterizar se a criança possue ou não o comprometimento cognitivo e isso a nível escolar vai direcionar os profissionais quanto à por exemplo a necessidade de adaptação de material, de organização de quadro de horário dentro da sala de aula e claro a complementação na sala de recurso para que a atuação do profissional mediador seja pontual e focado naquele aluno, o desenvolvimento mais especifico das atividades domiciliar já que nesse momento estamos vivendo a pandemia e as aulas em processo hibrido, o que por si só já é um grande desafio para pais e profissionais, mas que com as informações mais detalhadas do quadro da criança e de seu comprometimento facilitará o planejamento individualizado.

Linguagem funcional

O comprometimento na linguagem funcional conforme descrito no CID abrange inclusive o detalhamento do nível, verbal ou não verbal, quando a criança apresenta comprometimento funcional da linguagem verbal outros procedimentos podem ser utilizados no desempenho das atividades escolares por exemplo fazendo a dinâmica de ensino com atividades visuais e práticas o que facilita a compreensão da criança e jovem com autismo não verbal funcional ( deixe-me explicar esse quadro, as vezes a criança fala, palavras soltas, ecolalias, mas ela não apresenta uma linguagem de conversação ou com a função de se comunicar e com isso pode apresentar desregulação emocional por exemplo por não conseguir se fazer entender, isso seria a linguagem funcional, ela é verbal, mas não é funcional, com intenção especifica) e isso se torna um desafio no ambiente escolar, já que de base somos muito verbais, gestuais.

Esses desafios ainda se ampliam no processo educacional, já que ninguém é igual a ninguém e para tal é necessário ser feito o PEI (plano educacional individual) tendo essas informações mais detalhadas, o processo de preparação da grade curricular se tornaria mais direcionado e claro eficaz, facilitando o desempenho do profissional.

História de vida

Em experiência própria com meu filho mais novo, Eros Micael, 17 anos, hoje não está mais na escola, mas durante o período em que estudou tivemos muitos desafios, autista nível 3, com comprometimento cognitivo e comprometimento funcional da linguagem, o processo dentro de sala de aula regular foi se tornando impossível tanto para o profissional quanto para ele mesmo, e para mim por consequência, pois havia o sonho dele chegar a se alfabetizar e seguir os estudos, mas por mais esforços que a equipe pedagógica fazia os comprometimentos neurológicos do Eros dificultava essa evolução, então diante do quadro individual do Eros foi feito a adaptação escolar para ele com diminuição de carga horário, professor de educação especial em sala de recurso de forma individualizada, atuação nas atividades práticas da escola e adaptação de material de forma lúdica e claro muito mais funcional para ele, o que facilitou ele pelo menos concluir o ensino fundamental, e após esse processo continua-se a interação escola e família que é de suma importância para um pleno desenvolvimento escolar, ninguém atua sozinho nesse contexto, escola e família devem andar juntos a todo momento, e no caso do meu filho o médico psiquiatra também para embasar a saída dele do processo escolar, visando um desenvolvimento mais focado na autonomia e independência que também era trabalhado de forma concreta na sala de recurso, isso é muito importante quando a escola tem os dados completos da criança e trabalha em parceria com a família, sempre visar não só o desenvolvimento pedagógico mas também o desenvolvimento da autonomia e independência do aluno com autismo, nesse aspecto ganhasse todos, escola, criança, família.

Não foi um processo fácil, existia muitas questões que eu mesma não aceitava na época, questionamentos que hoje escuto de muitas mães,  precisamos saber o que é real e possível para nossos filhos, tem crianças como muitas que atendo que sim possuem capacidade cognitiva preservada, adequação comportamental e sensorial e que após um período de adaptação fluem no processo escolar, mas por outro lado também tenho crianças com autismo e com comprometimento de moderado a severo do cognitivo e da linguagem funcional, onde o ambiente escolar não adaptado a suas especificidades são prejudiciais ao desenvolvimento da própria criança, e também conheço pais que ao se depararem com essa realidade e aceitarem o quadro do filho iniciarem o processo de homeschooling e viram seus filhos se desenvolverem. Cada caso é um caso, o que sempre explico tanto aos pais como aos profissionais é que o processo educacional como qualquer outro para a pessoa com autismo ou com qualquer outra deficiência deve ser pautado na individualidade do quadro que a pessoa apresenta.

Grade curricular engessada

Não dá mais para acharmos que o processo educacional da pessoa com autismo pode seguir grade curricular engessada, o ensino escolar deve ser funcional, individual, focado no quadro de cada aluno, mas isso é de responsabilidade de todos, cada um fazendo sua parte, família investigar o quadro real da criança ou jovem, escolas compreendendo os processos de ensino e adaptação curricular funcional para seus alunos.

Quando o processo de ensino é baseado numa grade curricular engessada por exemplo a primeira coisa que se escuta é que a escola não está preparada ou não possui profissionais qualificados para aquele ou aquela situação, isso não é verdade, o profissional da educação ele se prepara durante anos para o processo de ensino, mas não temos ainda uma conscientização das adversidades encontradas no processo de ensino, só temos a descrição do caminho que segue uma linha reta e que lá no final vai funcionar, mas e quanto as adversidades?

O processo de ensino pedagógico tem sim uma sequência neurocognitivo (praxias, gnósicas, atenção, memória, pensamento e linguagem) que acontece com a maior parte da população, mas esse mesmo processo não segue uma linha igual para todos os seres humanos, o que em alguns pode acarretar uma necessidade mais especifica de atuação do profissional e com isso claro o conhecimento dessas adversidades para que ele possa adequar o ensino desse alunado, as especializações da educação especial,  é um quadro real na área educacional entra ai a questão da capacitação continuada dos profissionais que é item obrigatório disponibilizado inclusive de forma gratuita no site do MEC, no site portal da educação, site do ministério da educação, a oferta é infinita hoje em dia, disponível para esses profissionais que precisam sim se adequar a realidade educacional que não é de agora, mas que nunca foi cobrada com tanto afinco pelos pais.

E MAIS…

A campanha do Abril Azul reforça a conscientização e a empatia

É importante apoiar a continuidade das atividades de conscientização e um dos mais importantes que conquistamos é toda a movimentação feita na campanha do Abril Azul. O dia 02 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, e ao longo desses anos muito se evoluiu nas informações e atividades voltadas para que as pessoas conheçam mais, para que sejam quebrados os tabus e os mitos relacionados ao autismo, confortando milhares de famílias assim como a minha vivem o autismo 24 horas por dia, muita das vezes sem suporte, orientação ou cuidado. O mês de abril para esses milhares de famílias traz novas possibilidades e leva a muitos lugares o que eu já vivencio dentro da minha própria casa.

Quanto mais se falar, conhecer, divulgar sobre o autismo mais fácil vai se tornando para todos os envolvidos, as pessoas poderão reconhecer mais rápido os sintomas ou traços como chamado no quadro clinico, poderão começar mais cedo as estimulações terapêuticas e familiar e com isso amenizar os sintomas para que quando chegue na idade escolar estejam mais funcionais, pois ainda hoje se fala em diagnostico apenas após os 7 anos o que é um grande atraso para a criança e para a família, quanto mais cedo se observar e tratar os sintomas mesmo que sem laudo, mais se ganha no desenvolvimento neurocognitivo e por consequência mais facilitado fica o desenvolvimento educacional dessas crianças.

Como sempre digo a todos que chegam até a mim, o autismo não é o fim, é apenas um começo mais demorado, não é impossível de se ensinar a criança com autismo (o jovem ou adulto com autismo frisando bem essa parte ok, porque é um dos mitos mais temidos dos pais), o que eu acho que falta ainda é o querer ensinar, o querer aprender com o ser humano diante de suas especificidades e também a cooperação entre os envolvidos, juntos se pode fazer muito mais por um todo.