A mudança comportamental dos filhos é quase sempre visível quando se tem um problema de alienação parental na família. Em prol dos interesses da criança e do adolescente, é importante a boa comunicação entre os genitores após o fim do relacionamento. Nesta entrevista, o tema é aprofundado pela psicóloga Liliane Santi, especialista em psicologia jurídica;
Ela também é perita, assistente técnica, palestrante e consultora em problemas decorrentes do divórcio: acusações de molestação, ofensas, violências sexuais, violências domésticas, alienação/afastamento parental, regulamentações de guarda e convivência; pós-graduada em investigações criminais e psicologia forense; capacitada nas matérias alienação parental, perícias psicológica e psiquiátrica nas ações de família e em o que não é alienação parental pelo Instituto de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM); a autora do livro ‘Alienação parental como ela é…’ (Grupo Editorial Ferro).
O que é alienação parental?
É a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente cometida por um adulto de confiança que esteja com sua guarda – não necessariamente a guarda jurídica. É errôneo o pensamento de que a mãe fica mais tempo, por isso aliena. Há quem possa alienar a criança ficando uma hora com ela. Não necessariamente é o guardião jurídico, pode ser uma avó, pode ser um irmão mais velho. Tem irmãos maiores, por exemplo, que começam a influenciar o menor a não querer mais ir para casa do pai ou da mãe, ou começam a falar mal da avó, por exemplo.
Percebe-se que mais mães ou pais praticam alienação parental?
Mais mães, geralmente porque elas têm mais a guarda e por outros problemas que acabam envolvendo a esfera da conjugalidade e acabam passando para a parentalidade. Por exemplo, quando o casal não consegue separar o casamento, que é solúvel a qualquer tempo, da parentalidade, que é indissolúvel, geralmente começam disputas de bens, problemas para definir pensão, para definir os dias de convivência. E aí as mulheres, que ficam mais com as crianças, acabam colocando o filho nisso.
Mas a alienação parental é cometida também por muitos homens. E, se eles têm uma condição socioeconômica melhor do que as mulheres, costumam ser perversos, contratando advogados muito bons e, às vezes, não éticos, que não pensam no bem-estar da criança, que, a meu ver, sempre tem que conviver em tempo igualitário, numa guarda compartilhada, com pai e mãe.
Quais os prejuízos psicológicos para uma criança que vive a alienação parental?
São imensuráveis. Cada criança reage de um jeito, mas, com certeza, vai ser uma criança dividida, porque acaba tendo que escolher um dos lados para não sofrer represálias. É uma criança que vive sob o pacto de lealdade, ela compreende que a demonstração de amor e afeto por um dos genitores é entendido pelo outro como uma traição. Logo, não consegue ser feliz. Por exemplo, se está sob a guarda da mãe e vai para casa do pai no final de semana, tira uma foto sorrindo e a foto vai parar nas redes sociais, essa criança vai sofrer represália, ou a mãe pode se sentir vítima e chorar, entristecendo o filho. O mesmo pode acontecer com um pai ou uma avó que seja o agente alienante.
Consequentemente, a criança vai ficando retraída, pode ter mudanças de comportamentos bruscas em casa e na escola, pode ficar com dificuldade de expressar os sentimentos de amor e afeto, tornando-se monossilábica ao se comunicar. A mudança comportamental é quase sempre visível quando se tem um problema de alienação parental na família.
Como ocorre um litígio na alienação parental e quais as estratégias para identificar?
O litígio acontece após a separação, com um dos genitores começando a impedir ou dificultar que o outro tenha acesso à criança, não passando informações médicas, não passando informações escolares, informações culturais, não permitindo que a criança vá com o pai ou a mãe antes da regulamentação de visita. Essa dificuldade do contato com o genitor que saiu do lar vai ficando cada vez mais forte, porque a própria criança começa a ter uma sensação de abandono afetivo, passando a recusar a presença do genitor que ela imagina que a rejeita.
Quanto mais o tempo vai passando sem que o judiciário tome uma providência, como estabelecer multa, regulamentar urgentemente a convivência, mais a situação se agrava. Tem casais que se separam e não regulamentam ou falam que vai ficar livre. É a maior roubada que tenha isso de ficar livre, pois você não pode nem ir na delegacia para dizer que a pessoa está descumprindo uma decisão judicial, porque a decisão judicial não existe ou está livre. É preciso ficar bastante atento a isso também.
Qual o papel do psicólogo clínico em casos de alienação parental?
O psicólogo clínico precisa atender toda a família, não pode chamar apenas a pessoa que o procurou. Tem que entrevistar o pai isoladamente, tem que entrevistar a mãe isoladamente, a criança, fazer a interação das duplas pai e filho e mãe e filho, porque a história só conhecemos ouvindo todas as partes. Precisamos conhecer o outro lado e saber se a criança não está firmando um pacto de lealdade com o agente alienante para não desagradá-lo. Por isso, é importante conhecer toda essa dinâmica, trabalhar de uma forma sistêmica, saber que a ação de um vai acabar causando uma reação no outro e tentar o máximo de vezes possíveis uma mediação para que esse casal aprenda a separar a conjugalidade da parentalidade. A conjugalidade teve um fim, mas a parentalidade vai persistir.
Então, na clínica, o máximo que o terapeuta conseguir fazer esse papel de que as pessoas reflitam, porque é muito difícil o pós-divórcio, os primeiros meses, até um ano, cada pessoa tem um tempo para elaborar esse luto. Muitos terminam o casamento por causa de uma terceira pessoa e aí não é fácil a pessoa falar que vai ficar suberbem sendo que agora o filho está indo conviver com o namorado ou a namorada do genitor que deu causa à separação. Mas isso precisa ser trabalho na clínica para que a criança fique bem, os pais fiquem bem, tendo uma boa comunicação em prol do filho. Não estamos dizendo para ficarem amigos, mas para estabelecer um diálogo civilizado e humano em prol dos interesses da criança para que ela se sinta cuidada, sinta que seus interesses são resguardados por ambos os genitores. Isso é muito importante.
Avaliação psicossocial solicitada pelo juiz é feita por um assistente social ou tem acompanhamento do psicólogo?
Toda vez que o juiz pedir um estudo psicossocial, é uma psicóloga mais uma pessoa do serviço social. Tem juízes que pedem apenas um estudo social, aí é só a assistente social que vai na casa. Por exemplo, tem famílias que são extremamente carentes e uma tem uma condição um pouquinho melhor. Às vezes, o juiz pede apenas para a assistente social ver qual das casas teria melhor condições de abrigar essa criança, qual casa tem um banheiro dentro, se a casa não está embolorada, se tem comida. Tem assistentes sociais que abrem armário e relatam se tem comida, se na geladeira tem alguma coisa feita, se tem sinais de que no fogão havia sido feito um alimento, panela com comida.
Em outros casos, o juiz pede um estudo psicossocial, então vai passar pela psicóloga também. De forma geral, o psicológico é feito no fórum e o da assistente social, na casa. Eu sempre recomendo que as pessoas que forem passar por um estudo psicossocial e não moram na mesma comarca que se disponibilizem imediatamente a irem até a cidade em que está o filho para serem atendidas pela mesma profissional para que ela possa avaliar a interação de ambos os genitores. Isso é bem importante para sair uma guarda compartilhada.
Alguém que aliena um filho por anos pode ser convencido a não continuar com a alienação?
Eu gosto de pensar positivo, de achar que as pessoas podem sempre mudar e acredito que uma terapia sistêmica familiar é fundamental para mudar o tipo de pensamento e os comportamentos da pessoa que tem cometido os atos alienantes. Tem muita gente que comete de forma inconsciente. A pessoa não tem o desejo de fazer isso. Ela tem problemas próprios dela, de autoestima. Às vezes, também há pessoas que têm uma simbiose com a própria mãe e quer que o filho repita isso. Mas indo para terapia, esclarecendo essas questões, compreendendo que está fazendo mal para criança, acho sempre possível conscientizar a pessoa que está cometendo os atos alienantes para que não cometa mais.