Muitas foram as considerações psicanalíticas acerca do corpo. O que nos parece mais relevante para este trabalho seria discutir alguns aspectos fundamentais: como se articulam corpo e psiquismo? Como as emoções se inscrevem no corpo? De qual corpo estamos falando?
Para a Psicanálise, os sintomas corporais – histeria, manifestações psicossomáticas, distúrbios alimentares – são impregnados de elementos fantasmáticos, e completamente indiferentes à anatomia científica. O que diferencia o corpo daquele dissecado pela anatomia e, cujas funções a fisiologia descreve, é o discurso que anima cada sujeito (CECARELLI, 2017).
Ego corporal
Como vimos em Freud (1923), o ego é, antes de tudo, um ego corporal. Tal consideração nos permite inferir que existem, num primeiro momento, informações libidinais que são provenientes do próprio corpo, e que este quantum pulsional inauguraria o nosso psiquismo.
Em outras palavras, o ego deriva de sensações corporais, principalmente daquelas que tem sua fonte na superfície do corpo, e funciona como uma projeção mental da superfície do corpo.
Freud (1905), Winnicott (1965/1971), Ferenczi (1913) e tantos outros autores consagraram boa parte de suas obras ao que chamaremos aqui de etapas do desenvolvimento psíquico/somático do indivíduo.
Para os três autores citados, notamos que o desenvolvimento psíquico/somático respeita uma linha evolutiva relativamente bem definida. É imprescindível ressaltar que elas vão se acomodando de modo justaposto ao longo da vida.
Transtornos alimentares
Entendemos que os transtornos alimentares, em especial a compulsão alimentar (e a obesidade), possam ser compreendidos a partir dos mecanismos de defesa que um sujeito articulará e lançará mão em virtude da qualidade de seu contato com o ambiente.
Para cada uma das etapas do desenvolvimento psicossomático, atribui-se competências específicas que serão favorecidas pelo ambiente facilitador (sobretudo os de aspecto maternal) e pela capacidade ou incapacidade que cada indivíduo possui em fazer frente à realidade. Em cada uma destas etapas, são criadas formas peculiares (dinâmicas psíquicas) para lidar com o outro e com a realidade, bem como seus respectivos mecanismos de defesas.
Isso quer dizer que podemos considerar a compulsão alimentar e a obesidade como manifestações psicopatológicas transnosográficas. Farah, J. F. S. & Castanho, P. (2018), citando Kalil, dirão que as compulsões alimentares são “manifestações sintomáticas de etiologia complexa e componentes adictivos” e afirmam encontrar na clínica “a manifestação da compulsão alimentar nas mais diversas estruturas (neurose, psicose, perversão e psicossomática)” (p. 46).
A formação e a manutenção do corpo obeso nos parece ser uma consolidação real ou metafórica, na qual este corpo precisa ser revestido por camadas adiposas de proteção, evitando que o sujeito se depare com suas angústias, sofrimentos e ansiedades.
Angústias específicas
Para as variadas, sucessivas e justapostas etapas do desenvolvimento são reservadas angústias específicas e que, não necessariamente, desaparecem no período em que ocorre (relativamente) a transposição de uma determinada etapa.
As características de cada uma destas etapas se farão presentes na integração do self do sujeito, de modo particularmente complexo, tal como um emaranhado homogêneo de experiências psicossomáticas.
Em analogia com as adições, podemos considerar a compulsão alimentar como uma toxicomania sem drogas. Consideramos a adição como o recurso a um objeto externo que, para o adicto, representaria a única forma de escapar ao sofrimento psíquico/somático e de obter prazer, cuja origem remonta, muitas das vezes, a um traumatismo precoce.
Em situações de estresse, angústia ou ansiedade, o sujeito tomado pela impulsividade – tal qual um bebê desesperado –, lançará mão da conduta aditiva a fim de acabar com o sofrimento. A impulsividade se dá de modo a livrar-se da tensão, valendo-se de uma via de descarga facilitada.
Transtorno de compulsão alimentar periódico
Sobre a compulsão alimentar ou TCAP (transtorno de compulsão alimentar periódico), estudo recente sinaliza que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o distúrbio atinge em torno 2,6% da população do mundo. O Brasil tem uma das taxas mais altas de ocorrência, atingindo 4,7% dos brasileiros.
Entre pacientes obesos, 46,3% dos pacientes apresentavam transtorno de ansiedade; 20,1% transtorno alimentar; 13,7% transtorno bipolar; 7,9% transtorno depressivo e 3,1% transtorno do uso de substância.
No país, 5,8% da população sofre com a depressão, que afeta um total de 11,5 milhões de brasileiros. Segundo os dados da OMS, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o segundo com maior prevalência nas Américas, ficando atrás somente dos Estados Unidos, que têm 5,9% de depressivos.
No Brasil, recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade, 9,3% da população sofre com o problema. Ao todo, são 18,6 milhões de pessoas.