Considerada uma referência para se falar de morte – e sobre uma vida que faz sentido viver, Ana Claudia possui pós-graduação em Psicologia – Intervenções em Luto e especialização em Cuidados Paliativos, é autora de vários livros, entre eles “A morte é um dia que vale a pena viver”, além de sócia fundadora da Associação Casa do Cuidar, Prática e Ensino em Cuidados Paliativos
Falar sobre morte não agrada. O assunto geralmente é adiado ao máximo e surge apenas na iminência da própria morte, ou quando alguma pessoa próxima falece. Numa época como a atual, com o mundo ainda enfrentando uma pandemia, o tema, que já é um tabu, foi vivenciado de uma forma ainda mais angustiante. Segundo a médica geriatra, especializada em Cuidados Paliativos, Ana Claudia Quintana Arantes, quem morreu ou passou por uma perda neste momento, por conta do coronavírus ou por qualquer outra causa, por conta do isolamento social, vivenciou esse processo de maneira desamparada e solitária, sem a possibilidade de receber afeto.
.Desde 2015, a médica tem desenvolvido cursos e intensivos de conversas sobre o tema. Nesta entrevista, ela fala um pouco sobre o tema e sobre a importância de psicólogos se especializarem na área.
O que são, afinal, os Cuidados Paliativos?
Cuidados Paliativos é a área da assistência que provê o alívio dos sintomas de desconforto e sofrimento na dimensão física, emocional, social, familiar e espiritual para pacientes que enfrentam doenças que ameaçam a continuidade da vida.
Quando eles devem ser iniciados no paciente?
Os Cuidados Paliativos devem ser oferecidos a partir do diagnóstico de uma doença que ameaça a continuidade da vida. Os pacientes se beneficiam desta abordagem quando há alívio do sofrimento, dando condição de enfrentamento mais potente em relação aos tratamentos e aos efeitos colaterais ao longo do processo de adoecimento. Em finais da vida, o paciente também se beneficia dos Cuidados Paliativos, mas essa área de assistência não é exclusividade dos minutos finais da existência humana.
Há uma relutância dos médicos em falar sobre morte e permitir que o paciente e familiares ganhem qualidade neste momento. Por que isso acontece?
Os médicos não têm formação para fazer os cuidados do sofrimento humano ao longo de todo o processo de adoecimento e muito menos no processo de morte. A dificuldade de encarar a finitude da vida humana é inerente a todas as pessoas, inclusive aos médicos, que não são submetidos a nenhum tipo de formação ou treinamento, não lhe são oferecidas possibilidades de desenvolver a habilidade de cuidar da pessoa no final da vida dela. Essa relutância existe pelo tabu da morte e a falta de formação. O que mudaria para o paciente é que a família seja tratada com transparência e amorosidade, pois ninguém está disposto a ter uma morte longa e sofrimento prolongado e sem condição de falar sobre isso. Isso faria com que eles enfrentassem o processo de um lugar de menos sofrimento do que quem tem de passar por tudo isso a seco.
De que maneira o profissional que entende sobre Cuidados Paliativos pode ajudar a família a enfrentar a perda de um ente querido?
O profissional bem preparado vai ajudar a família a compreender o processo de doença e de que forma ela pode proporcionar ao paciente a percepção de que está sendo bem cuidado. A família que entende esse processo não briga com o doente, dizendo que ele não está se ajudando ou não aceita o tratamento, não fica culpando a medicina ou o médico, ou as condições que o paciente tem ou não tem para ter alívio da doença. Uma família bem amparada pelo profissional que sabe o que está fazendo participa ativamente do processo de cuidar.
Apesar do tema estar sendo cada vez mais abordado, ainda há um desconhecimento sobre o assunto. Por que isso acontece?
Isso acontece porque a gente precisa de pelo menos 3 mil serviços de Cuidados Paliativos no país e temos apenas 191. Existe a necessidade de uma ação incansável sobre educação e formação de profissionais de saúde e também um preparo da sociedade para encarar esse cuidado como parte da boa prática médica e não um aspecto de abandono do paciente. Falta formação, comunicação e informação, mas também falta coragem para as pessoas falarem de morte ainda em vida.
Como preparar o profissional de saúde para os Cuidados Paliativos?
Oferecer a ele possibilidades de aprender, com cursos de pós graduação e inserir isso nos cursos de graduação. Esse ano tive a oportunidade de participar de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, pedindo que a formação de Cuidados Paliativos fosse inserida na diretriz curricular nas graduações de medicina e consegui. O Conselho Nacional de Educação já está trabalhando na inserção das competências de Cuidados Paliativos nas diretrizes de ensino de graduação de Medicina no país e, a partir disso, acredito que as graduações em saúde, em geral, também serão beneficiadas com a inserção deste conhecimento e destas competências.
O psicólogo faz parte da equipe hospitalar de Cuidados Paliativos? Qual é a importância dele para este momento?
Sim, esse profissional faz parte da equipe de Cuidados Paliativos, e ele será muito necessário se tiver formação em Cuidados Paliativos. O profissional de saúde sem essa especialização muitas vezes atrapalha, dificulta e impede, sendo o próprio obstáculo para a compreensão do momento que o paciente enfrenta. O profissional de saúde, incluindo o psicólogo, será bem-vindo ao processo dos cuidados para dar suporte emocional tanto para o paciente, quanto para os familiares e para a equipe que está cuidando deste paciente.
Como mudar a visão que se tem da morte e as maneiras de abordar o tema, independente do momento da vida?
A única maneira de mudar a visão da morte e as maneiras de abordar o tema, independente do momento de vida, é ler e ouvir sobre isso, além de trazer a conversa na intimidade da casa, na hora de jantar, na hora do almoço, na escola, no trabalho. Temos de falar sobre a vida e para falar sobre a vida temos de ter noção de que ela acaba.