Ao contrário do que a etimologia da palavra Psicologia poderia sugerir, esta área do conhecimento, que tradicionalmente deveria estudar a mente humana, de fato acabou por se dedicar muito mais ao estudo das doenças e dos comportamentos disfuncionais. Porém, a partir de 1998, um movimento científico chamado Psicologia Positiva surgiu com o propósito de estudar o lado funcional de seres humanos e instituições, restaurando, assim, o equilíbrio neste campo de estudo. Em termos práticos, cientistas passaram a estudar temas tais como gratidão, perdão, prazer, coragem e, principalmente, felicidade. Mas o que a ciência tem a dizer sobre a felicidade?
Em primeiro lugar é bom que se diga que felicidade existe e, mais que isso: ser feliz dá trabalho , e talvez seja por isso que muitos acabem desistindo de conquistá-la. Ou, pior ainda, iludem-se tentando encontrá-la apenas nos prazeres. Nesse sentido, concordo com Sêneca (2 a.C. a 65 d.C), filósofo espanhol que, observando sua sociedade bastante infeliz, recusava-a como padrão de referência, dizendo que para ser feliz, a primeira coisa que o indivíduo deveria fazer, seria recusar-se a seguir a multidão.
Portanto, se você é daqueles que acham que felicidade é sorte ou um brinde dos céus reservado às criaturas mais afortunadas, esqueça! Você vai continuar aí sentado(a) reclamando e fazendo parte dos muitos que se contentam com a ausência do sofrimento. Ou seja, dos muitos que se contentam com pouco. Sim, porque já na década de 1960, pesquisas sobre bem-estar descobriram que os sentimentos de prazer e desprazer são relativamente independentes. Falando de uma maneira mais simples, a ausência de tristeza não é sinônimo de alegria. Para os teóricos da Psicologia Positiva, isso mostra que as tentativas da Psicologia Clínica em eliminar os estados negativos não são capazes de promover, necessariamente, estados positivos; ou, dito de uma outra forma, que uma Psicologia focada na remissão ou alívio do sofrimento (embora importante) não é capaz de promover a felicidade humana.
Um outro esclarecimento importante para aqueles que gostam de filosofar: felicidade não são momentos. Em Psicologia Positiva, quando falamos em felicidade estamos nos referindo a níveis constantes de felicidade. Dizendo de uma forma mais simples, feliz é aquele sujeito que “coloca numa balança” os momentos de sua vida e a vê pender mais para o lado da felicidade. Note que é alguém que tem problemas, vivencia situações e momentos tristes, mas ainda assim, na média, sente-se feliz.
O Papel do Prazer
Movida por interesses econômicos, a cultura ocidental tem cometido o lamentável equívoco de confundir felicidade com prazer. Não é à toa que vemos muitas pessoas rercorrerem às compras como forma de aliviar suas angústias, obtendo apenas paliativos que, em última instância, nada mais fazem do que distanciá-las ainda mais da verdadeira felicidade. A maior dificuldade em se construir a vida em torno de prazeres é justamente seu caráter passageiro, daí a impossibilidade de construirmos algo consistente em torno dele.
É exatamente nesse aspecto que reside o potencial negativo do prazer, ou seja, sua capacidade de gerar dependência. Assim que o prazer acaba, somos compelidos a repetir o comportamento que o gerou, a fim de obtermos o mesmo prazer novamente. Porém, em nosso cérebro ocorre um fenômeno, chamado habituação, que impede que isso aconteça na medida em que promove uma espécie de adaptação das células cerebrais em relação à repetição de um mesmo prazer. Ou seja, quanto mais repetimos uma ação em busca de prazer, mais nosso cérebro se “acostuma” a ele, diminuindo nossas reais chances de obtê-lo, fechando, assim, um círculo vicioso. Deveríamos, então, abdicar do prazer? Certamente que não, sobretudo porque o prazer é um dos componentes necessários da felicidade. No entanto, é preciso mantê-lo sob controle.
Em linhas gerais, a Psicologia Positiva afirma que a chave para a felicidade seria o cultivo das chamadas emoções positivas. Talvez a expressão “positiva” no que se refere às emoções não seja muito “feliz”, na medida em que sugere a existência de emoções “negativas”. Por isso é importante esclarecermos que as emoções positivas são aquelas que, em geral, são agradáveis de sentir, enquanto que as negativas costumam ser o contrário. Isto posto, fica claro que ambas possuem sua funcionalidade. Porém, estudos apontam serem mais felizes as pessoas que cultivam emoções e sentimentos positivos em relação ao seu passado, presente e futuro. E a boa notícia é que a ciência tem se interessado por isso. Ken Sheldon e Sonja Lyubomirsky, dois psicólogos da Psicologia Positiva, receberam uma bolsa de mais de US$ 1 milhão (pesquisadores brasileiros, morram de inveja!!!) do National Institute of Mental Health dos EUA para financiar uma pesquisa sobre a possibilidade de as pessoas se tornarem mais felizes.
Estudos realizados até o momento comprovam que o aumento da felicidade é algo perfeitamente alcançável para pessoas que estejam dispostas a isso. A ciência descobriu que a felicidade não é para todo mundo. É para quem estiver disposto a trabalhar por ela.
E MAIS…
Um Estudo Brasileiro
O problema é que as pessoas não sabem o que têm de melhor a oferecer e, ao desconhecerem suas forças pessoais, deixam de se engajar em atividades capazes de lhes proporcionar flow, gratificação e, por extensão, felicidade. Esse é um dos aspectos que verificamos em nossa tese de doutorado intitulada “A Felicidade Revisitada: Um estudo sobre bem-estar-subjetivo na visão da Psicologia Positiva”.
Poderia a falta de autoconsciência diminuir as chances de nos tornarmos felizes? Ao que tudo indica, sim. No entanto, vale lembrar que conhecer a si mesmo nem sempre é o bastante. Precisamos nos engajar num “projeto de felicidade” que esteja adequado tanto aos nossos limites, quanto aos nossos recursos e, para isso, autoconhecimento é apenas o princípio.
