A FDA ( Food and Drug Administration), agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, aprovou recentemente o primeiro medicamento desenvolvido para combater o declínio cognitivo relacionado ao Alzheimer – o aducanumab.
O remédio foi desenvolvido pela fabricante americana Biogen. O custo anual do tratamento é estimado em cerca de 5 a 6 mil dólares por mês. Testado em pacientes com sintomas leves, o aducanumab é indicado para pacientes com um diagnóstico definitivo da doença, ainda em um estágio inicial. A droga remove depósitos de uma proteína chamada beta-amiloide do cérebro de pacientes nos estágios iniciais da doença. Essa proteína forma aglomerados anormais no cérebro que podem danificar as células e desencadear o Alzheimer.
Os testes, envolvendo cerca de 3 mil pacientes, foram interrompidos em 2019, quando a análise mostrou que o fármaco não era melhor em retardar a deterioração cognitiva do que um placebo.
Anticorpos monoclonais
O aducanumab age a partir da ação dos anticorpos monoclonais, isto é, uma versão fabricada em laboratório a partir de células vivas de pessoas que não possuíam a doença. O medicamento foi aprovado com uma ressalva da FDA: a fabricante precisa verificar o benefício clínico em um estudo pós-aprovação. Do contrário, a FDA pode iniciar procedimentos para retirar a aprovação da droga. Em outras palavras, a sua eficácia ainda não está comprovada.
A aprovação provocou controvérsia no meio científico. Segundo o neurocientista Alexandre Kihara, da Universidade Federal do ABC (UFABC), ainda há dúvida se medicamento consegue atravessar bem todas as barreiras do sistema nervoso e chegar ao espaço perineural (ao redor dos neurônios), onde há o maior depósito do formato beta-amiloide insolúvel rodeada de neuritos degenerados (filamento ou crescimento em formato de ponta apresentado por células neurais). Além disso, é possível que esse acúmulo de proteínas não seja necessariamente a causa, mas a consequência da doença. “As hipóteses levantadas a partir do estudo da patologia apontam que as placas beta-amiloides se formam como consequência da mutação de genes como presenilina 1 e 2, entre outros”, observa Kihara. Essas mutações estão presentes no Alzheimer de origem genética.
Barreiras do sistema nervoso
A doença ainda está sendo investigada pelos cientistas. Existem vários estudos apontando um consumo alto de metais presentes na água e nas panelas pode estar envolvido com o Alzheimer. Um estudo recente conduzido pelo professor Neil Telling, da Keele University, no Reino Unido, e publicado na revista “Science Advances” mostra que os metais pesados atravessam a membrana permeável seletiva que regula a passagem de grandes e pequenas moléculas para o microambiente dos neurônios..
A presença de metais pesados, na forma metálica, mostra que a adição de cobre a um grupo de colesterol presente no alimento do roedor pode induzir depósito de beta-amiloide com comprometimento cognitivo, uma vez que a proteína altera a atividade de oxidação de metais como cobre.
Tratamentos
Segundo a bioquímica Giselle Cerchiaro, da UFABC, é possível encontrar tratamentos que tenham os metais como alvo. Ela lembra que há na literatura estudos que apontam os quelantes (compostos químicos com capacidade de fixar íons metálicos), quando ingeridos, chegam até o cérebro. Eles são capazes de capturar esses metais e regenerar o cérebro, evitando a formação de placas senis. Estudos feitos em ratos e mostraram excelentes resultados.
“É sabido que o cérebro de pessoas afetadas com doença de Alzheimer possui mais cobre e ferro que o cérebro de uma pessoa normal, e isso ocorre também no sangue, com o cobre. Sabe-se também que estes dois metais, especialmente o cobre, auxiliam na formação das placas senis, atuando como uma espécie de catalizador”, afirma Cerchiaro.
A médica Marcela Echeverry, da UFABC, especialista em neurofarmacologia e cognição, diz que ainda são necessárias pesquisas adicionais, que mostrem como o sistema nervoso central reage ao fármaco, por exemplo, o mecanismo de eliminação da droga.
Echeverry observa que ainda não se sabe como é eliminado o anticorpo monoclonal-beta-amiloide, se é por via linfática (que tem função de coletar partículas indesejáveis que trafegam pelo corpo e estimular o sistema imune a conter ameaças) ou é degradado com participação da glias (tipos celulares presentes no sistema nervoso central).
A doença de Alzheimer é reconhecida por dois sinais clássicos: o acúmulo anormal de proteínas no cérebro, tanto dentro dos neurônios (emaranhados fibrilares de proteína Tau), como fora deles (placas formadas pela proteína beta-amiloide).
“O emaranhado neurofibrilar se caracteriza por acúmulos, dentro do neurônio, da proteína Tau anormalmente fosforilada, uma proteína que está associada a microtúbulos [polímeros de tubulina, importantes para a manutenção do citoesqueleto neuronal]. A placa senil possui um núcleo central do peptídeo beta-amiloide rodeado por uma coroa de neuritos, ou processos neuronais, dendritos ou axônios, formados anormalmente”, lembra.
Emaranhados neurofibrilares
Echeverry questiona como ficaria o depósito dos emaranhados neurofibrilares, que se acumulam também, e em algum momento atraem a formação de mais placas beta-amiloide, por um processo que envolve neuroinflamação e participação de proteínas cinases (enzimas que envolvem o mecanismo de regulação das proteínas).
Ela explica que o maior componente da placa beta-amiloide que se deposita anormalmente é o fragmento de 42 aminoácidos, chamado Aβ42. Ele parece formar fragmentos curtos de DNA, sendo mais passível de se difundir da proteína amiloide, que se encontra fora do neurônio e começa a ser rodeado por filamentos de células neurais deteriorados.
O Aβ42 é o mais fabricado pela proteína chamada secretase gama, quando existe uma alteração nos genes da presenilina e nicastrina, que acompanham o Alzheimer genético. “Normalmente, fabricam-se a Aβ40, chamado de fragmento normal, e em pequenas quantidades Aβ42, chamado de fragmento fibrilogênico e neurotóxico”, diz Echeverry.
Em pequenas quantidades o neurônio parece conseguir se defender do fragmento Aβ42, porque a presença do Aβ40 em maior quantidade impede Aβ42 de agregar e formar placas. “Então aqui fica a pergunta: foi já demostrada a especificidade desse anticorpo monoclonal contra o fragmento Aβ42, no medicamento? Este fragmento é o conhecido como fibrilogênico e neurotóxico”, questiona.
Depósitos insolúveis
No Alzheimer, há uma formação progressiva e depósitos anormais das placas beta-amiloides insolúveis, com depósitos inclusive nos vasos sanguíneos. Como esses depósitos são insolúveis, eles não circulam e ficam confinados ao espaço fora do neurônio. Existem pesquisas que também mostram uma percentagem importante da forma solúvel nos pacientes com a doença, porém o insolúvel continuaria sendo um problema.
Há dois tipos de genes que influenciam o desenvolvimento da doença de Alzheimer: genes de risco e genes determinísticos. “Os genes de risco aumentam a probabilidade do desenvolvimento da doença, mas não garantem que isso aconteça. Já os genes determinísticos causam a doença, assegurando que qualquer um que herde este gene desenvolva a patologia”, observa o neurocientista Dr. Fernando A. Oliveira, da UFABC. A estimativa é que apenas 1% das pessoas com esses dois tipos de genes respondam pelos casos diagnosticados da doença de Alzheimer.
Segundo o pesquisador, existem alterações no tecido cerebral que estão em decurso antes mesmo dos sinais da doença, ou seja, o acúmulo de placas de beta-amiloide e aumento dos emaranhados neurofibrilares. “Há mudanças bioquímicas ocorrendo no cérebro, estima-se que estas alterações possam começar aproximadamente 20 anos antes do primeiro sintoma clínico se manifestar”, explica Oliveira.
As pesquisas apontam que o desenvolvimento de placas e emaranhados poderiam representar um estágio bastante avançado do Alzheimer. É possível observar quadros de pessoas assintomáticas com redução do metabolismo da glicose no cérebro. “Nesse sentido, fatores que impedem a utilização da glicose de maneira otimizada poderiam contribuir e antecipar a neuropatologia do Alzheimer, ou seja, o hipometabolismo glicolítico cerebral é parte fundamental do estágio assintomático e inicial no desenvolvimento da patologia do Alzheimer”, diz o pesquisador.
A doença de Alzheimer é uma síndrome com múltiplas causas
Segundo Kihara, é difícil descobrir a causa da doença de Alzheimer. Existem casos de origem genética, em que é possível identificar a causa, que, na maioria das vezes, está relacionada com mutação em genes que codificam a proteína precursora beta-amiloide e presenilina 1 e 2. Mas a maioria dos casos é esporádica.
O pesquisador lembra que outro sinal da presença de Alzheimer é a diminuição dos níveis de neurotransmissores, que são moléculas liberadas pelos neurônios, para que ocorra a comunicação entre essas células. Um desses neurotransmissores é a acetilcolina. “Há uma certa confusão entre estes sinais de alteração celular no tecido cerebral e as causas. Estas alterações são resultado de um processo que possui impacto na saúde do paciente, mas não são as causas primárias, que parece ser uma interação entre a predisposição genética e fatores de risco”, explica Kihara.
A doença de Alzheimer apresenta vários fatores de risco, como abuso de álcool, presença de aterosclerose (formação de placas de gordura, cálcio e outros elementos na parede das artérias do coração e de outras localidades do corpo humano), pressão arterial alterada (tanto alta quanto baixa), depressão, diabetes, altos níveis de estrogênio, níveis sanguíneos elevados de homocisteína (um tipo de aminoácido produzido pelo corpo), obesidade e tabagismo.