O achado de hoje é o filme “Um homem chamado Ove”, que conta a história de um senhor um tanto quanto mal-humorado e inflexível chamado Ove (Rolf Lassgard). Nos primeiros minutos do enredo, acompanhamos o protagonista comprando flores para sua falecida esposa e, logo depois, perdendo seu emprego. Sem estímulos, ele decide se entregar à desesperança, porém a chegada de novos vizinhos (um tanto quanto barulhentos na opinião do personagem) “atrapalha” sua decisão.

Ove é um homem de meia idade que vive sozinho e tem um humor complicado de lidar, além de ser muito rígido e com baixa flexibilidade psicológica, apresentando pensamentos negativos e de ideação suicida ao longo da história, tais como “mas não estarei aqui para ver isso” ou “se eu me apressar, ainda te vejo hoje (ao visitar o túmulo da falecida esposa)”.

Conseguimos acompanhar a tristeza e a solidão do protagonista durante o filme, bem como o impacto da perda e o luto em sua vida, que o levam a inúmeras tentativas de acabar com a vida na esperança de reencontrar sua amada. Em uma dessas tentativas, ele fecha a janela para não haver distraidores, porém os novos vizinhos começam a tocar a campainha, trazendo comida para ele em busca de amizade.

Prevenção

Em 2022, o suicídio entre idosos foi considerado quase 50% maior que no restante da população, uma vez que o luto pela perda progressiva de companheiros, filhos e amigos e as limitações físicas se somam ao isolamento social, falta de rede de apoio, solidão e depressão como fatores de risco para o suicídio. O Setembro Amarelo é o mês dedicado à conscientização e à prevenção ao suicídio, um complexo e grave problema de saúde pública, com inúmeros tabus que podem ser encontrados desde a época de Platão e que se perpetuam até os dias atuais, sendo um dos maiores impedimentos ao tratar o tema abertamente.

O ato da escuta deve ocorrer de forma profunda, com a compreensão da situação e do sentimento que a pessoa está vivendo. No filme, Parvaneh (Bahar Pars) assume esse papel para Ove, não apenas escutando suas aflições e história de vida, mas o envolvendo em ações, devolvendo o sentimento de pertencimento a ele.

Como (futuros) psicólogos, precisamos compreender que a escuta requer treino e a empatia se torna ineficaz quando tentamos adivinhar o que o outro sente. Frases muito comuns surgem ao escutarmos o outro, como “eu sei o que você está passando”, “eu também já passei por isso”. Embora estejamos ofertando uma intenção empática, não devemos deixar de nos questionar se não há uma competição pela dor ou emoção do outro, desviando a atenção para a nossa história no lugar de nos interessar pela história do outro. Por isso escutar exige treino, é um constante exercício de presença e atenção plena, além de pôr em prática a ação de humanização, de tornar humano, amigável, acolhedor e respeitador nas relações, escutas e histórias.

Além da escuta, profissionais que lidam com essa demanda precisam ser capazes de avaliar a gravidade da situação e seus riscos, com planos de segurança com o paciente, envolvendo estratégias de enfrentamento, estabelecimento de redes de apoio e o acesso a serviços de saúde mental, além de se manterem atualizados com as abordagens recomendadas.

Sinais

Agora que já compreendemos um pouco sobre as habilidades necessárias ao terapeuta, precisamos voltar nosso olhar para o comportamento suicida. No filme, Ove claramente é um senhor sem estímulo ou esperança, com um luto recente, isolamento e de pouca ou nenhuma rede de apoio. Na vida real, precisamos estar atentos a esses e inúmeros outros sinais. O comportamento suicida tem suas características, como ideias passivas de morte (relacionadas à vontade de morrer, mas não de tirar a própria vida), ideias de suicídios (com planos), pesquisa de poder letal e até providências pós-morte.

Já a ideação suicida tem duas categorias, que precisam de constante atenção da rede de apoio e profissionais de saúde: a egodistônica e a egossintônica. A primeira é quando os pensamentos suicidas causam desconforto, fazendo o indivíduo resistir a eles. Já na segunda, o paciente passa a ver essa como a única solução para o alívio do sofrimento (que é o caso do personagem no filme). Quando falamos de suicídio e ideação, falamos de crenças distorcidas e/ou falta de repertório de habilidades, não buscando os recursos para enfrentar os problemas, aumentar esperança, diminuir o isolamento e estresse, bem como trabalhar o controle de impulsos.

Terapia

As abordagens recomendadas para o manejo com pacientes suicidas são a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia comportamental dialética (DBT). A TCC por ser uma abordagem centrada no presente, envolvendo os aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais e ambientais como contribuintes para a redução da ideação e tentativa, além de ser a abordagem criada a partir das insatisfações sobre as teorias da época sobre a depressão.

Já a DBT oferece um leque de recursos e técnicas para o trabalho com emoções intensas, visando diminuir a intensidade e trabalhar a regulação, que inicialmente foi desenvolvida para o tratamento de mulheres suicidas, tendo grande eficácia na redução de comportamentos de risco à vida. A DBT trabalha com contratos terapêuticos, rede de apoio, treino do foco atencional para o momento presente e disponibilidade para contato fora do setting terapêutico com planos de segurança e suas aplicações.

Para que você não fique perdido ao receber um paciente com ideação suicida, ligue-se nestas recomendações de livros da Sinopsys Editora: Suicídio – um problema de todos: como aumentar a consciência pública na prevenção e na posvenção; Suicídio na infância e na adolescência; Educação para a morte: quebrando paradigmas. Outro recurso disponível é o Baralho para avaliação e intervenção do comportamento suicida.