Lamentavelmente, vejo alguns pais responsabilizando a escola pela prática de bullying dos seus filhos.
Todos sabem que sou defensor da ideia de ser a escola responsável pelo processo de humanização, a escola é um excelente local para trabalhar valores humanos e virtudes.
Porém, transferir essa responsabilidade da educação para as instituições de ensino, como se somente ela fosse a responsável pela formação humana, é um descabimento fora do comum.
Não acredito ser a hora de procurar culpados, o momento é de ter serenidade e encontrar uma solução que seja capaz de trazer a paz, capaz de recompor a ordem perdida.
Postura equivocada
O fato é que os pais estão cada dia mais distantes dessa tarefa de formação humana. Por alguma razão inexplicável, decidiram ser “amigos” de seus filhos. Essa postura, equivocada e perigosa, pode ser vista em diversos contextos.
Costumo dizer que pai é pai. Ser pai é muito mais que ser amigo. Pai em momento algum deve ser conivente com atitudes erradas dos filhos.
Agir como um amigo é retirar da criança ou do adolescente o direito de ser humanizado; é roubar a possibilidade de crescer com bases sólidas em valores e virtudes.
Pais preocupados com a formação moral e ética dos filhos não se prestam a papeis de amiguinhos, encobrindo os erros de seus filhos. Dizem “não” sem medo de serem acusados de desamor. Não negociam afeto por educação.
Mal-estar posto
Quantas vezes presenciei uma mesma cena na escola. Eu era responsável pelo projeto “ Educação para paz”, dividia a mesma sala com a coordenadora do ensino fundamental. Por diversas vezes vi pais chegarem com seus filhos, imbuídos de suas dores, e ameaçarem a escola e os professores.
A cena beirava ao ridículo e num primeiro momento faziam ameaças em nome de seus filhos, condenando o fato que os tinha levado até aquele local, geralmente relato feito pelos seus filhos, e, depois de ouvir tudo, a coordenadora se explicava: “ meu senhor, não foi bem isso que aconteceu”, “ na verdade o que aconteceu foi …”.
Após ouvir a versão da coordenadora, os pais não sabiam o que dizer, era o mal-estar posto. Essa história se repetiu tantas vezes que perdi a conta. Um simples fato que parece inocente traz consequências gravíssimas. Primeiro, porque o pai que escuta seu filho se queixar da escola, e não procura a mesma para escutar a sua versão e parte junto ao filho em ataque à escola, está, de certa forma, enviando uma mensagem subliminar para seu filho: “ escolhi qualquer escola para você, por isso estou indo lá “.
Se os pais dissessem ao seu filho que iriam saber da escola o que ocorreu, podendo assim evitar até a ida à escola, enviariam outra mensagem subliminar a seus filhos: “ não escolhi qualquer escola para você, eu confio na escola”. Infelizmente, muitas vezes, quem desqualifica a escola não são os alunos, mas os próprios pais.
Humanização e amadurecimento
Nosso momento é muito delicado, como se não bastassem os pais que não fazem seu papel de educadores, há adultos desesperados para se parecerem jovens.
A busca da “juventude eterna” em nada ajuda no processo de humanização, amadurecimento e maturidade. Penso estar a criança e o adolescente assustados com essa” juventude a todo custo”. Envelhecer deve ser trágico aos olhos do adolescente.
Talvez isso explique o número enorme de adolescentes “presos” à adolescência, imaturos e perdidos. Envelhecer não pode ser bom quando tantos adultos lutam para se manterem jovens. Há algo no silêncio insistindo para que eles permaneçam onde estão. E nesse desentendimento o adulto se vê numa relação igualitária com o jovem muito arriscada.
Por momentos vejo pais querendo ser filhos, mães que se vestem como adolescentes, e nessa corrida desenfreada e sem lógica não se sabe mais hierarquicamente quem é pai e quem é filho.
Vivemos num tempo em que falar de hierarquia virou um sério problema. Vejo crianças se dirigirem a adultos e idosos de maneira desavisada e pouco educada. Até mesmo na relação pai e filho perdeu-se a hierarquia, renega-se o respeito.
Hierarquia esteja presente
Não vejo problema na hierarquia, pelo contrário, ela nos dignifica, não se chega à maturidade sem luta e investimento. Visto assim é saudável que a hierarquia esteja presente. Insisto nisso pois acredito ser necessário deixar claro para criança o caminho a ser percorrido para se tornar um adulto saudável.
Não confundam isso com respeito. Todos, indiferente de nossas idades merecemos respeito. São coisas distintas. Até na relação de trabalho estamos tendo problemas com a hierarquia.
Mas vou me ater à escola e à família, nosso esforço é no sentido de criar uma aliança entre essas duas instituições. Não há como fazer vista grossa aos problemas que enfrentamos com o processo de “desumanização” da sociedade. Impossível ser negligente com o que ocorre entre a família e a escola.
Pensando na delegação de responsabilidades à escola pelos pais, penso ser oportuno lembrar que há poucos anos a escola era uma extensão da casa no quesito autoridade. Aí de nós se faltássemos com respeito aos nossos professores. Nossos pais nos deixavam bem claro ser a escola autorizada a trabalhar no sentido de nos formar cidadãos.
A questão do bullying
Hoje, infelizmente, alguns pais bradam com a escola como se essa fosse a inimiga número um da família. Não fazem seu papel e não deixam que a escola assuma o papel de formadora de valores humanos. É urgente uma mudança de atitude por parte dos pais em relação à escola. Não é justo fazer dela uma vilã. Reconheço que algumas instituições deixam a desejar, sendo omissas na construção da cidadania, investindo pouco em valores humanos, e algumas até dificultam esse trabalho por parte dos professores dispostos a intervir.
A questão do bullying é responsabilidade dos pais e da escola. Se ambos trabalhassem no sentido de formação de virtudes, de valores e ética, não haveria situações como essa com tanta frequência como existe hoje.
Nossas virtudes são aprendidas; se não a ensinamos, toda a formação humana fica comprometida. Com algumas exceções, as práticas de bullying são fruto de crianças que por sua vez foram vítimas também, senão de ameaças e práticas de bullying, foram vítimas do descaso de adultos em lhes ensinar o caminho justo, o caminho da ética, do respeito pelo outro.
A escola e a família têm muito o que aprender uma com a outra
Estamos colhendo o fruto do afrouxamento da conduta digna, da negligência de pais e educadores que preferem “ficar bem na fita” a fazerem seu papel de educadores.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais está claro que as “ disciplinas devem funcionar como ferramentas para se atingir a cidadania”. O alvo, digamos assim, é a cidadania. As disciplinas são meras ferramentas para se atingir algo muito mais nobre: a humanização.
Precisamos recuperar a credibilidade da escola, urgente acreditar ser possível inverter essa avalanche de corrupção que tomou conta da nossa sociedade.
Há pessoas ansiosas por fazer da escola esse lugar formador de cidadãos dignos e éticos. Contudo é preciso que esse laço entre família e escola seja suficientemente estreito. A escola e a família têm muito o que aprender uma com a outra, e isso não está claro para ambas.