Um tema em alta na atualidade no Brasil é a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) – Disposições gerais e gerenciamento de riscos ocupacionais –, que é a base do Sistema de Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério do Trabalho. Em sua versão atualizada, um dos pontos de destaque é a inclusão dos riscos psicossociais como fatores a serem gerenciados pelas empresas. Esse avanço reconhece que os perigos à saúde do trabalhador vão além dos acidentes físicos ou exposição a agentes químicos e biológicos. Agora, estresse, ansiedade, assédio e pressão por metas excessivas também entram no radar da prevenção.

Nesta entrevista, o tema é aprofundado pelo psicanalista clínico Roberto Lucena, formado pelo Centro de Formação em Psicanálise Clínica Wilson Cerqueira, pós-graduado em psicanálise pela FAATESP Campinas e especializado em atendimento com uso do método ADI (hipnose). Ele também é bacharel em direito pelo FMU Centro Universitário e tem mais de 30 anos de experiência como empresário no Brasil e nos Estados Unidos.

Durante sua trajetória empresarial, sempre esteve envolvido em projetos de relevância social, o que o motivou a idealizar o Instituto Suavemente, que atua com empresas e seus funcionários no sentido de dar suporte psicológico à crescente demanda dos aspectos emocionais. Ele e sua equipe desenvolveram uma inteligência artificial de anamnese emocional chamada Sábio. Trata-se de uma plataforma de inteligência emocional que mapeia níveis de burnout.

Qual a importância da nova NR 1 e como contribuirá para prevenção e combate de doenças psicossociais relacionadas ao trabalho?

A revisão da NR 1 marca um avanço histórico na valorização da saúde emocional nas organizações. Pela primeira vez, os riscos psicossociais – como sobrecarga, assédio, metas abusivas e sofrimento mental – passam a ter tratamento obrigatório e estruturado nas empresas.

Com isso, o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) se torna ferramenta estratégica para mapear, avaliar e controlar não apenas riscos físicos e ergonômicos (como já exigido pelas normas regulamentadoras 15 e 17), mas também os fatores emocionais e subjetivos que adoecem trabalhadores.

A NR 1 atualizada entrou em vigor em 26 de maio de 2025 com caráter educativo. A aplicação obrigatória com penalidades entra em vigor em 26 de maio de 2026, com multas significativas para empresas que não se adequarem.

Há dados atualizados sobre síndrome de burnout no Brasil?

Sim. Os números são alarmantes.

            •          Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), transtornos emocionais já causam uma perda global de 1 trilhão de dólares por ano em produtividade.

            •          No Brasil, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou quase 600 mil afastamentos por transtornos mentais em 2023.

            •          O uso de antidepressivos e ansiolíticos ultrapassou 8 bilhões de reais nos últimos cinco anos.

            •          A procura por atendimento psiquiátrico aumentou 40% desde 2020, sobrecarregando o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos privados.

            •          Processos trabalhistas envolvendo síndrome de burnout cresceram 14,5% no primeiro quadrimestre de 2025 se comparados ao mesmo período de 2024 (5.248 contra 4.585 casos).

Quais são os principais sintomas de burnout?

Conforme o Ministério da Saúde e nossa vivência clínica:

            •          Cansaço físico e mental extremo.

            •          Dificuldade de concentração e produtividade.

            •          Sentimento de fracasso, desvalorização e crenças limitantes.

            •          Sintomas emocionais ocultos: mágoas, culpas, pânico, angústia, depressão, ideação suicida.

            •          Desamparo afetivo, luto e rupturas relacionais.

            •          Manifestações orgânicas diversas.

            •          Uso excessivo de tabaco, álcool, drogas ou vícios comportamentais (como jogos).

Quais as principais causas já reconhecidas?

A NR 1 e a prática clínica apontam:

            •          Ambientes tóxicos e lideranças disfuncionais.

            •          Jornadas excessivas e metas inatingíveis.

            •          Assédio moral e/ou sexual.

            •          Falta de autonomia, reconhecimento e suporte.

            •          Conflitos de gênero, interpessoais e mudanças frequentes na dinâmica organizacional.

Fale sobre o novo projeto do Instituto Suavemente com inteligência artificial para detecção de burnout nas empresas.

O Instituto Suavemente nasceu com o propósito de atuar onde mais sofremos: no campo invisível da saúde emocional corporativa. Com um time de especialistas altamente qualificados – tanto academicamente quanto em escuta clínica profunda – desenvolvemos uma IA de anamnese emocional chamada Sábio. Trata-se de uma plataforma de inteligência emocional que mapeia níveis de burnout, ajudando gestores e RH a agirem com consciência, ciência e compaixão. Está disponível desde 17 de julho, inicialmente para empresas, com expansão futura para o público em geral.

Como funciona?

            •          Antes da contratação: avalia o nível de risco do candidato.

            •          Após contratado: monitora continuamente o colaborador com questionários a cada três meses.

            •          Gera relatórios por departamento, níveis de risco, escore emocional médio, taxa de participação e mapa analítico.

            •          Inclui relatório jurídico para embasar decisões e evitar afastamentos fraudulentos.

Com os dados coletados, um profissional do Instituto Suavemente é designado para atender o colaborador de forma personalizada, com sessões terapêuticas, escuta qualificada e acolhimento. Além disso, são feitas rodas de escuta, lives e palestras para promover introspecção, mudanças de percepção e fortalecimento das relações no trabalho, na família e na vida.

Como o Sábio beneficia os trabalhadores?

Quando o colaborador percebe que a empresa se importa genuinamente com seu bem-estar, ele se reconecta com a própria autoestima, com sua energia vital (libido psíquica) e retoma a autonomia emocional. Isso impacta não apenas a produtividade, mas a qualidade de vida dentro e fora do ambiente corporativo.

E como beneficia as empresas?

Investir no Instituto Suavemente não é custo – é estratégia. Cada colaborador afastado gera despesas elevadas à empresa e ao estado. Em entrevista recente no nosso podcast com as sócias do escritório Miguel Martins Advogados, foi revelado que 30% dos pedidos de afastamento são considerados fraudulentos. Com o relatório individual do Sábio, as empresas terão, pela primeira vez, um dado objetivo sobre o estado emocional do colaborador, podendo contestar afastamentos indevidos e promover ações de prevenção baseadas em dados reais.

Quais medidas para evitar burnout devem ser tomadas por empresas e funcionários?

Empresas:

            •          Implantar o Sábio, com reavaliações trimestrais.

            •          Capacitar líderes com terapeutas especialistas.

            •          Estabelecer metas humanizadas e equilibrar jornadas.

            •          Oferecer suporte terapêutico contínuo.

            •          Fortalecer canais de escuta, ética e segurança emocional.

Colaboradores:

            •          Buscar ajuda ao perceber sinais de alerta.

            •          Estabelecer limites saudáveis.

            •          Investir em autocuidado (sono, esporte, lazer, exposição ao sol).

            •          Desenvolver um olhar mais amoroso para si mesmo, pois você merece.

Como psicanalista, sei que ninguém adoece emocionalmente por um único fator. O burnout é sempre fruto de uma sobredeterminação de conflitos, que se somam até que o sujeito perde a capacidade psíquica de resiliência. Por isso, a prevenção deve ser integrada, afetiva e contínua.