Tenho certeza de que você já ouviu falar em ‘Carrie, a estranha’ (1976). Talvez não tenha visto ou não seja o seu estilo de filme preferido, mas tenho certeza de que você já ouviu falar do filme e da personagem. Para fins de contextualização, Carrie White (Sissy Spacek) é uma adolescente que descobre ter poderes telecinéticos que se manifestam em momentos de opressão e violência (ou seja, o tempo todo nessa história).
Durante os primeiros minutos do filme, ficamos cientes de que Carrie está inserida em um contexto escolar difícil para qualquer adolescente, sendo alvo de bullying constante, além de viver em um ambiente hostil em casa, onde é privada do convívio social e sofre inúmeros abusos psicológicos, se tornando uma menina tímida, retida e (como diz o título) estranha.
Ao longo da trama, somos apresentados a inúmeras cenas de bullying, chacota e opressão envolvendo a protagonista, que demonstra dor, apreensão e pânico em diversos momentos, com uma ambientação claustrofóbica, remetendo aos sentimentos da jovem.
Apesar de se transformar em uma força destrutiva, Carrie não era um monstro. Ao longo de sua história, acompanhamos uma jovem solitária, triste, tímida e sem a mínima autoconfiança, com necessidade de apoio e amor. Todo o contexto e a repressão de emoções, juntamente com o abuso que sofreu, fez com que ela se tornasse uma força movida por ódio e vingança.
Mas o que podemos aprender do ponto de vista da psicologia? Carrie pode ser entendida como uma jovem que reprime seus sentimentos e emoções em um ambiente hostil e perverso que não a permite sentir verdadeiramente o que é intrínseco do ser humano, as emoções. Existe um grande perigo dessas emoções não verbalizadas, especialmente quando são emoções de raiva, angústia e fúria como as que a protagonista reprime.
Crenças internalizadas
Em vez de reconhecer, processar e lidar de maneira saudável com essas emoções, ao reprimi-las, se opta por escondê-las, muitas vezes devido a crenças internalizadas sobre o que é aceitável ou apropriado sentir e demonstrar, ou como defesa diante de situações que são percebidas como ameaçadoras ou desafiadoras.
Embora tenhamos o controle sobre como iremos reagir aos nossos sentimentos, não temos controle sobre eles. Essa repressão pode ocorrer devido ao crescimento em um ambiente onde há pouco ou nenhum espaço para vivenciar e expressar emoções (como a casa de Carrie), invalidando, mesmo que de maneira não intencional, nossas emoções negativas.
Quando crianças, internalizamos as mensagens que ouvimos e aprendemos que ter emoções negativas e reconhecê-las não é uma coisa boa. Além disso, não ter alguém que nos mostre como expressar e lidar com as emoções pode levar ao desenvolvimento de estratégias de enfrentamento que se concentram em evitar e inibir emoções tidas como negativas.
As experiências traumáticas da infância também podem resultar em repressão emocional. Uma criança cujas necessidades foram ignoradas, invalidadas ou negligenciadas, ou que foi criticada ou punida por exibir e expressar sentimentos, pode ter maior probabilidade de reprimir suas emoções quando adulta. Temos esse exemplo observando a relação de Carrie e sua mãe, em um ambiente onde a protagonista era constantemente criticada, que deveria ser seu local seguro, não suprindo suas necessidades.
Equilíbrio emocional
A compreensão das emoções como parte de quem somos resulta em equilíbrio emocional, autoconhecimento e maior facilidade para lidar com as situações. Quando não conseguimos nos ver como um todo, pode-se ter uma visão irreal de si mesmo, prejudicando a capacidade de pedir ajuda, resultando no acúmulo de emoções, o que pode levar ao estresse, à ansiedade e à depressão.
Na ficção, esse acumulo resultou na perda de controle sob seus poderes psíquicos, levando a escola e a cidade a uma cena de massacre movida por pura vingança cega. Na vida real, ninguém despertará poderes psíquicos, mas sim transtornos que fogem de nosso controle, prejudicando significamente a vida do indivíduo e daqueles que o cercam.
Compreende-se que reprimir as emoções possa ser uma maneira de não lidar com a vulnerabilidade ou de buscar uma falsa sensação de controle e segurança emocional, porém, como você viu, os malefícios superam os falsos benefícios. Com os avanços da psicologia, temos diversas ferramentas para lidar de maneira saudável com as emoções, como práticas de mindfulness, a Agenda em terapia do esquema: meu guia de autoconhecimento, atividade física e diário das emoções.
Como (futuros) psicólogos, podemos auxiliar na psicoeducação e compreensão das emoções, bem como no manejo delas e na busca da regulação emocional, proporcionando melhora na qualidade de vida dos indivíduos. Para ajudar nesse processo, conheça os livros Psicoeducação em terapia cognitivo-comportamental e Clínica das emoções: teoria e prática da terapia focada nas emoções, ambos da Sinopsys Editora, lembrando que estudantes de graduação em psicologia tem 50% de desconto.