O instrumento central da pesquisa foi um questionário auto – aplicado contendo questões objetivas e subjetivas, com 120 perguntas. O estado de saúde mental foi avaliado através da inclusão dos ítens do SRQ-20 (Self-Report Questionnaire).

Os testes estatísticos utilizados foram : Cochran Armitage, qui-quadrado e t-student. Os principais resultados foram: apenas os trabalhadores de telecomunicações e processamento de dados (TELEPROCESS), trabalhavam, em sua maioria, no horário de turnos. A grande maioria dos trabalhadores de todas as profissões referiam realizar horas-extra, com exceção dos trabalhadores de TELEPROCESS (33,33%).

A maioria dos trabalhadores de todos os setores, com exceção do setor TELEPROCESS, queixou-se de pressão por parte das chefias. A percentagem de positividade do SRQ-20 foi de aproximadamente 90% – não houve diferença estatisticamente significante em relação às profissões. O estudo concluiu que o adoecimento por LER interfere nos níveis de sofrimento mental , aumentando-o homogeneamente entre as diferentes profissões.

impacto no mundo do trabalho

Para se entender as mudanças que se processam no mundo do trabalho há que se pensar a atendências da economia caracterizada pela chamada globalização, com reestruturação e intensa competição entre empresas, terceirização com precarização do trabalho e a ofensiva contra direitos históricos conquistados pelos trabalhadores, em nome da flexibilização.

Na tentativa de avaliar o impacto das mudanças no mundo do trabalho sobre a saúde dos trabalhadores, alguns estudos têm partido do conjunto corpomente, buscando entender como se relacionam as lesões físicas e o sofrimento mental.

BORGES (1999), estudando as relações entre trabalho bancário e adoecimento físico e mental, destaca a presença e associação entre distúrbios psicoemocionais e osteomusculares. Os primeiros estariam associados, em seu estudo, a fatores da organização do trabalho, tais como: sobrecarga de trabalho, controle de chefia e sentimentos de desvalorização.

Indicador precoce das LER

Analisando a diferença dos índices da freqüência de distúrbios mentais menores, que foram maiores, com o de LER, BORGES(1999) levanta duas possibilidades: a primeira, que o sofrimento psíquico poderia ser indicador precoce das LER; e a segunda, que nem todo sofrimento psíquico estaria relacionado às LER e, na ausência de algumas condições de sobrecarga osteomuscular, encontraria outra forma de expressão mórbida.

No que se refere ao atendimento clínico no ambulatório de Saúde Mental do CRST André Gabois, ROCHA e cols (2001) mencionam a presença de trabalhadores com LER/DORT e quadros de depressão, entre os pacientes que procuraram o Serviço.

Em publicação do Ministério da Saúde (2001), embora seja feita a ressalva de que não se pode generalizar a indicação de psicoterapia para todos os portadores de LER, já que a indicação deverá ser feita a partir da avaliação de cada caso em particular e do desejo de cada um, a observação feita é que “em algum momento da evolução de LER/DORT, o paciente tem necessidade de apoio psicológico por parte de um profissional”, segundo a experiência dos autores.

A experiência de dois anos de atendimento de portadores de LER em um trabalho de psicoterapia de grupo possibilitou que os pesquisadores observassem a importância de alguns fatores na determinação das LER, especialmente a pressão por parte das chefias, levando a uma tensão emocional claramente relacionada ao adoecimento; por outro lado, o sofrimento mental acarretado pela presença do adoecimento tem estado presente durante todo o período de atendimento, o que coloca a necessidade de reflexão sobre dificuldades e possibilidades no redirecionamento da vida, buscando-se alternativas para a realidade limitante das LER (CHAVES, 2002).

Intensidade deste sofrimento

O sofrimento mental vem sendo estudado em “trabalhadores sadios” de diversas categorias, tais como bancários, telecomunicações, processamento de dados, siderúrgicos e muitas outras (BORGES, 1990; BORGES, 1999; CHAVES e cols, 1998; FERNANDES, 1992; JARDIM, 1994; PITTA, 1990; SILVA FILHO e cols, 1993). Nestes estudos citados, o instrumento utilizado como indicador de distúrbios mentais menores foi o SRQ-20, cujos índices variaram de 20 a 37,7% de positividade.

No presente estudo, pretendemos conhecer em que magnitude ocorre o sofrimento mental em portadores de LER e se há variações de intensidade deste sofrimento de acordo com as diversas profissões estudadas.

Materiais e métodos

Foi desenvolvido um estudo epidemiológico descritivo (corte transversal). A população de estudo constituiu-se, inicialmente, de 105 portadores de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho que frequentaram as reuniões mensais da Comissão Intersindical de LER/DORT no CESAT(Centro de Estudos da Saúde dos Trabalhadores), no período de julho a setembro de 1999. Os trabalhadores pertenciam às categorias de bancários, comerciários, processamento de dados, telecomunicações e outras. Um participante da pesquisa foi excluído, pois omitiu a informação sobre a que categoria pertencia.

O instrumento central da pesquisa foi um questionário auto- aplicado, contendo questões objetivas e subjetivas, com 120 perguntas. O estado de saúde mental foi avaliado através do SRQ-20 (Self-Report Questionnaire). Este questionário, contendo 20 questões, foi desenvolvido pela OMS com o objetivo de rastrear distúrbios psiquiátricos menores, na população que se dirigia a instituições de cuidados primários de saúde, em países em desenvolvimento (MARI & WILLIAMS, 1986). O SRQ-20 foi considerado positivo com um ponto de corte de 8 para mulheres e 6 para homens.

Houve, inicialmente, um estudo piloto, que favoreceu a escolha da população de estudo definitiva. Toda a equipe foi treinada para a coleta de dados. Durante a coleta, houve reuniões semanais para discussão das dúvidas.

Os testes estatísticos utilizados foram : Cochran-Armitasge, Qui-quadrado e t -Student .

Resultados apresentados

A média de idade dos trabalhadores foi de 41 anos, aproximadamente. Cerca de 87% da população eram mulheres e 12,4%, homens. Uma pessoa não informou o sexo.

Em resultados referentes a estudos com “trabalhadores sadios”, foram encontradas as seguintes frequências de SRQ+ : entre dois grupos de bancários, 25% e 23,6% (SILVA FILHO e cols, 1993); em um prédio de um banco estatal, 20,6% (CHAVES e cols ,1998); 37.7% entre caixas de um banco estatal (BORGES, 1999); entre trabalhadores de processamento de dados de três empresas distintas, uma variação de 20 a 24% (FERNANDES, 1992); 19,4% entre trabalhadores siderúrgicos (BORGES, 1990); em estudo conduzido por Jardim (1994) com condutores de metrô, 25,8%, e, dentre trabalhadores de instituições hospitalares ,20,8% (PITTA, 1990).

Necessidade de cuidado

O primeiro ponto que chama a atenção são os elevados índices de SRQ-20+ que foram encontrados nesta população, demonstrando uma situação de sofrimento mental generalizada. Quando comparamos os nossos resultados com aqueles de outros estudos realizados com “trabalhadores-sadios”, percebemos a imensa distância entre eles. Nos estudos com “trabalhadores sadios”, os índices de SRQ+ variaram de 20% a 37,7%, enquanto que o índice geral de SRQ+ nas diversas profissões estudadas foi de 90%. Cremos que essa diferença deve-se ao fato de tratar-se de uma população enferma, o que interfere no nível de sofrimento mental.

Apesar das diferenças encontradas entre as profissões referentes a alguns fatores da organização do trabalho, não houve diferença, estatisticamente, significante, entre os índices de SRQ+ . Esta homogeneidade nos índices das profissões estudadas reforça a idéia de que os valores elevados devem-se mais à condição do adoecimento do que à diversidade das condições de trabalho nas categorias estudadas, apontando para uma forte associação entre LER e sofrimento mental. A doença chegou para todos e com ela o sofrimento mental. O que os iguala é a condição limitante do adoecimento , que traz consigo, repercussões sérias sobre o estado emocional e psíquico dos trabalhadores. O estudo de corte transversal aponta para uma associação, mas não permite aprofundar questões sobre causalidade.

A análise inicial das perguntas subjetivas do estudo geral, apresentada em eventos por Chaves (2000;2001), indica a percepção unânime dos participantes do estudo de que o adoecimento por LER repercutiria sobre o estado psíquico, e a percepção da maioria dos trabalhadores, de que o trabalho seria desencadeador de sofrimento mental e este, por sua vez, favoreceria o adoecimento por LER. Ou seja, formas de organização do trabalho autoritárias e exigentes com a produção favorecem, tanto o sofrimento psíquico, como a ocorrência de distúrbios osteomusculares. Como refere Borges (1999), as “LER podem ser entendidas como a expressão patológica em nível físico e psíquico do conflito na organização do trabalho”.

Os resultados elevados da frequência do SRQ-20+ neste estudo são alarmantes e chamam a atenção para a necessidade de uma atuação conjunta na prevenção de agravos à saúde do trabalhador, visando à proteção, tanto da saúde física, como da saúde mental.

REFERÊNCIAS
BORGES, L.H. Transtornos mentais entre trabalhadores de uma usina siderúrgica.Săo Paulo, 1990. (Dissertaçăo de Mestrado, Faculdade de Medicina da Universidade de Săo Paulo).
BORGES, L. H. Sociabilidade, Sofrimento Psíquico e Lesőes por Esforços Repetitivos em processos de trabalho repetitivos: estudo de caixas bancários.Rio de Janeiro, 1999. (Tese de Doutoramento, Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
CHAVES, M. E. C. e cols. Organizaçăo do trabalho e saúde de bancários -Salvador, Bahia. – Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 25(93/94) : 39 – 56, 1998.
CHAVES, M. E. C. e cols. Trabajo, L.E.R. y sufrimiento mental : el dolor del proceso del padecimiento en los datos objetivos y en la palabra del trabajador. Trabalho apresentado na III Conferencia Internacional de Psicologia de la Salud em Havana, Cuba, 27/ 11 a 01/12/2000, e no ler. Congreso Latinoamericano de Psicologia de la Salud em Veracruz, México, 21 a 26/ 05/2001.
CHAVES, M. E. C. “Psicoterapia em Grupo com portadores de LER”. Relatório Parcial. FUNDACENTRO/BA, fev. 2002. 9 p.(mimeo) .
CHAVES, M. E. C. e cols. “Organizaçăo do Trabalho e efeitos sobre a saúde de trabalhadores : L.E.R. e sofrimento mental”. ( Revista Brasileira de Saúde Ocupacional – no prelo).
FERNANDES, S. R. P. Trabalhoinformatizado e distúrbios psico -emocionais – estudo seccional entre tręs empresas de processamento de dados em Salvador-Bahia.Salvador, 1992. (Dissertaçăo de Mestrado, Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia).
JARDIM, S.R. Processo de trabalho e sofrimento psíquico: o caso dos pilotos do Metrô carioca.Rio de Janeiro, 1994. (Tese de Doutoramento, Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
MARI, J.J. e WILLIAMS, P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ) in primary care in the city of Săo Paulo. British Journal of Psychiatric, 148:23-326, 1986.
MINISTÉRIO DA SAÚDE – LER/DORT : Dilemas, Polęmicas e Dúvidas – Série A. Normas e Manuais Técnicos, n. 104. Brasília, 2001. 23 p.
PITTA, A. M. F. Trabalho hospitalar e sofrimento psíquico.Săo Paulo, 1989. (Tese de Doutoramento, Faculdade de Medicina da Universidade de Săo Paulo) .
ROCHA,L.E.; BATISTA, M.L.; MENDONÇA, M.G.V. Saúde Mental e Trabalho : Contribuiçăo para o Reconhecimento da Relaçăo entre Situaçăo de Trabalho e Distúrbios Psíquicos. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 26(99/100): 81 – 98, 2001.
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Fonte: SciELO – Scientific Electronic Library Online