Do ponto de vista psicanalítico, os bebês reborn podem funcionar como objetos transicionais para sujeitos em sofrimento psíquico, especialmente em situações de perda, luto ou solidão profunda. Contudo, o risco surge quando esse objeto transicional se fixa como defesa rígida contra a castração, impedindo o sujeito de elaborar a perda e de simbolizar o luto. Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pelo psicanalista clínico e infantil Richard Stefanini Munhoz.

Ele é especialista em análise e interpretação do desenho, psicopedagogo, neuropsicopedagogo, mestre e doutor em ciências médicas; CEO da Clínica Alpha – Centro Psicoterapêutico; CEO, diretor e professor da Escola Brasileira de Psicanálise Freudiana (EBPF) e do Núcleo de Estudos e Desenvolvimento (NED). Também é coautor do livro Análise e interpretação dos desenhos: utilização dos testes projetivos nas clínicas psicanalítica e psicopedagógica (Wak Editora).

Por que, como e onde teve início a “febre” dos bebês reborn?

A “febre” dos bebês reborn tem origem nos Estados Unidos no final dos anos 1990, mas ganha força global, especialmente na América Latina, a partir dos anos 2000 e explode após a pandemia da covid-19. À luz da psicanálise, esse fenômeno pode ser compreendido como uma resposta ao aumento da solidão psíquica e à dificuldade crescente dos sujeitos contemporâneos em lidar com a perda, a frustração e a alteridade. Em tempos de vínculos líquidos e relações fragilizadas, o reborn oferece uma versão idealizada da maternidade: um bebê que nunca cresce, nunca contraria e nunca exige nada além da fantasia materna.

Freud, ao tratar do narcisismo primário e das formações substitutivas do luto (Introdução ao Narcisismo, 1914; Luto e Melancolia, 1917), já indicava que o sujeito tende a investir libidinalmente em objetos que preservem sua integridade narcísica. O bebê reborn, portanto, não é um simples brinquedo, mas um objeto de investimento psíquico que funciona como substituto simbólico de perdas reais – filhos ausentes, abortos, solidão afetiva. Na lógica contemporânea, marcada por um supereu hiperativo que exige felicidade e completude constante, o reborn cumpre a função de “preencher” o vazio com um simulacro de amor absoluto.

Melanie Klein aprofunda essa compreensão ao demonstrar que a posição depressiva exige a aceitação da perda do objeto amado. O reborn, no entanto, impede esse processo ao manter o objeto “presente”, ainda que morto em termos de alteridade e desejo. O sujeito, em vez de elaborar o luto e simbolizar a perda, cristaliza uma fantasia de reedição do vínculo original com um bebê que é, no fundo, a encarnação perfeita de um “objeto bom ideal”. Trata-se de um movimento defensivo contra a dor psíquica – uma recusa da castração simbólica.

Nesse sentido, o que vivemos hoje não é apenas a moda de um nicho, mas o sintoma de uma cultura marcada pela recusa da perda, pela estetização dos afetos e pela hiperidentificação com objetos ideais. O bebê reborn torna-se a metáfora trágica do nosso tempo: um amor sem sujeito, uma maternidade sem alteridade, uma fantasia sem fim – em que o outro real é excluído para que reste apenas o espelho narcísico do eu.

Por que essas bonecas levam esse nome?

O termo reborn significa renascido em inglês e seu uso no contexto dessas bonecas carrega uma carga simbólica potente quando analisado pela ótica da psicanálise. Na superfície, o nome remete ao realismo extremo: bonecas que parecem recém-nascidos “renascidos” artesanalmente. No entanto, sob o olhar psicanalítico, esse “renascimento” não diz respeito apenas ao objeto, mas à fantasia inconsciente de quem o adquire – um desejo de reviver, reparar ou substituir um vínculo primário rompido, ferido ou idealizado.

Segundo Freud, no processo de luto (Luto e Melancolia, 1917), o sujeito precisa renunciar ao objeto perdido para poder investir libido em novos objetos. Contudo, em tempos de intensificação da solidão, perdas traumáticas e precariedade dos laços afetivos, como os que vivemos após a pandemia, o sujeito recorre ao reborn como um mecanismo de negação da perda – o bebê “renascido” é uma forma inconsciente de rejeitar a morte psíquica do objeto. Assim, o nome reborn revela uma tentativa de congelar o tempo, evitar o trabalho de luto e manter o objeto eternamente presente.

Do ponto de vista kleiniano, o reborn funciona como um objeto onipotente: uma forma de reedição do seio bom, totalmente disponível e sem ambivalência. A ideia de “renascer” é, portanto, menos sobre o bebê e mais sobre a mãe ou cuidadora: trata-se de renascer como uma mãe ideal, numa cena em que não há falha, frustração ou rejeição – apenas completude narcísica. O reborn é, nesse sentido, um artefato carregado de defesas contra a posição depressiva, funcionando como um antídoto à perda e à castração simbólica.

Portanto, o nome reborn não é apenas descritivo; ele encarna um sintoma cultural. Num tempo em que a morte, o luto e a frustração são evitados a todo custo, o sujeito contemporâneo tenta renascer suas fantasias, seus afetos não elaborados e seus vínculos perdidos por meio de um objeto que simula a vida sem jamais oferecer a alteridade do real. O reborn é, assim, o nome de uma ilusão: a de que é possível recomeçar sem perda, sem corte e sem falta.

Que benefícios psicológicos (e/ou outros) os bebês reborn podem trazer?

Do ponto de vista psicanalítico, os bebês reborn podem funcionar como objetos transicionais para sujeitos em sofrimento psíquico, especialmente em situações de perda, luto ou solidão profunda. Para algumas mulheres, especialmente aquelas que enfrentaram traumas como abortos espontâneos, infertilidade ou a morte de um filho, o reborn pode oferecer um suporte simbólico temporário, funcionando como uma forma de sublimação do desejo materno frustrado – uma tentativa inconsciente de reorganizar o investimento libidinal e aliviar o impacto do vazio psíquico. Nesse sentido, como defende Winnicott, objetos intermediários podem ter função estruturante se utilizados no contexto de elaboração e simbolização.

Contudo, o risco surge quando esse objeto transicional se fixa como defesa rígida contra a castração, impedindo o sujeito de elaborar a perda e de simbolizar o luto. Em vez de promover um trabalho psíquico, o reborn pode se tornar um objeto fetichizado, que mantém o sujeito aprisionado em uma ilusão de completude narcísica. Isso é particularmente grave no cenário atual, marcado por vínculos frágeis e intolerância à frustração. Assim, os benefícios só podem ser considerados tais se esse uso for transitório e elaborativo – e não uma negação permanente do real e da alteridade.

E quais os prejuízos?

Os prejuízos do uso dos bebês reborn, sob uma perspectiva psicanalítica, residem principalmente na fixação defensiva diante da perda, impedindo o sujeito de elaborar simbolicamente a ausência do objeto real. Ao investir libidinalmente em um objeto inanimado que simula um bebê ideal – sempre disponível, sem demandas, sem frustrações – o sujeito pode evitar o enfrentamento da castração simbólica e manter-se aprisionado em uma posição narcísica regressiva, em que a alteridade é abolida. Isso compromete o desenvolvimento psíquico e o processo de luto, transformando o reborn em um fetiche afetivo, que mascara o vazio, mas não o elabora.

Na clínica contemporânea, marcada pela intensificação do sofrimento psíquico pós-pandêmico, nota-se um crescimento de sujeitos que buscam relações afetivas sem risco, sem frustração e sem conflito, ou seja, relações com objetos “seguros”. O bebê reborn, nesse sentido, expressa a impossibilidade de sustentar o desejo diante da falta, funcionando como uma espécie de anestesia emocional que impede o contato com o real da dor. A fantasia da maternidade perfeita – encenada com esses bonecos – revela um desejo inconsciente de controle absoluto sobre o objeto de amor, impedindo qualquer movimento psíquico de troca, renúncia ou elaboração.

Além disso, do ponto de vista social e cultural, o uso indiscriminado desses objetos pode contribuir para o esvaziamento das relações humanas, substituindo vínculos reais por simulacros afetivos. Em um tempo em que a subjetividade já está fragilizada pela lógica do desempenho, do consumo e da hiperexposição, a busca por objetos que não nos confrontam com o desejo do outro revela uma patologia do vínculo, em que o sujeito se relaciona apenas com versões editadas e inofensivas do afeto. O prejuízo maior, portanto, é psíquico: a perda da capacidade de simbolizar a falta, sustentar o luto e desejar a partir do real.

Quais os transtornos mentais que podem apresentar adultos que têm bebês reborn?

Na perspectiva psicanalítica, não se deve fazer uma leitura reducionista ou patologizante direta entre o uso de bebês reborn e transtornos mentais. Contudo, é possível identificar que, em alguns casos, a fixação nesse objeto pode estar associada a organizações psíquicas marcadas por traumas não elaborados, lutos congelados ou déficits no processo de simbolização. Indivíduos que desenvolvem vínculos excessivamente intensos com esses bonecos podem estar expressando quadros subjacentes como depressões melancólicas, transtornos de luto complicado ou até funcionamentos borderline, em que há confusão entre realidade e fantasia e dificuldade de integração do objeto bom e mau.

Do ponto de vista freudiano, o uso excessivo e substitutivo do reborn pode indicar a permanência em um registro narcísico ou anal, em que o objeto é tratado como extensão do eu, negando a alteridade e a perda. Freud já advertia que, quando o luto não é adequadamente elaborado, pode dar lugar à melancolia, na qual o sujeito introjeta o objeto perdido e passa a se identificar com ele de forma destrutiva. O bebê reborn, nesse caso, pode funcionar como um substituto fetichizado para o objeto perdido, impedindo o sujeito de reinvestir sua libido em novas relações e perpetuando um estado de paralisia afetiva.

Melanie Klein, por sua vez, nos ajuda a compreender que o reborn pode ocupar o lugar de um objeto idealizado não integrado, sinalizando dificuldades em alcançar a posição depressiva – aquela em que o sujeito reconhece a ambivalência dos objetos e elabora sua perda. Quando o adulto permanece atado a um reborn como se fosse real, o que se evidencia não é afeto, mas uma incapacidade de simbolização da perda e do tempo, típica de quadros psicopatológicos marcados por regressão ou clivagens. Pode haver, ainda, elementos de transtornos dissociativos, especialmente quando o sujeito trata o objeto como plenamente vivo e interage com ele em detrimento de vínculos humanos.

Críticos contemporâneos, como Joel Birman e Christopher Bollas, têm apontado para o aumento da fragilidade psíquica na cultura atual, marcada pela desregulação do eu, intolerância à frustração e busca por vínculos sem alteridade. O apego excessivo ao reborn, nesse sentido, é menos um sintoma isolado e mais um indicador de sofrimento psíquico estrutural, que merece escuta, e não julgamento. A presença do reborn pode ser, inclusive, uma porta de entrada para a análise – desde que o analista esteja atento para não colapsar o sentido clínico da fantasia que se encena ali: o desejo de reverter a perda, anular o tempo e habitar um vínculo em que o outro jamais nos falhe.

De que forma é possível trabalhar tais transtornos sem o uso desses bebês?

O tratamento dos transtornos associados ao uso excessivo de bebês reborn deve partir, fundamentalmente, da escuta analítica da fantasia inconsciente que esse objeto encena. Na psicanálise, não se trata de suprimir o sintoma de imediato, mas de compreendê-lo como formação do inconsciente, como metáfora viva de uma perda não elaborada, de um luto congelado ou de um desejo reprimido. Por meio da transferência, é possível trabalhar o investimento libidinal que o sujeito faz no reborn e conduzi-lo, progressivamente, a uma simbolização mais ampla – em que o vínculo com o objeto real (o outro humano) possa ser recuperado e ressignificado.

Sem recorrer a esses objetos, o trabalho psicanalítico pode favorecer a elaboração do luto, ajudando o sujeito a atravessar a dor da perda e a reconhecer a alteridade dos vínculos. Isso exige tempo, acolhimento e uma escuta que suporte o desamparo – aquilo que o reborn tenta anestesiar. O analista, nesse processo, assume a função de um “objeto suficientemente bom” no sentido winnicottiano: alguém que não é perfeito, mas que sustenta a ausência, o silêncio e o corte, possibilitando ao paciente a reconstrução simbólica do seu mundo interno. A fantasia de “renascer” (reborn) precisa dar lugar à possibilidade de transformar – e não apenas repetir.

No contexto atual, em que a cultura do imediatismo e da evitação do sofrimento psíquico é dominante, o desafio é conduzir o sujeito à tolerância da frustração e à aceitação da falta como constitutiva da existência. A psicanálise oferece exatamente isso: um espaço em que o tempo, a linguagem e o desejo possam reorganizar aquilo que foi vivido de forma traumática. Em vez de um bebê artificial para preencher o vazio, o processo analítico propõe uma travessia – menos confortável, mas muito mais libertadora – rumo à subjetivação da perda e à reinvenção do desejo.