O processo do adoecer se dá de forma totalmente independente do nosso controle racional. Podemos definir como um “movimento ou concentração de energia difusa (conflitiva) psíquica”. Às vezes, nem temos a percepção destes conflitos de tão profundos ou primários que eles são.
Mas o que desencadearia a opção pela doença? São muitos os fatores que sugerem a necessidade do indivíduo de adoecer. Podemos começar pela análise básica de que a doença é uma válvula de escape dos conflitos intrapsíquicos e emocionais. Por mais organizado que seja nosso emocional – isto é, por mais equilíbrio que possamos ter – há um limite na resistência das tensões que, se não elaborado, é externalizado por meio da doença.
Quanto mais frágil emocionalmente formos, quanto mais inseguros, intranquilos ou mesmo com pouco autoconhecimento, maior a probabilidade de externalização desses conflitos internos em um órgão (físico). Sendo assim, os sintomas orgânicos são uma alternativa para externalizar o conflito ou a ameaça psíquica que a pessoa vive internamente. A falta de autoconhecimento, o fato de não se perceber e se “sentir”, são pontos de explosões das doenças físicas.
Emoções reprimidas
Um núcleo de entendimento da necessidade de adoecer também passa pela compreensão da incapacidade da pessoa em exprimir de forma adequada suas emoções, sentimentos e sensações, pois além das dificuldades do próprio indivíduo, há todo um processo de socialização para a não externalização das manifestações de afeto, emoções ou sofrimentos psíquicos. Muitas vezes, somos prisioneiros de nós mesmos, já que vivemos em uma sociedade que não acolhe a dor psíquica, pois ainda hoje, ela é vista como fraqueza, como coisa de “gente fraca”.
A própria dificuldade em se expressar já é resultado da internalização do processo de repressão. Sendo assim, impossibilitada de externalizar o sofrimento, a pessoa incorpora esse sentimento a algum órgão e faz do sofrimento físico uma tentativa de discurso para legitimar a possibilidade de atendimento de sua dor. O sujeito faz do corpo o veículo para externalizar seus sofrimentos.
Outro motivo para a necessidade de adoecer é o desejo de autopunição. São pessoas que, inconscientemente, sentem-se culpadas e merecedoras de castigo. Indivíduos que mantêm uma relação com o corpo de ambivalência entre amor e ódio. Podem até se preocupar com ele, mas no fundo mantém o desejo de puni-lo e, muitas vezes, de mutilá-lo. Geralmente, são pessoas que apresentam uma história de vida sofrida do ponto de vista emocional e afetivo. Sentem-se punidas por algo que fizeram (ou até deixaram de fazer e se culpam por isso), se consideram merecedoras do sofrimento vivido. Esta culpa, e a consequente autopunição, está relacionada ao fato de terem sobrevivido a tudo que passaram. Chega a ser assustador estarem bem. Geralmente, são pessoas que passaram por agressões físicas, abandonos, abusos sexuais, bullying, desqualificações constantes e maus tratos.
Adoecimento herdado
Identifica-se também como entendimento do porquê adoecer a necessidade de pertencer e fazer parte do clã, da família. É estar confirmando o ser aceito, acolhido e pertencer a uma família (mesmo sendo desorganizada e patológica) que respalda e valida o existir no grupo e a importância no mundo destas pessoas. Adoece–se por respeito, honra, amor e necessidade de inclusão. Também por submissão. “Torno-me aquilo que desejam ou esperam que eu seja”. Algumas famílias estabelecem o vínculo só pelas patologias que possuem e são reconhecidas por fazerem parte do sobrenome familiar. Eles reproduzem a doença que o grupo que carrega esse sobrenome geralmente tem. Exemplo: “Nós, os Albuquerque, temos enxaqueca!”
O não merecimento de estar bem e saudável, se encaixa na categoria dos que sofreram algum tipo de abuso: social, físico, sexual, familiar, onde a desqualificação e desvalorização pessoal era frequente e destruidora. Essa rotina desenvolve sentimentos destrutivos e boicota a plenitude de estar bem, como sendo algo impossível. Pessoas que ouviram a vida toda que não eram boas, que sendo como são, não seriam ninguém na vida entram no looping desse processo de adoecimento. Em geral, nestes casos, a doença ocorre após uma conquista, vitória, algo bom que a pessoa conseguiu ou que aconteceu com ela. É insuportável (inconscientemente) estar bem, ser feliz, ser bem-sucedido, pois a sua validação como pessoa sempre foi oposta a isso.
Efeitos reversos
Desenvolvemos as doenças para podermos ser curados dos nossos conflitos emocionais geradores destas doenças. É um pedido de socorro para tentar resolver o aspecto emocional e ser visto como pessoa. A doença é uma forma de pedir ajuda e de externalizar nossas necessidades emocionais, denunciando nossos conflitos e tentar, assim, encontrar o equilíbrio, mesmo que não se tenha a menor noção racional desse movimento. O sujeito somatiza para continuar vivendo. A pessoa adoece para a doença ser curada e a energia que a desenvolveu ficar, por um tempo, enfraquecida.
Há consciente ou inconscientemente o medo de ser julgado por possuir e/ou externalizar sentimentos ou desejos entendidos por ele mesmo como “impuros, ruins ou errados”. Ocorre um julgamento pessoal influenciado por valores sociais, religiosos e morais de que alguns sentimentos, emoções ou desejos são errados ou ruins. E o fato de identificar que os sente, traz também a sensação de alguém “inferior e mau”, não merecedor de coisas boas. Pessoas com essas características tendem a ser muito rígidas consigo e idealizam o que, e como, teriam de ser e sentir. Ocorre um conflito interno intenso, entre o que sou e o que “deveria ser”. O adoecer e o sofrer seriam formas de se purificar.
Desistir de lutar
A desesperança gerada por lutos patológicos, depressão crônica, frustrações e ressentimentos também levam o sujeito a desvalorizar a vida e entrar no processo de adoecimento. A sensação de que viver não vale a pena é clara e o adoecer seria o início do fim. Todos nós passamos por dificuldades, mas nem todas as pessoas tem facilidade de ressignificar, isto é, transformar uma experiência não desejada em um aprendizado de vida e apresentar uma evolução como pessoa, em vários aspectos. Elas sucumbem às dificuldades e sentem que viver não é mais importante e se torna um fardo diário.
Mas a nossa cultura ocidental tem medo da morte e ele também gera o adoecimento. Para esses casos, muitas vezes encontramos o histórico de um tratamento intensivo e, como consequência da cura, os exames aparecem todos dentro da normalidade. É uma fantasia de controle da morte. Esse item, no processo de adoecer, é totalmente inconsciente por parte do doente. É bastante comum entre aqueles que gostam de fazer exames periodicamente e “exibir” os resultados como prova de sua saúde, na realidade de seu “combate” à morte. Essa postura pode dar origem ao transtorno hipocondríaco, em que a pessoa se medica em excesso, mesmo não tendo necessidade do remédio, para se “prevenir”.
O que vemos é que o adoecer psíquico e físico é sempre um processo autodestrutivo. Algumas pessoas chegam às extremidades buscando o uso abusivo de substâncias, que podem ser licitas (álcool, cigarro) ou ilícitas (maconha, cocaína, crack, ecstasy, LSD, inalantes, heroína, barbitúrico, morfina, skank, anfetamina, ópio), como também de maneiras que parecem, a princípio, inofensivas, mas não são, como por meio da alimentação (em quantidade excessiva, abundantemente gordurosa ou com muito açúcar). Nesse item, podem ser inseridos todos os hábitos ou compulsões que uma pessoa desenvolve que são reconhecidos e identificados como prejudiciais à sua saúde, e mesmo consciente do fato, não há interesse ou condição pessoal ou mesmo persistência para sua extinção.
O processo do adoecer é uma destruição lenta e contínua da saúde, que vai gerar múltiplas consequências patológicas, tanto físicas como psíquicas. É preciso estar muito alerta para que se possa diagnosticar precocemente e buscar tratamento adequado a cada caso.
Os ganhos secundários da doença
A Psicossomática analisa muitos fatores no processo de adoecimento de um indivíduo. Há casos em que a razão que justifica a opção de adoecer está totalmente relacionada à carência de afeto. Chamados este fator específico de ganhos secundários que a doença orgânica traz consigo.
A pessoa doente recebe carinho, atenção, indulgências sociais, o que nos leva a uma regressão a fases infantis, muitas vezes exatamente o que a pessoa quer. Além disso, há outras vantagens: o doente está isento de papéis sociais normais, não precisa ganhar seu sustento, não sofre pressões diárias e, principalmente não é responsável pela doença, sendo considerada uma vítima, digna de dó e respeito. Todos se solidarizam com alguém que está doente. Neste caso, o perigo é o agravamento continuo da doença para manter a atenção das pessoas.
Nos processos mais prolongados, graves e emocionalmente complexos, podemos encontrar também a necessidade da codependência que amarra outro alguém nos cuidados e na atenção ao sujeito doente.
É um pedido de carinho, atenção e amor e também de ser menos cobrado socialmente, mas perigosamente prejudicial ao corpo físico e emocional.