O seriado Assassino Zen, lançamento da Netflix, chama atenção do público por sua proposta fora do comum. Um advogado que começa a praticar mindfulness a pedido da esposa e encontra “alívio” e foco cometendo assassinatos. Acho que ele entendeu errado a proposta da atenção plena, né?

Na trama, Björn Diemel (Tom Schilling) vive muito estresse diariamente em seu trabalho (que ele odeia) como advogado para um chefe do crime. E a saída que encontra para lidar com a situação é escutar a dica da esposa e iniciar um curso de atenção plena. Nos início do primeiro episódio, acompanhamos a primeira sessão de mindfulness do personagem e já podemos ver o quão desconectado com o momento presente ele está quando sua primeira fala é: “Se você conseguisse acelerar o programa, eu agradeceria”.

A sessão de mindfulness começa antes mesmo do personagem adentrar o local, onde passou três minutos inteiros pensando se deveria tocar a campainha novamente, mas também pensando no trabalho, em seus clientes, sua família, a última briga que teve com sua esposa. Incrível a capacidade da mente de estar em tantos lugares ao mesmo tempo, né? Então por que é tão difícil focá-la em apenas um lugar?

Sentidos

O primeiro exercício é o clássico para voltarmos nossa atenção aos sentidos, focando nos sons e cheiros ao redor, além de respirar profundamente, interrompendo o fluxo de pensamentos acelerados. O bom da série é seu realismo quanto às dificuldades em manter a constância e integrar a prática da atenção plena à rotina, mas também evidencia a necessidade dos momentos de pausa e seus benefícios. No caso do personagem, um dos benefícios foi a criação das ilhas de tempo com sua filha, longe do trabalho e celular, focando totalmente nela e na construção da relação pai-filha, além de criar uma alternativa para a resolução de problemas e impasses com seus chefes.

Ao focar no momento presente e desenvolver a atenção, Björn também pode focar mais em si mesmo e no que importa, valorizando as experiências e os momentos, lidando com o estresse de maneira saudável. O problema, é que o protagonista responde a um criminoso impaciente e que arranja inúmeros problemas impossíveis de resolver (embora exija solução para tudo no mesmo momento). Mas, mesmo nessas ocasiões, o personagem consegue voltar sua atenção para o momento presente sem pensar nas inúmeras possibilidades e “e se” (com flashbacks do que aprendeu no curso).

Significado

Embora não se tenha um consenso sobre o significado de mindfulness, ele pode ser entendido como uma prática que consiste em estar atento ao momento presente, sem julgamentos ou distrações, ou como “consciência da experiência no momento presente com aceitação” segundo Kristin Neff e Christopher Germer. Dizemos que não se tem uma definição exata, pois mindfulness envolve a consciência pré-conceitual (conjunto de conteúdos que estão no pré-consciente, ou seja, que podem ser acessados, mas não estão presentes na consciência no momento), então, quando estamos conscientes, experimentamos o mundo direto, não através das lentes do pensamento.

Os pensamentos são o nosso entendimento de certa situação (envolvendo julgamento e conhecimento pré-existentes), mas não representam a verdade em si. Quando nos “desprendemos” do nível do pensamento e experienciamos de forma direta, conseguimos entrar em contato direto com a natureza dinâmica da realidade, abandonando a ideia de como achamos que algo deve ser e aceitando como é. Por mais complexo que pareça, mindfulness é um processo simples envolvendo a observação e os cinco sentidos. E uma das formas de praticar é como o personagem demonstra na série, parando, respirando fundo e se atentando ao redor por meio de seus sentidos (visão, audição, olfato, tato e/ou paladar).

Cérebro

Mas, então, o que acontece durante o mindfulness? Durante o mindfulness, o córtex pré-frontal (envolvido em funções como planejamento e autorregulação) se torna mais ativo, facilitando a concentração no momento presente e a gestão emocional. Durante a mesma prática, a amígdala, que regula as respostas ao medo e ao estresse, apresenta uma redução na sua atividade, ajudando a diminuir a reatividade emocional e a sensação de ansiedade.

Essas mudanças cerebrais têm um impacto positivo na redução do estresse, melhora da atenção e regulação emocional, promovendo maior equilíbrio emocional e resiliência. A prática regular de mindfulness pode, assim, contribuir para uma reorganização a longo prazo, conhecido como neuroplasticidade, o que sugere benefícios duradouros para a saúde mental.

Técnicas

Mas como acontece o mindfulness e como trazer a prática para o cotidiano? O mindfulness (ou atenção plena) é uma prática que envolve estar totalmente presente e consciente no momento atual, com aceitação e sem julgamento. É cultivado por meio de uma série de técnicas que ajudam a treinar a mente para perceber pensamentos, sentimentos, sensações físicas e o ambiente com mais clareza.

Uma das práticas mais comuns é focar na respiração, prestando atenção no fluxo de ar entrando e saindo do corpo. Quando a mente começa a divagar, o praticante gentilmente traz sua atenção de volta à respiração, que serve como âncora para o momento presente, ajudando a mente a se concentrar e a se desacelerar, afastando pensamentos automáticos e distrações.

No mindfulness, você se torna um observador dos seus próprios pensamentos e sentimentos e, em vez de se identificar com eles ou reagir a eles, apenas os reconhece, sem julgá-los como bons ou ruins. Isso ajuda a desenvolver uma relação mais saudável com seus pensamentos e suas emoções, sem se deixar levar por eles.

O mindfulness também envolve perceber as sensações no corpo, como a pressão nos pés ao andar ou a tensão nos ombros. Pode-se fazer isso com uma prática chamada “escaneamento corporal”, em que se passa a atenção por diferentes partes do corpo. Ao observar qualquer sensação sem tentar alterá-la, se cria maior conscientização corporal, compreendendo suas reações emocionais e físicas, ajudando a identificar áreas de tensão ou desconforto.

Uma parte essencial do mindfulness é cultivar uma atitude de aceitação, ou seja, permitir-se estar com o que quer que surja sem resistir a isso. Se você sente tristeza, ansiedade ou frustração, você a reconhece como ela é, sem tentar afastá-la ou se condenar por senti-la.

Dia a dia

Mas é importante deixar claro que o mindfulness não se limita a sessões de meditação. Também envolve integrar a prática no dia a dia, estando mais consciente de suas ações, como comer, caminhar, interagir com os outros ou até mesmo fazer tarefas cotidianas. Você começa a perceber mais detalhes do seu ambiente e de suas próprias respostas.

Existe uma técnica (uma das minhas favoritas) que traz o mindfulness para cotidiano por meio das refeições, que se chama mindful eating, em que a ideia é comer devagar, saboreando cada mordida e concentrando-se nas sensações de gosto, cheiro, textura e até mesmo no som da comida sendo mastigada. Em vez de comer de forma automática ou distraída (como diante da TV ou celular), a pessoa foca no que está fazendo, percebendo os detalhes do alimento e da experiência de comer. Quando estamos atentos ao que estamos comendo, diferentes partes do nosso cérebro e do nosso conhecimento se juntam para formar uma compreensão completa e coerente sobre o alimento. Isso inclui perceber aspectos como a cor, o formato, o cheiro, a localização e o contexto (por exemplo, onde e por que estamos comendo).

Ao preparar e saborear o chá, cultive a consciência e a atenção em cada etapa: desde o momento em que a água começa a aquecer, até o sachê se dissolvendo e colorindo a água. Sinta o aroma, o calor da xícara, respire profundamente e saboreie o chá lentamente, em pequenos goles, para vivenciar plenamente a experiência.

Como começar

Mas, como começar a praticar mindfulness? Encontre um lugar tranquilo: Sente-se confortavelmente, com a coluna ereta, mas relaxada. Concentre-se na respiração. Inspire e expire, observando como o ar entra e sai do seu corpo. Observe os pensamentos sem se apegar a eles. Quando perceber que sua mente divagou, observe os pensamentos sem julgamento e suavemente traga sua atenção de volta à respiração.

Pratique por alguns minutos: comece com 5 a 10 minutos e vá aumentando conforme se sentir confortável. Traga mindfulness para o dia a dia: tente trazer a prática para atividades cotidianas, como comer, caminhar ou até conversar, prestando atenção plena nos detalhes da experiência.

E para ajudar você na jornada, além de ver como o protagonista utiliza o mindfulness em diversos momentos do dia a dia, eu também trago dicas de livros. O que acontece em mindfulness (John Teasdale) apresenta as mudanças mais amplas que as pessoas podem experimentar por meio de práticas contemplativas. O autor descreve dois tipos de conhecimento – o conceitual e o holístico intuitivo – e mostra como mindfulness pode ser um meio para alcançar um equilíbrio entre eles.

Já o Manual de mindfulness e autocompaixão (Cristin Neff e Christopher Germer) traz conceitos de mindfulness e autocompaixão, além de inúmeros exercícios e reflexões. Por fim, temos o livro Terapia cognitiva baseada em mindfulness (Rebecca Crane) e a ferramenta Mindfulness para viver o presente (Laura Pordany do Valle, Ramiro Figueiredo Catelan e Vítor Rocco Torrez), que apresenta 100 cards para praticar atenção plena das mais diversas formas.