Várias doenças neurológicas e psiquiátricas alteram e/ou prejudicam o funcionamento das vias neurais. Com o objetivo de reorganizar os caminhos dos neurônios e suas sinapses, a neuromodulação é uma técnica que altera a atividade do sistema nervoso, melhorando a plasticidade cerebral. Pode ser usada para tratar uma variedade de patologias, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), dor crônica, fibromialgia, Parkinson e esclerose múltipla.
Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela neuroterapeuta Daniela Barreto de Oliveira Ferreira, especializada em neuromodulação – neurofeedback e estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS/ETCC). Ela também é pedagoga, mestre em educação e tem especializações nas áreas de educação e saúde, entre elas, psicopedagogia, neuropsicopedagogia, neuropsicopedagogia clínica, neurociência e Análise do Comportamento Aplicada (ABA). É fundadora do Consultório Cognitivo, do Instituto Neuroestar e do canal Neuroestar Cast no YouTube.
Quando, como e por que surgiu a neuromodulação?
A neuromodulação surgiu no século 20 quando pesquisadores começaram a explorar a estimulação elétrica do cérebro para tratar a dor e, posteriormente, aplicada em condições como a doença de Parkinson. As primeiras tentativas foram feitas nos anos 1960 e 1970, e o conceito de neuromodulação foi se desenvolvendo com o tempo.
Qual a importância dessa técnica?
A neuromodulação é um avanço revolucionário. Muitas doenças neurológicas e psiquiátricas não respondem bem a tratamentos convencionais, como medicamentos ou cirurgias. A neuromodulação oferece uma solução, uma esperança a milhões de pessoas com condições difíceis de tratar, além de ampliar nosso conhecimento sobre o cérebro humano e possibilitar novas fronteiras terapêuticas e tecnológicas.
Como funciona na prática?
Eu trabalho com a estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS/ETCC) e com o neurofeedback. O tDCS/ETCC e o neurofeedback são técnicas não invasivas, com abordagens distintas para tratar condições neurológicas e psiquiátricas. O tDCS/ETCC altera diretamente a atividade neural por meio de estímulos elétricos, a partir da colocação de dois eletrodos no couro cabeludo, um positivo e um negativo. A corrente tem início no eletrodo negativo (ânodo), que é excitatório e facilita a transmissão de informações entre neurônios, e vai para o eletrodo positivo (cátodo), que é inibitório, ou seja, dificulta a transmissão de informações entre neurônios.
O neurofeedback é uma técnica indolor que utiliza medições em tempo real da atividade cerebral, via EEG, para ensinar o paciente a autorregular sua atividade cerebral. O paciente assiste a algo do seu interesse e utiliza fone de ouvidos. Ele verá a tela escurecer e ouvirá alguns ruídos quando a sua atividade cerebral estiver fora dos padrões delimitados para o seu melhor funcionamento e, quando atingir os padrões positivos para o seu funcionamento, a tela clareia e os ruídos diminuem, possibilitando que o paciente assista com tranquilidade e sem incômodos, condicionando assim o cérebro a trabalhar de forma equilibrada. Enquanto o tDCS/ETCC é uma intervenção ativa com estímulos diretos, o neurofeedback é uma intervenção passiva que promove a autorregulação por meio de feedbacks visuais e auditivos.
Em que casos é indicada?
A neuromodulação é indicada para tratar uma ampla variedade de condições, incluindo depressão resistente ao tratamento, epilepsia, dor crônica, reabilitação após lesões cerebrais, tratamento de zumbido crônico, dependência química, fibromialgia, sintomas de transtornos como transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtornos específicos de aprendizagem, transtorno do espectro autista (TEA), transtorno de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), entre outras condições. A contínua pesquisa e as inovações no campo da neuromodulação prometem expandir ainda mais suas aplicações e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Quais são os benefícios já comprovados?
A neuromodulação tem eficácia indicada em diversas áreas terapêuticas, da medicina e da neurociência, com benefícios comprovados por estudos clínicos e pesquisas científicas. Esses benefícios abrangem desde o tratamento de doenças resistentes a medicamentos até o aprimoramento de funções elétricas e motoras.
Detalhe um pouco nos casos de TDAH.
O tDCS/ETCC e o neurofeedback têm sido amplamente aplicados no tratamento do TDAH, com resultados positivos em muitas pesquisas científicas e na prática clínica. O neurofeedback promove a melhora das funções cognitivas e emocionais (atenção, memória, concentração, tomada de decisão, organização, planejamento, controle dos impulsos), melhoras significativas no desempenho acadêmico, redução da hiperatividade e impulsividade, melhora na regulação emocional, do controle do comportamento, da ansiedade, benefícios duradouros e sustentados e redução do uso de medicamentos (sempre com orientação médica).
Qual a relação com o ensino-aprendizagem?
A estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS) e o neurofeedback têm se mostrado cada vez mais importantes no contexto de ensino-aprendizagem. Estudos comprovam que, o tDCS/ETCC e o neurofeedback, quando aplicados ao córtex pré-frontal, potencializam as funções executivas, proporcionando melhora das habilidades cognitivas. Ambos podem melhorar potencialmente o desempenho cognitivo, emocional e comportamental dos alunos, impactando diretamente o processo de aprendizagem.
Ao trabalhar diretamente com a atividade cerebral, essas técnicas têm o poder de modular as funções cognitivas essenciais para o aprendizado. A implementação dessas abordagens no contexto educacional pode trazer muitos benefícios, como melhora na atenção e concentração, aprimoramento da memória e do processamento cognitivo, controle emocional, redução da ansiedade, aumento da motivação, melhora na autodisciplina e personalização do ensino.
O meu instituto, o Neuroestar, tem um projeto chamado Potencialmente, que leva as técnicas de neuromodulação para dentro da escola, com o foco na melhora da performance acadêmica dos alunos da educação básica.
Qual a formação exigida para se tornar um profissional da área?
Aqui no Brasil, é preciso fazer um curso de formação em neuromodulação da técnica que será aplicada. Profissionais das áreas de saúde e educação podem fazer a formação e utilizar as técnicas de neuromodulação não invasivas, mas é necessário que o conselho profissional regulamente a aplicação da neuromodulação na área de atuação. Além disso, é importante fazer estágios supervisionados em clínicas ou centros de reabilitação sob orientação de profissionais especializados.
A área de neuromodulação está em constante evolução, com novas técnicas e descobertas científicas sendo feitas regularmente. Então, a formação contínua é fundamental a participação em congressos e simpósios para se manter atualizado sobre os avanços mais recentes e as últimas tendências e pesquisas na área. Em alguns países, a prática de neuromodulação pode exigir uma certificação específica, especialmente no caso de técnicas como tDCS e neurofeedback. Essas certificações garantem que o profissional tenha conhecimentos e habilidades adequadas para aplicar as técnicas de forma segura e eficaz.
Sobre o seu canal no YouTube, o Neuroestar Cast, quais os temas abordados?
O Neuroestar Cast é o podcast do meu instituto, o Instituto Neuroestar, e tem o objetivo de promover a educação, a saúde e o bem-estar geral. Os temas abordados são relacionados a essas áreas, sempre com um convidado.
Há algo que gostaria de acrescentar?
Por meio da inibição ou estimulação da atividade cerebral, é possível promover alterações nas sinapses e induzir a neuroplasticidade, que é a base da neuromodulação. Ela promove a autoconsciência e uma conexão mais profunda com os estados internos, levando a melhorias significativas na saúde mental, desempenho cognitivo e qualidade de vida do paciente. Tenho transformado muitas vidas com a neuromodulação. Já atendi dezenas de pacientes, com diversas queixas, como transtornos do neurodesenvolvimento, dificuldades de aprendizagem, depressão, ansiedade, distúrbios do sono, de diversas faixas etárias e posso dizer que, em cada um desses casos, houve mudanças significativas em suas vidas. Vale ressaltar que cada cérebro é único e responde de maneira distinta aos estímulos recebidos.