A Psicossomática é uma ciência interdisciplinar que abrange a Medicina e a Psicologia e visa a estudar os efeitos psicoemocionais sobre os processos do adoecer do corpo, assim como a relação de equilíbrio entre a saúde física gerada pelo bem-estar e estabilidade psicológica das pessoas.

Essa teoria atribui, e tem como um dos seus pressupostos básicos, que a formação da nossa personalidade e das nossas características de “visão de mundo”, assim como da nossa ética, dos valores morais e as das relações afetivas, são determinados pelos aspectos bio-psico-social-ecológico-energético e espiritual. Esses seis itens, na sua somatória, resultam no que somos. Eles se interligam de tal forma que fica difícil determinar quando um começa e quando o outro termina, pois cada um é parte importante – e até determinante – do outro. Não podemos deixar de ressaltar que o grupo social em que a pessoa nasce, cresce ou vive exerce um papel fundamental, mas não intransponível, em sua estrutura psicoemocional. Explicando melhor: as características familiares, a religião, classe social, grau de escolaridade, cultura da região, hábitos de alimentação, de lazer e até as características do país de origem exercem influência em nosso SER.

Na visão psicossomática, todos esses aspectos determinam nossa forma de viver e enxergar o mundo. Alguns aspectos sequer percebemos seu grau de influência e, muitas vezes, são justamente esses que interferem na relação inconsciente da saúde-doença. 

Correlação física e emocional

Existe também, dentro do campo do repertório desta visão, o que chamamos de “correlação psicossomática”, onde se relacionam as doenças físicas desenvolvidas com as emoções e sentimentos conflitivos que as desencadeiam. Por exemplo: uma pessoa sempre mal humorada apresentara problemas com o fígado e, consequentemente, com a digestão. 

Outro pressuposto básico da Psicossomática é que os conflitos psicoemocionais não resolvidos se transformam em doenças orgânicas para serem denunciados. O adoecer físico é um pedido de ajuda, uma tentativa (não saudável) de equilibração psíquica. Este conceito deve parecer estranho para o leitor que nunca correlacionou seu estado emocional a algumas doenças físicas que sempre surgem na sequência de um estresse, frustração, medo ou tristeza.

Atualmente, vivemos um momento único no planeta, algo inimaginável há meses atrás, que é a pandemia gerada pela Covid-19. Esse vírus alterou nossa vida bruscamente, tudo mudou de forma radical. Nossos hábitos sociais, rotina, lazer, trabalho, convivência (família, amigos, profissional) ou um simples e singelo andar na rua se transformaram em grandes ameaças para a saúde. O perigo está em toda parte! Ele é invisível e muitas vezes letal. Fomos orientados pelas autoridades competentes da área de saúde a não sair de casa para evitar a contaminação. A higienização dos sapatos ou embalagens que trazemos para casa se tornou um hábito forçosamente adquirido. Assim como tirar e lavar toda roupa quando voltamos da rua passou a ser rotina. É como se estivéssemos vivendo um filme de ficção. O uso de máscaras (e luvas) passaram a fazer parte do nosso dia-a-dia de forma inclusive legal (do ponto de vista da lei) e o álcool gel, o grande aliado na proteção contra o vírus. Porém, nenhum desses cuidados invalidou todas as incertezas, inseguranças e angústias que se instalaram na vida de cada um. Não teve uma única pessoa que não se sentiu impactada por esse momento. Das crianças na primeira infância, aos adultos da terceira idade. Até mesmos os bebês lactantes sentem a tensão passada pela mãe. O cenário, então, trouxe inúmeras e intensas reações de desequilíbrio psicoemocionais nas pessoas, de forma geral.

Alterações neuroquímicas

Sentimos medo e este sentimento é instintivo e biológico. Ele gera alterações neuroquímicas em nosso organismo e, quando intenso e constante, desperta nossos aspectos de somatização. Com certeza a Covid-19 gera uma vulnerabilidade e, com isso, as características desorganizadas de cada um, muitas vezes controladas e sutis, não percebidas no meio social de convivência, se tornam evidentes, pois passamos a atuar, pensar e nos comportar de forma diferente do nosso habitual. Estamos em alerta, em perigo. Assim, perdemos o autocontrole racional e apresentamos alguns tipos de transtornos psíquicos e/ou orgânicos. Para ilustrar, cito algumas características ou posturas decorrentes destes transtornos que observo no consultório de Psicologia (área da minha formação e atuação), como também nas conversas com amigos e familiares.

Podemos dividi-las didaticamente em psicológicas, sendo a ansiedade intensa, depressão acentuada e síndrome do pânico as mais frequentes; e psicossociais, se destacando transtorno hipocondríaco, fobias sociais e transtorno obsessivo compulsivo.

O momento de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19 trouxe à luz um fenômeno a ser analisado pela Psicossomática. Muitos desses sintomas psicológicos e psicossociais são gerados ou intensificados pelo contexto da reclusão e da impossibilidade de interação.

Fique alerta

A ansiedade intensa, por exemplo, tende a se tornar contínua e progressiva. Ela surge quando nos sentimos de alguma forma ameaçados (real ou imaginário). No caso, a contaminação pela Covid-19 é real, gerando a sensação de ameaça iminente e a tensão, constante. Os sintomas percebidos pelos pacientes que relataram em sessão a mudança no corpo foram: palpitação, mãos e pés frios, boca seca, irritabilidade, cansaço, insônia, inquietação, falta de ar, baixa produtividade, problemas gastrointestinais, alergias, perda de cabelo e pouca fixação de conteúdos, pois não temos concentração para reter qualquer informação.

Há mais uma gama de sintomas pelos quais muitas pessoas nem identificam como possíveis geradores de doença. Abordarei tantos outros nas próximas colunas. O alerta é para que possamos ficar atentos, pois qualquer reação física ou psíquica pode esconder uma manifestação silenciosa e perigosa de adoecimento, principalmente neste momento tão atípico que estamos vivendo.

E MAIS…

A intensidade da Pandemia pode gerar “Sintomatologia da massa”

A sugestibilidade patológica é a característica que a pessoa apresenta em crer que toda sintomatologia relatada por alguém que está doente, ela também apresenta. Muitas vezes é um documentário na televisão sobre uma patologia específica e ela começa a “observar” que tem tudo que está sendo relatado. Passa a sentir os sintomas e a sofrer de forma psicológica a doença.

Não é raro, após um tempo, a pessoa “mudar” de doença, pois recebeu uma carga nova de informações sobre outro transtorno físico. É um transtorno psicológico que gera angústia, medo e preocupação patológica com a própria saúde. Surgem aspectos psicossomáticos, como dores no corpo, falta de ar, tonturas, desarranjo intestinal e algumas sintomatologias que pertencem a doença que a pessoa se fixou naquele momento.

Um exemplo que podemos citar foi o de Marlon Brando. Ele tinha receio de ouvir falar em doenças, pois já começava a apresentá-la. Todos os funcionários e outras pessoas do convívio, quando ficavam doentes, eram orientados a evitarem o contato com ele.

No contexto de uma grave pandemia como a da Covid-19, em que o mundo focou todos seus holofotes para uma enxurrada de informações sobre essa nova doença, causando todas as incertezas e inseguranças que uma novidade dessas pode gerar, é possível encontrar pessoas que apresentem a sugestibilidade patológicainfluenciada pela intensidade do momento. Tratei de pacientes que mesmo sem sintomas claros, fez o teste da Covid-19 mais de uma vez, não respeitando o prazo mínimo exigido entre um exame e outro, vivendo uma situação quase compulsiva em apresentar um resultado positivo para a doença. A Psicossomática chama essa reação de “Sintomatologia da massa”.