O que “O Golpista do Tinder”, “Inventando Anna”, “The Dropout”, “Bad Vegan”, “O Paraíso e a Serpente” e “Dirty John” têm em comum? Mais do que fazer sucesso em plataformas de streaming, essas produções abordam o estelionato emocional – a prática de se aproveitar de uma pessoa para obter lucros e vantagens – e revelam como golpes e mentiras podem afetar seriamente o emocional das vítimas.

O prejuízo, nestes casos, vai além da questão financeira e está longe de ser apenas uma mentira ou “brincadeira leviana” de 1º de abril (oficialmente, o Dia da Mentira). Experiências amorosas negativas e frustrantes, situações perigosas ou relacionamentos tóxicos colocam em risco a coragem das vítimas e as impede de voltar a se apaixonar ou se relacionar socialmente.

Esse medo exacerbado de confiar nas pessoas tem nome: pistantrofobia. O problema é capaz de impedir que uma pessoa mantenha um relacionamento pessoal ou íntimo com alguém.

Confiança quebrada

Sabemos que a confiança é algo frágil, difícil de conquistar, mas muito fácil de quebrar. Por isso, ao vivenciar uma traição ou decepção, é natural que algo mude dentro de nós. Isso acontece com todo mundo, porque não queremos mais ser vulneráveis. Por um tempo, deixamos inclusive de nos abrir para novos relacionamentos ou vivências.

A questão é que, para quem sofre de pistantrofobia, confiar novamente em alguém fica completamente fora de questão, o que pode arruinar rapidamente a vida e a convivência social.

Seja no trabalho ou no âmbito pessoal e amoroso, a confiança no outro é fundamental. Precisamos confiar na babá que cuida dos nossos filhos, no colega de escritório, na parceira ou parceiro amoroso… A lista de laços que exigem confiança é extensa e, evidentemente, entrar em um relacionamento é sempre um risco, para todos. O que não podemos é confundir cautela com pessimismo crônico.

Níveis de confiança

Evidentemente, para estabelecer níveis de confiança é preciso colocar à prova, por um certo tempo, as primeiras impressões sobre outra pessoa e testar sua confiabilidade. Essa aceitação do risco só é concebível para aqueles que, originalmente, têm autoconfiança suficiente para não reagir violentamente em caso de decepção.

É claro que a desconfiança é útil para a nossa segurança, porque alerta sobre possíveis perigos à integridade física e emocional, mas deve ser praticada em pequenas doses e com sabedoria. O problema surge quando essa reação natural de “suspeita sobre o outro” toma proporções incontroláveis.

Sem confiança, nenhum relacionamento amigável, romântico ou profissional é possível. E esse é o agravante de quem tem pistantrofobia. A pessoa se convence de que, mais cedo ou mais tarde, será traído ou desapontado novamente e, por isso, nega a si qualquer chance de aproximação com outras pessoas.

Sinais corporais e tratamento

A pistantrofobia gera um medo crônico de confiar nos outros e, para se proteger, o indivíduo evita situações que desencadeiam esse temor. Como consequência, essa situação fóbica aumenta a ansiedade, que pode vir acompanhada por sinais corporais, como sudorese, tontura, respiração rápida ou taquicardia.

Não há idade para se tornar fóbico e a origem das fobias pode estar enraizada nos primeiros laços emocionais. Nosso passado constitui uma linha divisória entre segurança e insegurança afetiva, mas essa separação nem sempre é clara ou imediatamente identificável. Quanto mais o passado é marcado pela perda, abandono ou negligência, menos seguros são os apegos.

Atualmente, o transtorno fóbico não é mais percebido pelo campo médico como um simples “conflito intrapsíquico”, já que tem múltiplas origens. Para que o tratamento das fobias seja possível, é fundamental identificar as causas – geralmente múltiplas. E para isso é preciso contar com a orientação especializada de um psicólogo, capaz de indicar o tratamento mais adequado.

E MAIS…

Um olhar para o passado

As causas de problemas como a pistantrofobia podem estar relacionadas ao passado. Pais superprotetores, por exemplo, reforçam a sensação de desconfiança. Avisos como “Cuidado, não confie em ninguém” e “Não aceite doce de estranhos” são necessários para a segurança das crianças, mas devem ser moderados.

Uma criança sufocada por pais superprotetores tende a perceber o mundo exterior como algo aterrorizante e povoado por potenciais agressores. Por outro lado, quando não são os pais que transmitem desconfiança é a própria vida que se encarrega disso: a traição de um colega ou parceiro, um amigo que abusa da generosidade ou até mesmo um golpe financeiro.

É importante que vítimas de golpe ou traição não deixem o medo irracional tomar conta. Em geral, a pessoa tem que enfrentar sua dor e aceitá-la ao invés de rejeitá-la, porque fugir de um problema não é a melhor solução. A prevenção da pistantrofobia depende, acima de tudo, do manejo precoce desse transtorno. A confiança é um laço fundamental à convivência em sociedade e, portanto, deve ser nutrida de forma saudável.