Não é novidade que as Redes Sociais se tornaram parte do cotidiano de todos a nível global, mas pouco se fala sobre como o uso indiscriminado das mídias pode ter impactos destrutivos a nível individual e coletivo.

O fenômeno de expansão tecnológica dos anos 2000, permitiu que os antigos consumidores de conteúdo midiático digital passassem a produzi-lo. Evoluindo rapidamente e promovendo a convergência de serviços e comunidades via internet, a web 2.0 modificou as relações interpessoais em ambiente virtual.

Onde antes havia uma disparidade entre produtores e consumidores, criando um ambiente verticalizado, agora, vemos o surgimento de uma socialização horizontal e mais hegemônica.

Entre os anos de 2017 e 2021, enquanto ainda cursava a faculdade de Jornalismo, pude entender a crescente importância destes meios midiáticos alternativos na rotina da população. Ora, podemos condensar em um único aparelho de celular uma infinidade de aplicativos, que permitem a comunicação com os mais diversos grupos de pessoas.

Podemos falar com parentes e amigos residentes em outros estados e, até mesmo, em outros países, com apenas um clique. 

O que, a princípio, surgiu com o objetivo de conectar as pessoas, hoje tornou-se uma ferramenta de marketing pessoal indispensável, propiciando a criação de novas profissões, como a de digital influencer, os populares “influenciadores digitais”.

Eles são a febre do momento e criadores de tendências (as famosas trends), mobilizando milhões de pessoas a segui-los, imitá-los, introjetar seus discursos e as “verdades” propagadas por eles nas redes.

Há uma nova tendência em ascensão: o investimento em realidades virtuais totalmente fantasiosas, muito diferentes da vida real dos usuários. Exige-se que todos vivam de maneira perfeita, de acordo com um padrão estruturado pelo novo Olimpo social, lar dos “poderosos” influencers. A busca por status, especialmente em redes pautadas na publicação de fotos e vídeos, obriga os internautas a criarem máscaras midiáticas virtuais.

Narcisismo virtual e suas máscaras

Uma das principais características dos Narcisistas é a máscara, criada pela dificuldade em bancar e investir em seu próprio self. Nancy McWilliams, ao discutir os pormenores do diagnóstico na psicanálise, define o narcisista como aquele que precisa de validação externa para a manutenção de sua autoestima (McWilliams, 2014). E não é exatamente a necessidade de validação exterior que buscamos com as novas mídias?

A Psicanálise bebeu da fonte dos grandes clássicos gregos para nomear conceitos-chave, como o famoso Complexo de Édipo, baseado na obra do dramaturgo Sófocles. E é na mitologia grega que Freud volta a encontrar a inspiração para uma nova definição clínica: o Narcisismo.

O mito com várias versões, sendo as mais populares as do geógrafo Pausânias e a do poeta Ovídio, relata a história do belo Narciso que, se fôssemos resumir de maneira muito enxuta, morre após apaixonar-se pelo próprio reflexo.

Mesmo que muitas das ideias basilares de Freud sobre o Narcisismo tenham se modificado ao longo das décadas, um conceito ainda permanece: a ideia de que a energia psíquica do narcisista se volta para si mesmo. Indo além, seria possível observar que este investimento se volta à imagem idealizada, criada no processo narcísico de fabricação da máscara. É para ela que o narcisista direciona seus esforços, tornando-se alienado de sua existência verdadeira, como podemos observar no mito de Ovídio.

Nele, Narciso, envaidecido por sua beleza, recusa o amor da ninfa Eco. É interessante pontuar o fato de que o jovem repete o gesto de sua mãe, Liríope, que recusou-se a ser amante de Eros, deus do amor e do erotismo. De maneira simbólica, Liríope nega a personificação do amor e, ao fazê-lo, priva-se de criar qualquer tipo de vínculo afetivo amoroso, inclusive com o filho. É por recusar Eco que Narciso é castigado a contemplar sua própria imagem na fonte d’água, tornando-se incapaz de desenvolver relações interpessoais.

Segundo essa ótica, a profecia que Liríope recebe do adivinho Tirésias poderia ser interpretada de outra maneira. Acredito que, ao afirmar que a morte de Narciso viria se ele conhecesse a si mesmo, não estivesse se referindo apenas ao fato do jovem enamorar-se pela própria imagem, mas à ameaça de que ela desaparecesse. Quando suas lágrimas turvam a água da fonte, tornando seu reflexo difuso, Narciso é tomado de terror, golpeando o peito até a morte.

Ameaça à imagem idealizada

É a ameaça à imagem idealizada, representada pelo reflexo, que pode levar o narcisista a destruir-se ou curar-se, se aplicarmos a necessidade de retirada da máscara como um recurso terapêutico. O risco de perder o objeto de seu investimento e o self falso construído por ele, forçam o narcisista a encarar sua verdadeira face e a alienação de sua existência.

Para que se compreenda a extensão do impacto gerado pelas mídias sociais no crescimento do narcisismo, é necessário que façamos uma distinção crucial. Quando falamos em Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN), nos referimos à patologia, aos danos psíquicos e a um comportamento de longo prazo centrado na falta de empatia, dificuldade em formar e manter vínculos e sentimento de grandiosidade.

Por outro lado, os traços de personalidade narcisista podem se manifestar em pessoas que não sejam clinicamente diagnosticadas como detentoras do TPN. As redes sociais, por exemplo, têm sido um meio fértil para a disseminação e o crescimento de traços narcísicos em boa parte da população, bem como de impactos coletivos, como o individualismo, instrumentalismo e relativismo. Isso ocorre, especialmente, devido à criação de máscaras virtuais, identidades digitais que, na grande maioria das vezes, não correspondem à identidade real do indivíduo.

Jung expande os conceitos de Persona enquanto a flexão de nossa identidade para nos adaptarmos às mais diversas situações do cotidiano. Ora, não podemos nos comportar no ambiente de trabalho da mesma forma como nos comportamos quando estamos em casa, com nossos filhos pequenos, por exemplo. A flexibilidade psíquica oferecida pela Persona é, por este ângulo, benéfica e indispensável.

No narcisismo, porém, o personagem passa a assumir vida própria, exigindo que o ator que o interpreta se esqueça de sua existência, tornando-se uma máscara permanente e de retirada bastante dolorosa. Em plataformas como o Instagram, ou o Facebook, ela é nutrida a partir de uma recompensa externa: os comentários, curtidas e visualizações em stories, publicações e outros, nos levando a criar uma narrativa atrativa a esse tipo de interação, mesmo que ela seja fictícia.

Neste caso, ao invés de termos um investimento libidinal voltado ao centro da personalidade, ao self, é possível perceber um deslocamento de energia psíquica na direção da máscara. Portanto, o narcisista passaria mais tempo investindo na manutenção de seu personagem, do que na descoberta de seu verdadeiro eu.

Manter uma imagem perfeita

Nossa sociedade está mudando, afastando-se a ponto de tornar a capacidade de emocionar-se, de solidarizar-se com as dores do outro, algo “fora de moda”, “ultrapassado” ou “ridículo”. À medida que nos afastamos de quem somos, do nosso eu verdadeiro, também perdemos a capacidade de nos comunicar com o todo. Estamos tão fragilizados e preocupados em manter uma imagem perfeita, que nos esquecemos de olhar para dentro, em busca das respostas que tanto precisamos.

Embora tenha nascido como uma patologia, o narcisismo está tomando um caminho bastante diferente nas últimas décadas. Com o advento das redes sociais e o estabelecimento de padrões imagéticos e comportamentais a serem seguidos, passa a assumir o status de fenômeno cultural.

Quanto mais experimentamos a vida digital, mais nos afastamos das relações interpessoais na vida real. Muito embora os seguidores do Facebook recebam a alcunha de “amigos”, os vínculos estabelecidos por meio deste e outros tipos de mídia são, em sua maioria, superficiais. Nossos amigos estão ali apenas para promover a imagem que divulgamos, sem saber ao certo se nós parecemos, pensamos, ou nos comportamos de acordo com o que é postado nas redes.

E MAIS…

A psicanálise humanista na análise desse fenômeno

As redes sociais em si não são o problema, mas sim a cultura que se estabeleceu em torno de seu uso.

Por sua globalidade, percebo o crescimento de traços narcísicos na população como uma verdadeira pandemia.

Nesse sentido, a psicanálise humanista é de grande ajuda para que possamos retirar as máscaras, que cobrem nossos olhos, alienando-nos para tudo, para todos e para nós mesmos.

REFERÊNCIAS:
JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2020.
LOWEN, Alexander. Narcisismo: A Negação do Verdadeiro Self. São Paulo: Summus Editorial, 2017.
MCWILLIAMS, Nancy. Diagnóstico Psicanalítico: Entendendo a Estrutura de Personalidade no Processo Clínico. São Paulo: Artmed, 2011.
PETRIN, Natália. Redes Sociais. Todo Estudo. Disponível em:https://www.todoestudo.com.br/historia/redes-sociais#:~:text=No%20Brasil%2C%20as%20redes%20sociais,somente%20mais%20tarde%20no%20Brasil. Acesso em: 20.ago.2023.]
SCHWARTZ-SALANT, Nathan. Narcisismo e Transformação do Caráter: A Psicologia das Desordens do Caráter Narcisista. São Paulo: Cultrix, 1982.
TWENGE, Jean M; CAMPBELL, Keith W. Living In The Age of Entitlement: The Narcissism Epidemic. Nova Iorque: Atria Paperback, 2013.