O relacionamento afetivo equilibrado promove saúde mental e qualidade de vida. Quando falamos em infidelidade, pensamos em triangulações, ou seja, um terceiro elemento que tira o foco, divide a atenção e quebra a rotina preestabelecida do casal.
E o que vem a ser, afinal, a infidelidade? No senso comum, é a quebra da confiança ou de um contrato preestabelecido, tendo em vista que vivemos em uma sociedade monogâmica. Em geral, acarreta impactos na conjugalidade, pois existe um acordo de exclusividade afetiva e sexual em estabelecer relações com um parceiro(a) de cada vez. Esse conceito é geral, mas aqui vamos abordar especificamente a infidelidade feminina.
Cultura comportamental
A ideia de traição varia de acordo com a cultura e existem nuances e diferenças que devem ser consideradas. Pode existir um único contato com um ou vários parceiros, pode existir um vínculo afetivo, ou apenas o sexual. O fato é que as mulheres também podem viver diferentes formas de amor. Por exemplo, a poligamia constitui a possibilidade de uma mulher se relacionar afetiva e sexualmente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, de forma autorizada, consensual e legal (do ponto de lista da lei). No entanto, ainda como o padrão dominante em nosso País, esse modelo de relacionamento não acontece com tanta frequência.
A internet facilitou o encontro e a comunicação mais rápida e eficiente entre pessoas que buscam se relacionar. Hoje em dia, existem sites de relacionamento exclusivos para indivíduos casados que querem trair – e vale considerar que grande parcela de usuários cadastrados é de brasileiros. Estudos sobre infidelidade mostram que homens e mulheres têm comportamentos similares. No entanto, o homem tende a focar mais no sexo e a mulher na relação afetiva. As mulheres querem afeto, escuta, sentir-se especial, intimidade, mais romance, carinho e sexo mais prazeroso.
Estudos sobre os motivos da infidelidade realizados por Martins, em 2012, com uma amostra de 495 portugueses, apontou que a grande maioria das mulheres justificam a infidelidade em função da infelicidade na relação. No Brasil, pesquisa on-line realizada com 276 pessoas revelou que as possíveis traições têm como motivação a curiosidade para experimentar outro relacionamento; o desgaste da relação marido e mulher; carência afetiva e/ou sexual; falta de comprometimento na relação e, por fim, autodefesa de uma possível traição. Observamos que as mulheres infiéis tendem a buscar justificativas que as ajudem a não se sentirem tão culpadas.
Estudos realizados por M. P. Fisher, R. W. Libby e G.D. Nass apontaram que 45% a 55% das esposas começam a ter um relacionamento extraconjugal aos 40 anos idade. Já A. Thompson destaca que o grau do envolvimento emocional, identidade do parceiro e a natureza das práticas sexuais são questões que impactam na infidelidade.
Causa e efeito
Para entender porquê as mulheres traem, não podemos pensar em infidelidade como causa e efeito de um modo simplista e, sim, como um fenômeno relacional e complexo, que compreende aspectos pessoais, relacionais, situacionais e intergeracionais.
A mudança do papel das mulheres em nossa sociedade, em consequência da revolução sexual, da libertação feminina e do surgimento dos métodos contraceptivos, contribuiu com a possibilidade de fazerem suas próprias escolhas e isso inclui decidir em como vão viver seus relacionamentos afetivos e sexuais, independentemente de ser proibido ou não – até porque a impossibilidade e o proibido favorecem a paixão. Hoje, as mulheres possuem seus próprios valores, mais autonomia e independência financeira, mais clareza de seus direitos e de seus desejos e mais liberdade para viver suas escolhas, dentre elas, possíveis traições.
Alguns estudos demonstram que a paixão não tende a durar mais do que quatro anos e entendemos, também, que relacionamentos de média e longa duração tendem a entrar numa zona de conforto, na qual a empolgação e os aspectos químicos ou fisiológicos podem interferir na qualidade da relação. Vale destacar, ainda, a tendência para a idealização do amor romântico, que busca viver relações com expectativas em se manter a paixão e o desejo sexual em alta. Nós, do Instituto do Casal, enfatizamos a necessidade de as pessoas investirem e reconstruírem o amor periodicamente. E o sexo, dentro desse modelo, precisa de muita atenção. Os casais precisam cultivar espaços de intimidade, onde o aspecto erótico, muitas vezes, precisa ser convocado e convidado a fazer parte. Como queixa frequente, percebemos a redução da libido em muitos casais e, nesse contexto, sugerimos encontros programados na agenda para estabelecer intimidade e frequência sexual.
Segundo plano
Algumas fases do ciclo vital de uma relação interferem de forma mais direta nas mulheres, podendo gerar estresse. As fases denominadas “famílias com filhos pequenos”, “famílias com filhos adolescentes” e “lançando os filhos para vida” impactam no seu modo de viver, pois a prioridade está no papel de mãe, e ela, enquanto mulher, fica em segundo plano.
Situações inesperadas, que fogem do controle, como acidentes, mortes, doenças e dificuldade nas relações familiares podem contribuir para que a mulher se reposicione em seu casamento e busque se reinventar. A infidelidade pode aparecer, nesse contexto, como ressignificação da vida e de suas relações.
Alguns casais decidem continuar juntos após a traição por diversos motivos: social, familiar, financeiro ou profissional, os quais satisfazem a imagem necessária, como uma espécie de acordo tácito. Por outro lado, a infidelidade pode trazer conflitos e ser angustiante quando a mulher se sente dividida e vivendo duas histórias.
A descoberta
Descobrir e enfrentar a infidelidade é muito difícil, dolorida, podendo ser quase trágica. É complicado para ambos, tanto para quem traiu como para quem foi traído. Geralmente, nossa sociedade acolhe a vítima, ou seja, o traído, que por sua vez passa por um sentimento de luto, podendo desenvolver sintomas físicos como perda de apetite, de sono, sensação de vazio e até um estresse pós-traumático. Pessoas que vivem um modelo de relação simbiótica, ou seja, o “eu” não existe ou é confundido com o nós, podem sofrer mais.
Durante a descoberta da infidelidade, a relação pode passar por uma crise que gera ansiedade, angústia, medo, perda de controle, rejeição, baixa autoestima, medo do abandono, estresse, insegurança, desconstrução de projetos futuros, distúrbio do sono, depressão… Mesmo com todos esses sintomas difíceis de serem vividos, pode surgir a oportunidade de um olhar para o outro, estabelecer uma relação sincera e com diálogo franco. Ao rever os sentimentos e mágoas, é possível até reconstruir esse casamento/relacionamento em um novo formato, mais atualizado. Quando a pessoa traída tem uma elevada autoestima, ela lida com a infidelidade de uma forma menos traumática. Um estudo mostrou que 15% dos casais com boa autoestima continuavam juntos, apesar da traição – e tanto o estresse, quanto às dificuldades emocionais, eram menores e melhor elaborados.
Ressignificar a relação
A terapia é uma ferramenta de promoção de saúde emocional para os casais. A decisão sobre se irão permanecer juntos com novos acordos ou vão enfrentar um rompimento será exclusivamente do casal. Pela minha experiência clínica, percebo que boa parte dos cônjuges opta por ressignificar a relação e enxergar a infidelidade como uma nova possibilidade de reescrever suas histórias. Na terapia, muitas vezes, esses casais conseguem elaborar e perdoar, buscando qualidade e boa convivência para fortalecer a relação. O perdão é algo importante para saúde mental quando existe infidelidade. E isso vale tanto para a decisão de ficarem juntos ou não.
Para quem opta pela separação, nós, terapeutas do Instituto do Casal, ocupamos um lugar de mediadores para que essa decisão seja vivida de maneira mais racional e amigável possível.
A equação nunca é exata
Existem os mitos de que a mulher é infiel quando não ama mais, quando está infeliz no casamento ou quando falta alguma coisa importante. O fato é que a mulher pode estar feliz na relação e consigo mesma e escolher viver uma traição. Muitas vezes, surge um envolvimento no qual ela não consegue controlar, o desejo ganha da censura e o impulso prevalece. Emoção e razão são uma equação presente em todo momento da vida, e isso pode gerar desconfortos e sensação de confusão, dependendo dos valores que constitui a vida da pessoa.
O que percebemos, em nossos estudos e pesquisas, é que ainda hoje, em pleno século XXI, a sociedade tende a penalizar mais o adultério feminino. O perdão das mulheres em relação a um comportamento infiel ainda é mais facilmente alcançado do que o perdão dos homens quando são atingidos por uma traição. No processo terapêutico, nosso objetivo é construir um espaço para que o casal possa revisitar sua história e se co-responsabilizar pela forma como se encontram. A partir disso, tomar a decisão em como prosseguir: separados ou juntos, estabelecendo novos acordos nessa jornada singular de suas relações.