Talvez você já tenha ouvido falar no livro motivacional Quem mexeu no meu Queijo, de Spencer Johnson (2000). É um clássico no tema dos paradigmas e de como nos engessamos em soluções para nossos problemas que, sim, atendem em determinado momento, mas que podem nos atrapalhar se não somos capazes de flexibilizar nossas atitudes e procurar novas soluções.

Se você não leu, aqui vai um resumo. Na história, há quatro personagens que diariamente precisam encontrar o Queijo em um labirinto. O Queijo é a metáfora que representa tudo aquilo que você deseja ter. Os personagens são dois ratinhos, chamados Sniff e Scurry, e dois duendes, chamados Hem e Haw. Assim, eles diariamente saem de suas casas e sempre encontram o que precisam no posto de Queijo C, que possui uma enorme reserva de Queijo. Todos avaliam que o que é oferecido no posto de Queijo C será suficiente para sempre, e não se preocupam em procurar em outros locais pois, afinal, não têm necessidade.

Ocorre que um dia, ao chegarem no posto de Queijo C, se dão conta de que o Queijo acabou. Entre a surpresa e o espanto da nova situação, os dois ratinhos saem imediatamente para procurar outro posto de Queijo no labirinto, pois agem de forma mais instintiva. Hem e Haw, porém, ficam tristes e chorosos, e não sabem o que fazer. Um deles se arma de coragem e resolve procurar outro posto de Queijo no labirinto, enquanto o outro fica atordoado e não consegue ir procurar outro posto de Queijo, e fica imobilizado.

O “Queijo” na prática educativa

Todos nós já ouvimos falar da tal “zona do conforto”. Nela, não precisamos achar novos Queijos, pois nossas necessidades são atendidas pelo que usamos atualmente. Afinal, se o “posto de Queijo C” atende às nossas necessidades, por que procurar outro? Faz total sentido. Amores, trabalho, comida, metodologias e técnicas diferenciadas de ensino, nós só procuramos algo novo se o que se apresenta atualmente não está satisfazendo nossas necessidades, ou se apresenta de forma insuficiente ou ineficaz.

Heron Beresford (2009), ao falar sobre valor, relata que somente nos movemos para algo ou para uma direção quando estamos em estado de carência, de privação ou de vacuidade. Em outras palavras, são as nossas necessidades que nos movem, que ativam nosso interesse e que nos impelem a procurar algo, pois que passamos a dar valor àquilo que nos falta.

Mas, prosseguindo na metáfora, sobre o nosso “Queijo – ministrar aulas como sempre fiz”. Será que mofará?  E se os alunos não gostam mais deste “Queijo” que lhes oferecemos, ou simplesmente estão enjoados, pois ele não “cheira” mais tão bem? Se fizermos como um dos duendes, e ficarmos parados nos lamentando, iremos ficar obsoletos. Porém, sair da “zona de conforto” para algo desconhecido e que requer novos hábitos não é algo tão fácil, demanda investimento emocional, esforço e, talvez o mais difícil, a necessidade de entrarmos em terreno desconhecido, abandonando a “segurança” do que já fazemos. Na velha batalha cerebral entre a amígdala e o córtex pré-frontal, um mesmo estímulo pode nos fazer “travar” ou mover em direção a algo novo, dependendo de como, cognitiva e afetivamente, encaramos os desafios.

Educação e pandemia

A pandemia do novo coronavírus trouxe, de forma súbita e inesperada, a interrupção do ensino presencial pelo mundo e, além disso, uma nova necessidade: aulas por ensino remoto, tirando todos de forma abrupta de suas “zonas de conforto”. E, assim, redes de ensino, escolas, professores, alunos e responsáveis se viram envolvidos em algo desconhecido para a maioria, tanto em termos das técnicas a se utilizar, quanto em termos dos possíveis resultados a serem alcançados. Todos tiveram que se adaptar, da forma possível, para não interromper totalmente o ano letivo. Levando em conta que o processo ensino-aprendizagem tem, como um de seus fundamentos, o planejamento de curto, médio e longo prazos, fica bastante claro que as adaptações e propostas de mudança emergenciais deixam muitas dúvidas quanto à forma de implementação e quais modelos podem ser usados com melhores resultados, além, é claro, do estresse e ansiedade de todos os envolvidos no processo (da família à escola).

Propostas para mudanças

Mas vamos supor que você é uma daquelas pessoas que já está enjoada do seu próprio “Queijo” e procura por mudanças, ou que teve que fazê-lo forçadamente devido à pandemia. Um primeiro aspecto é a necessidade de atualização no campo da Neurociência Pedagógica, em que você encontrará novo conhecimento e novas possibilidades de repensar a sua prática. Outra possibilidade é o aprendizado de novas práticas online, que envolvem a preparação de aulas e o uso de plataformas educacionais (CODEA, 2019).

Crise é sinônimo de oportunidade. Você tem, neste momento, uma oportunidade sem igual de mudar o seu “Queijo”. Aproveite!!!

E mais…

Boas ferramentas precisam ser bem utilizadas 

A tecnologia oferece uma vasta gama de possibilidades, mas ela não é nada sem a combinação da ousadia, criatividade e vontade de fazer diferente.

1 – Ensino Remoto não é o mesmo que Aula Presencial – este aspecto parece ser de uma obviedade ululante, mas esta percepção não é tão automática. Quem pretender simplesmente reproduzir a aula presencial no formato online vai ter uma decepção enorme e grandes problemas. Vejamos algumas características que diferenciam:


a) Tempo de Aula – o tempo da aula online é necessariamente menor, especialmente se o professor primar pela aula expositiva. Há necessidade de mais tempo para as atividades práticas propostas e sua correção e, portanto, o conteúdo a ser ministrado deve ser condensado, e atividades práticas devem ser propostas.


b) Atividade dos Alunos – se na sala de aula presencial já se julga que o aluno deve ser ativo e o centro do processo, no ensino virtual isto se torna obrigatório. Deixar os alunos apenas assistindo passivamente é condenar sua aula ao tédio e ao desperdício. No mínimo, a aula deve ser intensamente dialogal, com provocações do professor para que os alunos participem ativamente.


c) Linguagem Diferenciada – a linguagem a ser utilizada pelo professor deve ser diferente, no sentido de que a atividade online exige mais dinamismo e uma apresentação mais atraente, típica do que é exigido em videoaulas, por exemplo.

2 – Escolha e aprenda sobre a(s) plataformas que irá utilizar – caso sua escola não tenha definido uma plataforma online de uso comum (ou mesmo que tenha), você terá que aprender sobre como utilizar a ferramenta online na comunicação com seus alunos, para que tenha mais tempo e tranquilidade de preparar suas atividades. Uma grande parte das escolas escolheu videoaulas (ao vivo ou editadas), em que o professor ministra a aula para seus alunos, que assistem de celular, tablet ou por computador. Outras incorporaram plataformas de jogos (gamificação). Também foram produzidos, no caso de grandes redes de ensino, materiais impressos para os alunos sem acesso ao meio virtual. Se precisar de apoio, a Plataforma MEC de Recursos Educacionais Digitais (BRASIL, 2020) possui ampla coleção de atividades propostas por especialistas e pelos próprios usuários (https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home#collections).

3 – Há Diversas Ferramentas Online Disponíveis

  1. Videoaulas – caso resolva (ou tenha que) gravar videoaulas, uma ferramenta recomendada, gratuita e relativamente simples de usar: o OBS Studio (https://obsproject.com/pt-br/download). Ela serve tanto para gravar aulas editadas quanto para realizar lives, e possui diversas opções poderosas de edição. Para aprender a usar, você pode assistir videoaulas sobre o OBS e no mesmo dia já começa a usar. Dica: grave videoaulas curtas. Os alunos, de uma forma geral, têm pouca tolerância para vídeos longos. É melhor várias videoaulas curtas do que uma longa. Não esqueça de propor atividades práticas ao longo ou ao final do vídeo.


b) Aulas “ao vivo” – aqui o professor interage diretamente com seus alunos usando uma plataforma, como o Zoom, Microsoft Teams ou Google Meeting, entre muitas outras disponíveis. Neste formato, é interessante que você intercale sua fala com a dos alunos, e os estimule a participar, inclusive propondo diretamente atividades práticas de solução de problemas, conforme o conteúdo que estiver ministrando. É neste momento que você pode tornar sua aula dinâmica e interessante. Fique em contato com seus alunos constantemente durante sua aula, estimulando a participação e desafiando a solucionar os problemas apresentados.


c) Jogos online – o uso de plataformas de jogos online, como o Kahoot ou AhaSlides pode dinamizar sua aula, por meio de jogos colaborativos com questões personalizadas e resultado fornecido pela própria plataforma. Se preferir pesquisar, há uma multiplicidade de atividades disponíveis no Portal do Professor (BRASIL, 2020a),  disponível no endereço http://portaldoprofessor.mec.gov.br/link.html?categoria=258.

d) Aceite propostas dos alunos – em muitos casos, os alunos já conhecem ou já utilizam determinadas plataformas de jogos ou ferramentas virtuais específicas. Aceitar e utilizar as recomendações dos alunos pode  motivá-los a participar das aulas, além de estimular a autorregulação e autonomia.

Referências
BERESFORD, Heron. Valor: saiba o que é. 2.ed. Rio de Janeiro: Shape, 2009.
BRASIL. MEC – Ministério da Educação. [Recurso Digital]. Plataforma MEC de Recursos Educacionais Digitais. Disponível em: <https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home#collections>. Acesso em 13/07/2020.
BRASIL. MEC – Ministério da Educação. [Recurso Digital]. Portal do Professor. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/link.html?categoria=258>. Acesso em 13/07/2020a.
CODEA, André Luiz de Britto Teles. Neurodidática: fundamentos e princípios. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2019.
JOHNSON, Spencer. Quem mexeu no meu Queijo? 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
KHUN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5.ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.