Durante um bom tempo em nossas vidas, investimos a maior parte de nós nas relações afetivas íntimas, exceto quando o medo de se relacionar e os riscos paralisam a capacidade de amar. A pessoa fica em cima do muro: não sente tristeza e nem felicidade.
Investir em um relacionamento e se permitir viver com uma pessoa durante um tempo requer disponibilidade afetiva, expectativas, trocas emocionais e intimidade. Algumas pessoas confundem intimidade com invasão e controle sobre a vida do outro.
Afinal, o que é intimidade?
É se permitir se aproximar, se deixar conhecer e vice-versa. É um lugar de segurança emocional onde se pode compartilhar as fragilidades, valores, alegrias e projetos. Cada pessoa desse par amoroso é uma personalidade com um mundo singular com experiências boas e ruins na bagagem. Ao longo do relacionamento, e através do investimento libidinal, essas experiências vão se entrelaçando e se revelando em vários aspectos da própria experiência juntos.
Quando, ao longo de um relacionamento e da intimidade, prevalecem os sentimentos bons e positivos, a relação tende a prosseguir. Quando não se percebe esses pontos, a relação é mais estática. Mas, quando surgem muitos conflitos, onde prevalecem os sentimentos negativos, nesse momento se desenvolve uma incongruência.
Esse paradoxo conflitante passa a ser motor da relação até que se crie um vínculo destrutivo de carga emocional negativa, transformando em intimidade negativa, que é aquela que se utiliza da proximidade e do saber sobre o outro de forma agressiva e, portanto, nociva, para atingir e não para construir.
Componentes celulares inconscientes
A maioria dos relacionamentos findam quando a história a dois e o equilíbrio do casal culminou em uma intimidade negativa sem a prevalência da intimidade positiva e saudável. Conduzir uma separação com resoluções construtivas é tarefa cuidadosa porque se trata de um investimento afetivo. Esse processo de retirada do investimento afetivo é delicado e muito particular; deve ser levado em conta muitos aspectos, como a dependência negativa e as (re)-atualizações de antigas separações.
É o que chamamos de luto. Quando esse luto não é bem elaborado, é como se a pessoa ficasse com partes do outro de forma desarrumada dentro dela, numa espécie de melancolia; e o tempo todo, como um refluxo, isso retorna a superfície. A consequência disso é o “vômito” de seus sentimentos mal elaborados arremessados na vida do outro. Muitos casais se separam fisicamente, mas não afetivamente, permanecem com “componentes celulares” inconscientes, agindo de forma obscura.
Relacionamento é risco e é aposta; é intimidade progressiva entre duas pessoas que deveriam ser inteiras, e não metades, em busca de sua outra parte. Se não tem filhos, fica um pouco menos complicado, mas quando há filhos envolvidos, esse elo se permanecerá, entretanto, haverá necessidade da retirada da intimidade outrora existente. Nada pior que ficar preso emocionalmente em uma relação que terminou.
Algumas pessoas, equivocadamente, chamam isso de amor; se apegam ao vitimismo e apresentam muitas dificuldades nesse processo de retorno da libido ao próprio eu. Amor é outra coisa, amor é um sentimento potencializador e fértil que impulsiona a vida.
Crescimento para ambos
Aquela pessoa com quem um dia dividiu a vida e os sonhos, também fará a retirada da libido para navegar em outros mares. É preciso juntar os restos com dignidade e amor próprio, e trabalhar na construção de uma relação saudável e de crescimento para ambos. Esse tipo de recuo poderá ajudar a separar os papéis de parceiros, amantes e pais. O propósito deverá ser trabalhar na construção de uma relação funcional parental, uma relação que deverá ser encarada como totalmente nova em um novo contexto.
A dificuldade em recuar, encontrada em algumas pessoas que insistem na intimidade e no controle com o(a) ex companheiro(a) que já não existe, revela aspectos mal elaborados na retirada da libido (esse investimento afetivo), bem como aspectos relacionados a dificuldade em fazer luto, problemas com a autoestima, insegurança, inveja, amor próprio, entre outros, que podem ser tratados com acompanhamento psicológico.
Afinal, a relação precisa ser de dois, inclusive quando ela termina. Não é à toa que dizem por aí que “quando um não quer, dois não brigam”.