Quando o paciente procura o consultório e alega estar se sentindo apático, triste, cansado, sem vontade de socializar, dormindo demais ou de menos, muito negativo, vendo tudo meio cinza, logo pensamos numa depressão. No entanto, é sempre necessária uma investigação mais ampla para saber, por exemplo, como é o seu trabalho, se ele gosta do que faz, se o ambiente laboral lhe agrada. As respostas podem levar a um outro diagnóstico: síndrome de Burnout.
Apesar de ter sido abordada pelo escritor e jornalista britânico Graham Greene no romance A Burn-out Case, em 1960, essa síndrome foi descrita pela primeira vez, em 1974, pelo psicólogo germano-americano Herbert J. Freudenberger e traduz o que podemos chamar de “esgotamento profissional”. Esse nome significa “queimar até o fim”, assim como um fusível sem energia alguma ou uma vela que derreteu.
É o estado físico e mental de exaustão em razão da alta demanda emocional no ambiente laboral. Vale dizer, é uma síndrome decorrente do estresse crônico no local de trabalho, que não foi bem gerenciado pelo empregado. A verdade é que essa síndrome acompanha a humanidade desde que se estabeleceu uma relação de trabalho. No entanto, apenas foi identificada e denominada mais recentemente.
Há coisas em comum com a depressão, como cansaço, tristeza, isolamento e até suicídio. O diferencial da síndrome em relação à depressão é que, quando o trabalhador é afastado e retorna ao trabalho, os sintomas reaparecem, pois seu emprego é que o adoece. Por isso, a síndrome exige não apenas tratamento medicamentoso, mas também terapêutico, por meio do qual a pessoa irá buscar uma maneira saudável de lidar com o trabalho, lançar um novo olhar para as questões que envolvem o ambiente laboral, criar novos hábitos e administrar melhor as emoções que a oprimem.
Tipo diferenciado de patologia
Para alguns autores, a Burnout é uma condição depressiva, uma espécie de depressão; para outros – corrente majoritária – a Burnout é um tipo diferenciado de patologia que tem como cerne o trabalho. Daí a necessidade de se investigar se os sintomas que o paciente relata têm ligação com a atividade laboral. Caso a resposta seja positiva, o tratamento deverá ser direcionado para ajudá-lo a lidar melhorcom as ocorrências do trabalho, não sendo suficiente mero afastamento temporário ou tratamento com remédios.
Os fatores de risco são individuais, ou seja, dizem respeito à natureza e história de cada um, como o estilo de vida (se usa droga, álcool), se faz atividade física, se tem atividade de lazer e nível de interação e conexão social. Os traços de personalidade de cada indivíduo pesam para o desenvolvimento e a evolução da síndrome. Também deve ser considerada a “resiliência” de cada indivíduo, isto é, a capacidade de recuperação e manutenção do comportamento adaptativo quando a pessoa se depara com eventos estressantes. É preciso levar em conta que agentes estressores serão mais capazes de desencadear a síndrome quanto menos resiliente for a pessoa. Isto explica por quê um empregado demitido cai em depressão e outro, na mesma situação, consegue reagir e trabalhar com aplicativo de transporte, por exemplo.
Fatores de risco
Há fatores de risco próprios da organização do trabalho, tais como: se o sujeito é amparado, se há constante sobrecarga de horário, se existe bom relacionamento com chefes e colegas, se possui autonomia e poder de deliberação no trabalho etc.
A verdade é que não são raros os pacientes que chegam ao consultório reclamando das condições de trabalho. Eles se queixam, por exemplo, da falta de reconhecimento, de oportunidade de promoção, de ameaça de demissão diante de cortes constantes na empresa, de salários baixos que não condizem com o grau de desempenho e responsabilidade ou, ainda, de terem chefes abusivos que gritam e fazem colocações vexatórias.
Gostaríamos de acrescentar um outro fator de risco e que bem pode ajudar a desencadear a síndrome: indivíduos que não gostam da atividade que exercem. A realidade é que uma grande parcela da população trabalha pelo salário, para que possa se manter e à sua família. Ocorre que quando esta condição perdura por muito tempo, esse pode ser mais um motivo para o aparecimento da síndrome, que é uma das causas mais recorrentes de afastamento do trabalho na atualidade, atingindo mais fortemente os professores, os profissionais da saúde e os agentes de polícia.
Estatisticamente, também atinge mais mulheres do que homens, seja em razão da jornada dupla, em muitos casos, com os afazeres da casa e dos filhos; seja pelas próprias condições do mercado de trabalho em que, ainda hoje, as mulheres recebem menores salários e muitas vezes têm que “mostrar muito mais serviço” do que os homens para serem reconhecidas, obterem promoções ou ocuparem cargos de destaque.
Soluções aplicadas
E o que pode ser feito para aliviar os sintomas da síndrome? O empregador pode realizar alterações no ambiente de trabalho, tais como a educação sobre a Burnout, integração da equipe, apoio mútuo e redução da tensão. O empregado, por sua vez, deve buscar o trabalho terapêutico, propiciando alterações na sua atuação e comportamento, fortalecendo seus mecanismos de adaptação, de resiliência. O trabalhador pode buscar estratégias voltadas para aquisição de valores positivos em eventos negativos, estabelecer hábitos saudáveis de alimentação, praticar atividades físicas, administrar melhor o tempo no trabalho, aprender a lidar com as solicitações urgentes e demandas inesperadas. Ele pode, ainda, desenvolver a capacidade de “dizer não”, deixando de abraçar tudo o que lhe chega às mãos, aprendendo a lidar com o perfeccionismo, organizando a rotina de trabalho, priorizando outras áreas da vida.
Para finalizar, entendemos que também (embora nem sempre possível) realizar atividades que gerem prazer é fundamental para que o indivíduo tenha uma relação de trabalho saudável do ponto de vista emocional.
Os sintomas da síndrome
São vários: de esgotamento ou exaustão emocional; sensação de falta de energia; dificuldade de concentração; diminuição da atenção e memória; mudança brusca de humor, pensamentos lentos; sentimentos de solidão e impotência; apatia; agressividade; pessimismo; impaciência; perda de interesse no trabalho e coisas em geral; problemas de sono; insatisfação profissional; tristeza; isolamento; despersonalização (caracterizada pelo distanciamento emocional em relação aos chefes e aos colegas de trabalho).
Também podem aparecer sintomas no corpo, como taquicardia e ansiedade quando a caminho do trabalho; dores de cabeça e no corpo sem causa aparente; fraqueza; cansaço; alteração no apetite; náuseas; vômitos; gastrites e úlceras; tonturas; tremores.
É possível perceber que a síndrome tem elementos comuns com o estresse, como sensação de compressão e angústia. Mas, diferentemente do estresse propriamente dito, os sintomas da síndrome de Burnout se prolongam por semanas ou meses e, progressivamente, o trabalhador se sente esgotado.