Um dos assuntos mais badalados dos últimos anos, impulsionado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), implantada em 2018, são as Competências Socioemocionais (CS). Parece um tema novo, mas na verdade é mais um assunto redescoberto e rearticulado, pois muitas das competências já estão presentes em trabalhos de vários estudiosos famosos, que vem desde Johanson Pestalozzi, passando por Maria Montessori, Jean Piaget, Lev Vigotski, David Ausubel, Henri Wallon, entre vários outros, que abordam de perspectivas diferentes o tema da afetividade e suas implicações na aprendizagem.

Esse assunto já convive com a escola e sua comunidade há bom tempo e, cada vez mais, se torna urgente abordá-los e enfrentá-los, tendo em vista a perspectiva de uma Educação Integral, preconizada pela BNCC. Trata-se, primordialmente, de preparar esse aluno para ser um cidadão efetivo, produtivo e participante em sua sociedade. Trata-se, por fim, de prepará-lo para a vida.

Funções executivas do cérebro

As CS constituem um conjuntos de habilidades que desenvolvemos para lidar com nossas emoções. Tais habilidades têm relação com o desenvolvimento das funções executivas do cérebro, que estão diretamente ligadas à interlocução entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico. Embora, superficialmente, as funções executivas pareçam isentas de emoções, na verdade todas elas são integradas e dependem das emoções. Assim, funções como atenção, memória de trabalho, percepção, planejamento, antecipação, controle, decisão, flexibilização, execução, ideação e metacognição são todas necessariamente dependentes das emoções e suas vertentes, como a motivação e a empatia.

CS são apenas um conjunto de competências das que são consideradas essenciais para a educação, conforme já descrito na própria BNCC. No entanto, em minha opinião, constituem a base necessária para uma educação efetiva de qualidade. Não é por menos que há tanta ênfase nas CS na última década, tanto que estão direta ou indiretamente embutidas nas Competências Gerais da BNCC.

Como aplicar a CS na escola?

Insisto sempre em dizer que não há aplicação de programas com sucesso dentro da escola sem o devido planejamento que envolva toda a comunidade escolar e o efetivo engajamento de seus membros. Também não vejo sucesso sem a devida participação da família. Em termos gerais, posso afirmar, como ex-gestor de escola, que sem um Projeto Político Pedagógico efetivo, qualquer tentativa isolada produz apenas efeitos isolados. O material referenciado no link nº 6 das referências pode auxiliar nesse processo, especial no item “Como trabalhar em Sala de Aula?, ao final do artigo.

Outra questão importante a frisar diz respeito à preparação e formação dos professores. Essa é uma questão vital para uma prática pedagógica baseada nas CS, que venha a ter sucesso. Não se pode pressupor que o professor sabe o que são as CS, e muito menos trabalhar com ela. Portanto, cabe à coordenação pedagógica e/ou ao sistema de ensino promover tal formação para que o trabalho seja eficaz.

Dito isto, quais são as formas apontadas para uma aplicação eficaz das CS nas Escolas? Aqui seguem algumas sugestões.

1 – INCENTIVE UM AMBIENTE ESCOLAR ACOLHEDOR, por meio da formação de vínculos entre a comunidade escolar e a formação de valores saudáveis e princípios positivos. Isso se faz através do diálogo e da escuta de professores e da escola como um todo, auxiliando na formação social do aluno. Neste sentido, torna-se fundamental o papel do professor no uso da empatia e de sua sensibilidade emocional para promover um ambiente saudável e seguro para as manifestações dos alunos como elementos participativos e construtivos de sua própria aprendizagem.

2 – USE METODOLOGIAS ATIVAS E ALINHADAS COM AS CS, em que o professor recicle suas formas de ensinar e aprender (mais uma vez, necessita de formação) e que atue com base em métodos e ideias que estimulem as CS nos alunos. Neste sentido, indico a leitura do material do Instituto Ayrton Senna, no link nº 3 das referências. Ele apresenta, ao final do item “O que são as Competências Socioemocionais”, ideias para desenvolvê-las. É um bom ponto de partida para pensar na prática as CS. O uso de jogos é totalmente recomendado neste aspecto, especialmente os baseados nas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação).

3 – PLANEJE SUAS AULAS COM BASE NAS CS, perpassando atividades que trabalhem a competência juntamente com o conteúdo a ser ministrado, em uma espécie de ensino transversal. Preferencialmente, estas atividades devem ser desenvolvidas em grupo, que constituem um meio eficaz de trabalhar questões entre os alunos e discutir soluções, como nos modelos que apresentamos aqui mesmo na Coluna Neurodidática, no artigo “Aprendizagem Baseada em Problemas”.

Tais atividades, portanto, devem fugir da forma tradicional de ensinar, e é necessário que seja feito em todas as disciplinas da escola, em especial no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio, em que as disciplinas são ministradas por diferentes professores. No Ensino Fundamental I, com a mesma professora ensinando as diversas disciplinas, tal necessidade ainda existe, tendo em vista a possibilidade de trabalho conjunto entre a professora da turma e professores de disciplinas como Educação Física, Artes, Língua Estrangeira e Música. Claro que, se a escola já estiver adotando um sistema diferente de ensino, não baseado em disciplinas e/ou séries, tanto melhor.

4 – COMECE TRABALHANDO AS CS MAIS NECESSÁRIAS, o que exige, claramente, um diagnóstico da situação da escola em relação aos problemas mais comuns. Por exemplo, se você tem o bullying presente em alto grau dentro da escola, pode optar por desenvolver prioritariamente as CS Empatia, Assertividade e Iniciativa Social, Responsabilidade, Autocontrole e Respeito, além de fazer um trabalho específico contra a passividade característica de quem assiste aos episódios de bullying. Em todo caso, torna-se sempre necessário uma priorização para que as CS escolhidas atinjam mais eficazmente os objetivos traçados dentro do diagnóstico, proporcionando resultados positivos mais efetivos.

Trabalhar a CS realmente dá resultado?

Já há relatos bem consistentes de resultados advindos do trabalho com as CS nas escolas. Um material interessante (e longo) neste sentido aborda várias experiências nacionais e internacionais, e resultados de pesquisas, e está no link nº 8 das referências. De forma geral, podemos resumir os resultados da seguinte forma, considerando que alunos com as CS mais desenvolvidas tendem a:

  • Ter melhor rendimento escolar em geral.
  • Ser mais abertos a novas experiências, o que aumenta o aprendizado.
  • Ter maior sucesso na vida escolar e fora dela, em especial os mais economicamente vulneráveis.
  • Ter mais autoconfiança para vencer suas próprias dificuldades.
  • Tem maior integração com adultos e se tornar capaz de estabelecer diálogo.

E MAIS

Quais são as Competências Socioemocionais?

Em um excelente material produzido pelo Instituto Ayrton Senna, são relatadas dezessete competências organizadas em 5 macrocompetências. Estão assim distribuídas:

  • Autogestão
    • Determinação
    • Organização
    • Foco
    • Persistência
    • Responsabilidade
  • Engajamento com os Outros
    • Iniciativa Social
    • Assertividade
    • Entusiasmo
  • Amabilidade
    • Empatia
    • Respeito
    • Confiança
  • Resiliência Emocional
    • Tolerância ao Estresse
    • Autoconfiança
    • Tolerância à Frustração
  • Abertura ao Novo
    • Curiosidade para Aprender
    • Imaginação Criativa
    • Interesse Artístico

Referências

  1. INSTITUTO NEUROSABER. Funções Executivas: o que são e para que servem. Disponível em: <https://institutoneurosaber.com.br/funcoes-executivas-o-que-sao-e-para-que-servem/#:~:text=Elas%20s%C3%A3o%20respons%C3%A1veis%20pela%20realiza%C3%A7%C3%A3o,sa%C3%BAde%20mental%20e%20vida%20funcional>.  Acesso em: 06/02/2021.
  2. CECÍLIA, Camilo. Qual é a diferença entre as competências gerais da BNCC e as socioemocionais? In: Revista Nova Escola. Disponível em:  <https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2194/qual-e-a-diferenca-entre-as-competencias-gerais-da-bncc-e-as-socioemocionais>. Acesso em: 06/02/2021.
  3. INSTITUTO AYRTON SENNA. Competências Socioemocionais para Contextos de Crise. Disponível em: <https://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/conteudos/estante-do-educador/as-cinco-competencias-socioemocionais-essenciais-para-momentos-de-crise.html>. Acesso em: 07/02/2021.
  4. CODEA, André Luiz de Britto Teles. Neurodidática: fundamentos e princípios. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2019.
  5. SEMIS, Laís. Como Aplicar na Prática as Competências Socioemocionais. In: NOVA ESCOLA. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/11736/para-entender-as-competencias-gerais-da-base-e-as-socioemocionais#_=_>.
  6. SAE DIGITAL. Competências Socioemocionais: o que são e como trabalhar em Sala de Aula. Disponível em: <https://sae.digital/competencias-socioemocionais/>. Acesso em 07/02/2021.
  7. BATISTA, Bruna. 5 Dicas para Trabalhar as Competências Socioemocionais. Disponível em: <https://www.sistemamaxi.com.br/dicas-para-trabalhar-as-competencias-socioemocionais/>. Acesso em: 07/02/2021.
  8. PORVIR. Especial Competências Socioemocionais. Disponível em: <https://socioemocionais.porvir.org/>. Acesso em: 07/02/2021.