No filme ‘As faces de Helen’ (disponível no streaming Amazon Prime Video), acompanhamos Helen (Ashley Judd), uma mãe e musicista que aparentemente tem a vida perfeita, bem-sucedida tanto no trabalho como nos relacionamentos familiares. Até que, em um determinado momento, se vê envolta em uma forte crise depressiva. Notamos a protagonista perdendo o ânimo, com crises de choro e intenso sofrimento, com a manifestação de uma tristeza sem motivo aparente, mas persistente e intensa, caracterizando um quadro depressivo.

Ao Helen parar no hospital, o médico explica ao marido dela, David (Goran Visnjic), os medicamentos que ela irá tomar e a importância de seguir o tratamento. Nesse momento, o marido traz uma fala muito comum para quem não conhece a depressão: “Helen é uma mulher feliz e bem-sucedida, ela adora o trabalho, ela ama a filha”. Essa frase perpetua o estigma da depressão, que associa os sintomas à falta de força de vontade ou à inadequação social e não à presença de humor triste, vazio ou irritável acompanhado de alterações cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo.

Mas para compreendermos a depressão de Helen, precisamos olhar além dela e do filme, compreendendo a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem modelos de tratamento para esse transtorno desde o início. A TCC de Beck evidencia que as emoções, os comportamentos e as reações fisiológicas são influenciados pelas interpretações, além de terem relação na formação de estruturas cognitivas mentais. Na depressão, essas estruturas apresentam conteúdo negativo, com alterações de pensamentos e crenças. Ou seja, a tríade cognitiva (as crenças em relação a si, aos outros/mundo e ao futuro) influencia as interpretações, produzindo pensamentos automáticos negativos.

Podemos compreender melhor a tríade cognitiva de Helen por meio de falas como: “Não consigo fazer nada (visão negativa de si), nunca vão conseguir me fazer melhorar (visão negativa sobre os outros e o mundo), isso (tomar o remédio) nunca vai melhorar (visão negativa do futuro)”.

Após analisarmos o filme e compreendermos a tríade cognitiva de Helen, podemos enquadrá-la em um transtorno depressivo maior uma vez que apresenta várias características dele, como: choro fácil, evitação de lugares públicos, perda de interesse ou prazer em atividades que lhe davam prazer (como dar aulas e tocar piano), perda de peso, insônia, irritabilidade, sentimento de vazio, de inutilidade e culpa, falta de concentração, perda de interesse sexual e tentativa de suicídio.

No filme, obtemos a informação de que Helen já apresentou um quadro similar antes, caracterizando uma depressão crônica, que acontece durante um longo período de tempo, com remissão dos sintomas e recaídas, especialmente se não há adesão ao tratamento, como é o caso da protagonista. Além de tudo isso, ainda temos distorções cognitivas presentes em diversos transtornos, inclusive na depressão, causando a interpretação errada de eventos vividos, contribuindo para a manutenção do quadro depressivo, com uma crença de “nada que eu faço é coreto”.

Alguns recortes do filme ilustram as distorções cognitivas de Helen, como afastar a filha achando que ela estará melhor longe, ou não querendo falar sobre seu passado, pois não iriam querer ouvir, chegando a conclusões sem evidências desconsiderando outras possibilidades. Ou o momento em que se sentia culpada por estar internada em vez de dando aula, avaliando como poderia ter sido, ignorando o que realmente é. Bem como a catastrofização de que o pior de uma situação vai acontecer sem avaliar a realidade, ou assumindo rótulos inflexíveis, desconsiderando os aspectos positivos.

Diagnóstico

Segundo o ‘Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais’ (DSM), para o diagnóstico do transtorno depressivo maior, mais de cinco dos seguintes sintomas devem estar presentes quase todos os dias durante o mesmo período de duas semanas e um deles deve ser humor deprimido ou perda de interesse ou prazer: humor deprimido durante a maior parte do dia; diminuição acentuada do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades durante a maior parte do dia; diminuição ou aumento do apetite; insônia (muitas vezes insônia de manutenção do sono) ou hipersonia; agitação ou atraso psicomotor observado por outros; fadiga ou perda de energia; sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada; capacidade diminuída de pensar, concentrar-se ou indecisão; pensamentos recorrentes de morte ou suicídio, tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer suicídio.

TCC

Agora que entendemos um pouco melhor sobre o transtorno representado no filme, podemos pensar qual tratamento eficaz para essa paciente? O tratamento padrão-ouro é a TCC. Mas como estruturamos uma sessão e trabalhamos com pacientes depressivos?

As sessões podem ser montadas com avaliação do caso, identificando os problemas e quais técnicas podem ser usadas. Psicoeducação sobre os pensamentos automáticos e como manejá-los, avaliando se são saudáveis ou não, os corrigindo conforme a realidade. Além do trabalho envolvendo a relação terapêutica e a rede de apoio, facilitando a adesão ao tratamento com algumas técnicas, como: checagem do humor; checar sintomas e experiências da semana; utilização de recursos metacognitivos; automonitoramento; treinamento de habilidades sociais e outros.

Faz-se necessário salientar a importância da prevenção de recaídas com o paciente. Ficou interessado em saber mais sobre como auxiliar pacientes com essa demanda? Confira os seguintes livros da Sinopsys Editora: O que você precisa saber sobre depressão e tem medo de perguntar e Psicopatologia do adulto e do envelhecimento: atualização e prática clínica. Conheça também o Baralho da ativação comportamental: combatendo a depressão e resgatando o prazer de viver sem exageros.