Temos assistido nestes últimos anos o acirramento na política que se traduz sim no que podemos chamar de fanatismo.
Segundo o dicionário Aurélio, fanático é aquele que segue cegamente uma doutrina ou partido, o termo não está ligado unicamente a doutrinas políticas ou religiosas, pois tudo aquilo que leva o indivíduo ao exagero é considerado como forma de fanatismo.
Pois bem, verificamos um excesso na defesa dos políticos, dos partidos, dos valores que eles pregam e dizem defender. Qual o problema disso? Bem, o primeiro deles é que cegos, deixamos de escutar outros pontos de vista, de aceitar contra-argumentos, e, pior, nos pomos a tentar convencer, converter o outro para aceitar aquilo que passamos a crer.
Opiniões diferentes
É, de fato, não conseguir conviver com a diferença, é não admitir e respeitar opiniões diferentes, o que é muito nefasto. O excesso faz desaparecer o espírito crítico e aflora a intolerância, além de poder implicar em interpretações equivocadas, claro que positivas, do objeto investido.
Sempre acreditei que é na diferença que mais nos desenvolvemos, que ampliamos nossos horizontes, que crescemos. Quando nos fixamos apenas num ponto de vista sem poder enxergar quaisquer outros, nos limitamos, ficamos obsessivos.
É verdade que seja nas crenças religiosas, seja na política ou em qualquer outra esfera da nossa vida, como num relacionamento amoroso, por exemplo, os apelos e argumentos do outro podem ser poderosos, altamente convincentes a ponto de nos levar ao embarque num trem sem rumo certo.
Verdadeira “armadilha”
Mas para além dessa verdadeira “armadilha”, é preciso que perguntemos por que alguns embarcam no trem e outros apenas o veem partir? Por que alguns sujeitos são pegos nessa “armadilha” e outros não?
Acho que temos que explicar que para todo o excesso há a falta. Todos nós temos falta de algo, ela é inata em cada um de nós. Nos falta a completude, porém, é na falta que emerge o desejo, a demanda, é preciso que haja a falta para que o indivíduo se constitua como sujeito desejante.
Acontece que alguns lidam melhor com suas faltas (frustrações na família, no trabalho, com seu próprio corpo, com os amigos, com seus desejos etc), então estes estarão menos suscetíveis a caírem na armadilha do excesso.
Diante das frustrações
Temos que pensar ainda que alguns, diante de suas frustrações (faltas) adoecem no corpo, caem em depressão, ansiedade.
Já há aqueles que têm maior dificuldade em lidar com suas frustrações e assim excedem, na bebida, nas drogas, no amor, no trabalho, nas crenças, na política. Passam, assim, para não olharem para suas faltas, a investir demasiadamente em um só objeto e aí caem no excesso, tornando-se fanáticos.
Ora, temos muitas coisas para cuidar em nossas vidas, como nossa saúde física e mental, com a prática de exercícios, com o equilíbrio entre o trabalho e o lazer; nossa vida espiritual, com as práticas religiosas; com nosso trabalho para que seja produtivo; com a vida familiar e amorosa, para que haja harmonia e amor; com nossa vida social, no convívio com amigos. Tudo isto precisa de investimento e se estamos investindo apenas numa dessas áreas, fatalmente estaremos em desequilíbrio com as demais.
Pulsão social
Podemos pensar na sublimação, mecanismo de defesa que transforma uma pulsão em algo socialmente aceito. Assim, convertemos nossa energia – libido – que deveria se dirigir a nós mesmos ou a várias áreas de nossa vida, apenas à uma causa de interesse da sociedade, por exemplo.
Se passo a maior parte de meu tempo investindo nas redes sociais, defendendo determinado político e atacando os adversários, estou deixando de lado muitas outras coisas da minha vida. É preciso, assim, pararmos e perguntarmos por que? Para que? Do que não estou cuidando para cuidar disto? O que não estou querendo ver de errado na minha própria vida? Qual ou quais as minhas faltas?
Mais ainda, estou a serviço de uma causa ou de alguém?
Cultura de intolerância
Na atualidade vivemos a cultura de intolerância à falta e à perda, as pessoas devem seguir um padrão de beleza, de comportamento, devem ser felizes. Mas nem tudo em nossas vidas é perfeito não é mesmo? E aí muitas vezes buscamos a completude do que nos falta entrando num trem com destino incerto e passamos a defender algo ou alguém de forma incondicional e nos tornamos crentes de uma verdade absoluta.
O fanatismo não é propriamente uma patologia, mas pode sim trazer prejuízos ao indivíduo, pois o excesso seja em qualquer coisa não é o ideal e pode fazer um estrago na nossa vida, “escondendo ou acentuando a falta”.
O que fazer então?
O primeiro passo é fazer uma avaliação sobre se está excedendo ou não, o que não é difícil. Você acorda e dorme pensando apenas naquele objeto? Passa dias e horas investindo nele? Está deixando de lado outras pessoas, coisas e compromissos da sua vida? Já conflitou ou se separou de pessoas queridas que pensam diferente de você em razão dele?
Bem, se as respostas forem positivas, fique alerta. A partir daí é preciso iniciar um desinvestimento no objeto, processo este que passa pela aceitação de que ele não pode representar a sua vida, não apenas ele. É pensar que não há verdades absolutas, que precisamos sempre ouvir outras opiniões e por mais que discordemos, temos que ao menos respeitá-las. É observar e ter um olhar para nossas faltas, quais as opções para preenchê-las, um olhar para o que desejamos e como fazer para alcançarmos nossos desejos.
É preciso falarmos ainda do pensamento mágico que parece ter relação com o que aqui estamos tratando. É que ele consiste numa tentativa do sujeito escapar às suas frustrações, aos desprazeres da vida, criando quase que uma “realidade paralela” que substitui a realidade externa de modo que é fácil cairmos na armadilha de que “Deus resolverá tudo, basta entregar o problema a ele”, de que “o político x ou y será a solução para todos as questões do país”, de que “serei feliz se o fulano me amar” etc.
Nossa responsabilidade
Não dá para esperar coisas irreais da vida, não dá para não olhar para os erros dos outros ou para acreditar que tudo vai dar sempre certo. Não dá para responsabilizar os outros, nem mesmo Deus, pelo que cabe a nós. Todos temos que fazer nossa parte.
Se estamos doentes, não é suficiente rezar e pedir a Deus pela nossa saúde, é preciso que nos submetamos a um tratamento médico; se queremos um país melhor, não basta depositar num político nossas aspirações, temos que exercer nossa cidadania todos os dias, além de fazermos escolhas boas e conscientes; se esperamos ser felizes, não basta desejarmos ter um relacionamento amoroso, mas sim adotarmos atitudes diárias para termos uma vida mais leve e plena, além de lembrarmos de alimentarmos quaisquer relações todos os dias.
Nossas escolhas definem o grau de nosso bem-estar
O que temos é que na maioria das vezes as soluções de nossos problemas partem primeiramente de nós mesmos e não dos outros e que nossas escolhas é que em regra definem o grau de nosso bem-estar, especialmente emocional.
Fanáticos e ditadores sempre existirão. Reflitamos, assim, com Ariano Suassuna quando disse: “inteligência e fanatismo nunca moraram na mesma casa”.