Ao escreverem o livro ‘Análise e interpretação dos desenhos: utilização dos testes projetivos nas clínicas psicanalítica e psicopedagógica’ (Wak Editora), os autores pensaram em como apresentar a psicanalistas e psicopedagogos ferramentas lúdicas sobre a análise e a interpretação dos desenhos como um instrumento valioso para o olhar de conteúdos psíquicos de crianças, adolescentes e adultos que estejam em sofrimento. Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pelo organizador e autor da obra, Richard Stefanini Munhoz, e pela coautora Andreia Regina Terosso Daluia.

Richard é psicanalista clínico e infantil, especialista em análise e interpretação do desenho, psicopedagogo, neuropsicopedagogo, mestre e doutor em ciências médicas. Andreia é psicanalista clínica e infantil, especialista em análise e interpretação do desenho/testes projetivos e sandplay therapy/psicologia analítica, supervisora em análise e interpretação do desenho, bacharela em terapias integrativas e complementares, docente e coordenadora de estágios da Escola Brasileira de Psicanálise Freudiana.

Como e por que os desenhos podem auxiliar na avaliação dos conteúdos psíquicos de crianças, adolescentes e adultos?

As abordagens projetivas são recursos valiosos para os analistas, pois ajudam a proporcionar uma nova perspectiva ao indivíduo em tratamento que lida com suas questões internas. Esses indivíduos, frequentemente, encontram dificuldades para expressar suas emoções ou a forma como se veem em várias situações do dia a dia. Aí a grande importância da utilização dos desenhos como uma ferramenta facilitadora desse processo psicoterapêutico. O estudo do traçado (aquilo que o sujeito desenha) e da consigna (aquilo que o paciente diz sobre o desenho) revela traços de personalidades das quais o indivíduo, na maioria das vezes, não se dá conta de quem realmente o é e como age em diversas situações.

Como a interpretação dos desenhos pode ajudar pessoas de todas as idades com transtornos mentais?

Os testes projetivos, que se referem à análise e à interpretação de desenhos, têm como principal objetivo fazer com que a pessoa em terapia consiga se observar sob duas perspectivas: internamente e externamente. Isso ocorre da seguinte forma: 1) ao desenhar, o indivíduo manifesta no papel suas emoções e sua percepção de mundo mais profunda, proporcionando assim a possibilidade de explorar seu interior, pois tanto o traço quanto à disposição do desenho no papel revela traços de sua mente; 2) após concluir o desenho, o participante é incentivado a discutir o que criou. Depois de trazer à tona o que estava em seu inconsciente, ele é conduzido a refletir sobre o que realmente enxerga em sua projeção, reconhecendo que, nesse instante, suas explicações ainda contêm elementos de sua psique. Compreendemos que a mente sempre desempenha um papel ativo durante todo o processo.

Dessa maneira, o profissional terá a capacidade de reconhecer transtornos, problemas, obstáculos e carências, ou seja, os fatores reais que estão afetando a mente daquele indivíduo e causando seu sofrimento. Na psicanálise, é possível detectar neuroses, psicoses, perversões e até mesmo autismo por meio da análise e interpretação dos desenhos.

E de que forma pode contribuir no aprendizado na educação infantil?

Somente a partir de 1949, diversos autores passaram a se aprofundar na análise dos desenhos feitos por crianças, criando o campo denominado ‘psicologia do desenho infantil’. Esses estudos possibilitaram uma nova perspectiva sobre as etapas do desenvolvimento das crianças, as avaliações de inteligência, a percepção do espaço, os aspectos da psicomotricidade fina e grossa, além das funções das percepções visuais do indivíduo em relação ao papel utilizado. A maneira como a criança se expressa por meio do traçado, incluindo suas garatujas (riscos e rabiscos), também foi objeto de investigação.

Ao acolheremos a criança em um ambiente analítico, costumamos receber uma variedade de queixas. Reconhecemos que essas dificuldades estão quase que 99% relacionadas à maneira como aprendem e se desenvolvem no contexto em que estão. Assim, compreendemos que, quando o ambiente é estimulante, os resultados também tendem a ser positivos. A análise dos desenhos visa avaliar a relação de aprendizado entre o estudante e o educador, podendo ser aplicada em várias formas de ensino tanto para avaliar o desenvolvimento do aluno na escola quanto para analisar o progresso do aprendiz no contexto familiar.

De que forma a criança desenvolveu a habilidade de gerenciar suas emoções? Como ela enfrenta seus comportamentos e demonstra resiliência em situações desafiadoras, e quem foi responsável por essa instrução? Quais métodos foram utilizados? Como o relacionamento entre a pessoa que busca ajuda psicológica e o psicanalista influencia a maneira como lidam com questões sociais, emocionais e afetivas? De que maneira o educador fomenta no aprendiz competências sociais, emocionais e afetivas?

Entre as questões discutidas anteriormente, percebe-se que o processo educativo ultrapassa a simples transmissão de conhecimento; trata-se de investigar como ensinar e qual é a abordagem mais eficaz. Isso permite promover empatia, respeito mútuo, compreensão, incremento de ideias e diferentes formas de lidar com problemas desafiadores.

O que são e como funcionam os testes projetivos?

Os testes projetivos são parte das ferramentas psicológicas disponíveis, mas seu uso é limitado a profissionais da psicologia. Acredita-se que essa abordagem analítica possa revelar aspectos profundos da personalidade, permitindo a identificação de situações como abuso sexual, alienação parental, desvios de caráter, transtornos da personalidade e questões de comportamento, entre outros.

Em 1887, Ricci, na cidade de Bolonha, fez um trabalho notável sobre o desenho como uma forma de expressão. Ele analisou os diferentes estágios do desenvolvimento do desenho da figura humana entre crianças com foco nos aspectos estéticos, na progressão das cores e sua conexão com a arte primitiva (CAMPOS, 2014, p. 13).

Ao longo dos anos, as obras de arte passaram a ser percebidas sob uma perspectiva diferente, abrangendo aspectos técnicos e psicológicos, além da mera apreciação artística. Compreendia-se que os desenhos poderiam funcionar como um meio de comunicação em que o inconsciente exporia o que a pessoa desejava que o analista conhecesse. No entanto, a repressão imposta pelo superego, influenciada por uma neurose moral, impedia que o indivíduo manifestasse seus pensamentos mais íntimos.

Embora se afirme que os testes projetivos são exclusivos para psicólogos, é importante reconhecer que psicopedagogos e psicanalistas também têm acesso a essas técnicas, que não estão limitadas apenas a esses profissionais. Testes como TAT, HTP, Rorschach e Wisc são, de fato, restritos a quem possui formação específica, mas a análise e a interpretação de desenhos podem ser utilizadas por qualquer profissional como um recurso valioso no processo psicoterapêutico.

A avaliação e a compreensão dos desenhos, embora sejam de fácil acesso por meio de materiais simples, como papel sulfite em branco, lápis grafite, borracha e lápis coloridos, requerem uma formação especializada para aqueles que desejam absorver teorias de forma mais profunda e prática. Isso abrange aspectos como aplicação, correção e análise crítica, facilitando um entendimento mais claro e uma melhor condução do caso em questão, que está sendo analisado e tratado pelo especialista.

Fale sobre o caso referente ao jogo do rabisco.

Donald Woods Winnicott, um pediatra e psicanalista do Reino Unido, desempenhou um papel fundamental na ampliação da teoria psicanalítica por meio de sua prática clínica. Ele percebeu que os conflitos emocionais surgiam antes do estágio edipiano, que ele se referiu como teoria do desenvolvimento emocional primitivo ou teoria do desenvolvimento maturacional. Winnicott destacou a relevância do ambiente como um componente essencial para o crescimento individual, oferecendo uma nova abordagem na análise da natureza e da vida humana. Em seu trabalho clínico, ele também notou a importância da criatividade, do ato de brincar e da expressão artística como meios para acessar as fantasias de seus pacientes, cabendo ao analista a responsabilidade de interpretar esse conteúdo.

De acordo com Winnicott (1975), a atividade de brincar se organiza em duas fases durante o desenvolvimento emocional. Na fase inicial, o bebê percebe a mãe como uma extensão de si mesmo enquanto ela atende às suas necessidades. Na fase seguinte, ainda dependendo de um objeto externo, o bebê aprenderá a enfrentar a ausência. Nessa etapa, ele cultivará uma sensação de segurança em relação à mãe e formará um espaço interno que lhe permitirá brincar de forma autônoma.

Winnicott (1971) apresentou o jogo do rabisco como uma abordagem para se comunicar com seus pacientes mais jovens. Por meio desse método, ele conseguia explorar os pensamentos e as emoções das crianças por meio do ato de brincar. A prática do rabisco pode servir como uma forma de expressar o self em desenvolvimento que Winnicott descreve como um “objeto subjetivo”.

O jogo de rabisco sugerido por Winnicott é uma atividade maleável, desprovida de regras fixas, que deve fomentar a liberdade da criança. Isso significa que ela precisa estar envolvida e motivada a criar seus desenhos. O jogo consiste em apresentar um traço a lápis em uma folha que pode ser apagado se preciso, e a criança é convidada a desenvolver esse traço em uma figura.

“Vamos jogar alguma coisa. Sei o que gostaria de jogar e vou lhe mostrar.” Há uma mesa entre a criança e eu, com papel e dois lápis. Primeiro apanho um pouco de papel e rasgo as folhas ao meio, dando a impressão de que o que estamos fazendo não é freneticamente importante, e então começo a explicar. Digo: “Este jogo que gosto de jogar não tem regras; pego apenas o meu lápis e faço assim…” e provavelmente aperto os olhos e faço um rabisco às cegas. Prossigo com a explicação e digo: “Mostre-me se se parece com alguma coisa a você ou se pode transformá-lo em algo; depois, faça o mesmo comigo e verei se posso fazer algo com o seu rabisco”. (WINNICOTT, 1994, p. 232)

A criança em avaliação observará o risco e ficará incentivada a moldá-lo. Após fazer o desenho, o terapeuta pode pedir que ela narre a história por trás daquela ilustração; essa criação servirá como uma expressão do estado do seu eu. Da mesma forma que a avaliação e a interpretação dos desenhos, o jogo do rabisco requer um aprofundamento tanto teórico quanto prático para uma utilização mais eficiente da técnica, estabelecendo, dessa maneira, um canal de comunicação entre o indivíduo e seu terapeuta.