O aleitamento materno é fundamental para o desenvolvimento físico e mental saudável das crianças, porque oferece uma combinação única de nutrientes e fatores de proteção. No entanto, como algumas situações podem impossibilitar que o bebê mame no peito da mãe, vários desses benefícios podem ser alcançados por meio de alternativas adequadas e de um ambiente de cuidado e suporte emocional positivo. Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela pediatra e neonatologista Tatiana Cicerelli Marchini.

Formada em medicina pela Universidade São Francisco (USF), ela tem residência médica em pediatria pelo Hospital Universitário São Francisco (HUSF) e em neonatologia pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. É especialista em pediatria e em neonatologia pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e membro da American Academy of Pediatrics (AAP). Também tem certificação em amamentação e em reanimação neonatal, ambas pela SBP.

Sua experiência profissional engloba atuação em ambulatório de recém-nascido de alto risco e em consultório médico. Trabalha como neonatologista na equipe da clínica Parto com Amor, atendendo nas principais maternidades de São Paulo (Einstein, São Luiz, Pro Matre, Santa Joana, entre outras) com foco na assistência humanizada ao parto.

Qual a importância do aleitamento materno não só para o desenvolvimento físico, mas também mental saudável das crianças? Explique.

O aleitamento materno é fundamental não apenas para o desenvolvimento físico das crianças, mas também para seu desenvolvimento mental saudável. Aqui estão algumas das principais razões para isso:

Desenvolvimento físico

Nutrição completa: o leite materno fornece todos os nutrientes necessários para o crescimento e desenvolvimento saudável do bebê, incluindo proteínas, gorduras, vitaminas e minerais em proporções ideais.

Imunidade: o leite materno contém anticorpos e outros componentes imunológicos que ajudam a proteger o bebê contra infecções e doenças.

Digestão fácil: é mais facilmente digerido pelos bebês em comparação com fórmulas artificiais, reduzindo a incidência de problemas relacionados à digestão.

Desenvolvimento mental

Desenvolvimento cerebral: o leite materno contém ácidos graxos essenciais, como o ácido docosa-hexaenoico (DHA), que são fundamentais para o desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso do bebê.

Vínculo mãe e bebê: o ato de amamentar promove um contato físico e emocional próximo entre mãe e bebê, fortalecendo o vínculo afetivo, o que é crucial para o desenvolvimento emocional e social da criança.

Estimulação sensorial: durante a amamentação, o bebê é exposto a diferentes estímulos sensoriais (toque, cheiro, voz da mãe), que são importantes para o desenvolvimento cognitivo e sensorial.

Outros benefícios

Redução do estresse: a amamentação libera hormônios, como a oxitocina, que promovem sentimentos de bem-estar tanto na mãe quanto no bebê, ajudando a reduzir o estresse e a ansiedade.

Melhor desenvolvimento emocional: crianças amamentadas tendem a apresentar melhor desenvolvimento emocional e comportamental, com menor incidência de problemas como ansiedade e depressão na infância e adolescência.

Em resumo, o aleitamento materno oferece uma combinação única de nutrientes e fatores de proteção que são insubstituíveis, promovendo tanto a saúde física quanto mental das crianças de forma abrangente e duradoura.

Em muitos casos, as mães acabam não conseguindo amamentar seus bebês no peito. Quais os principais motivos?

Muitas mães enfrentam desafios que impedem a amamentação exclusiva no peito. Aqui estão os principais motivos:

Fatores físicos

Problemas de produção de leite: algumas mães podem ter dificuldades para produzir leite suficiente devido a problemas hormonais ou anatômicos.

Dor e desconforto: fissuras nos mamilos, mastite (infecção da mama) e ingurgitamento podem tornar a amamentação extremamente dolorosa.

Dificuldades de pega: o bebê pode ter dificuldades para se posicionar corretamente ou para pegar o seio de forma adequada, o que pode dificultar a extração eficiente do leite.

Condições médicas: certas condições de saúde, tanto da mãe quanto do bebê, podem interferir na amamentação, como cirurgias mamárias prévias, infecções, ou condições como a anquiloglossia (língua presa) no bebê.

Fatores psicológicos

Ansiedade e estresse: a ansiedade sobre a amamentação e o estresse relacionado aos cuidados com o recém-nascido podem afetar a produção de leite e a disposição para amamentar.

Depressão pós-parto: a depressão pós-parto pode diminuir a energia e a motivação da mãe para amamentar, além de afetar a interação mãe-bebê.

Falta de suporte: a falta de suporte emocional e prático por parte de familiares, amigos ou profissionais de saúde pode desmotivar a mãe.

Fatores sociais e culturais

Pressões sociais: normas sociais e culturais que desvalorizam a amamentação em público ou que promovem o uso de fórmulas podem desencorajar a mãe.

Demanda de trabalho: a necessidade de retornar ao trabalho e a falta de políticas de licença maternidade adequadas podem limitar o tempo e a possibilidade de amamentar.

Questões práticas

Rotina e logística: a rotina agitada e a logística de cuidar de múltiplas responsabilidades podem tornar a amamentação no peito desafiadora.

Falta de informação: a falta de conhecimento sobre a importância da amamentação e as técnicas corretas pode levar ao abandono precoce do aleitamento.

Suporte e intervenções

Para ajudar as mães a superarem esses desafios, intervenções como grupos de apoio à amamentação, consultas com consultores de amamentação e programas de educação sobre amamentação são essenciais. A criação de um ambiente de suporte e a promoção de políticas que incentivem a amamentação também podem fazer uma diferença significativa.

E como as mães que não conseguem amamentar seus bebês no peito podem evitar ou combater o sentimento de culpa que acaba surgindo e até mesmo uma possível depressão pós-parto?

Para mães que não conseguem amamentar seus bebês no peito, é essencial encontrar maneiras de lidar com o sentimento de culpa e prevenir a depressão pós-parto. Aqui estão algumas estratégias que podem ajudar:

Suporte emocional

Grupos de apoio: participar de grupos de apoio para mães pode fornecer um espaço seguro para compartilhar experiências e sentimentos, promovendo a compreensão e o suporte mútuo.

Terapia: a terapia individual ou em grupo com um psicólogo especializado em saúde materna pode ajudar a processar sentimentos de culpa e lidar com a ansiedade ou depressão pós-parto.

Comunicação aberta: conversar abertamente com parceiros, familiares e amigos sobre os sentimentos pode proporcionar suporte emocional e reduzir o isolamento.

Educação e informação

Educação sobre alimentação infantil: aprender sobre alternativas saudáveis à amamentação, como fórmulas infantis adequadas, pode ajudar a mãe a sentir-se mais confiante em fornecer nutrição adequada ao bebê.

Entendimento dos benefícios da fórmula: saber que fórmulas infantis são desenvolvidas para fornecer os nutrientes necessários pode aliviar a culpa relacionada à não amamentação.

Autoaceitação e redefinição de expectativas

Redefinir expectativas: compreender que a maternidade é uma jornada única para cada mãe e que o importante é o bem-estar do bebê, independentemente do método de alimentação.

Praticar o autocuidado: priorizar o autocuidado físico e emocional pode ajudar a mãe a manter-se saudável e presente para seu bebê.

Fortalecer o vínculo: dedicar tempo para atividades que promovam o vínculo com o bebê, como contato pele a pele, banho, massagens, e momentos de brincadeira.

Participação do parceiro: envolver o parceiro nos cuidados com o bebê pode aliviar a carga sobre a mãe e promover um ambiente de suporte.

Consultoria e aconselhamento profissional

Consultores de amamentação: consultar especialistas em lactação pode ajudar a explorar todas as opções possíveis de amamentação e fornecer suporte técnico e emocional.

Profissionais de saúde mental: buscar ajuda de profissionais de saúde mental para lidar com sentimentos de culpa e prevenir ou tratar a depressão pós-parto.

Suporte social e comunitário

Políticas de trabalho: aproveitar políticas de trabalho que permitam flexibilidade e licença maternidade para reduzir o estresse relacionado ao retorno ao trabalho.

Recursos comunitários: utilizar recursos comunitários disponíveis, como clínicas de saúde materna e programas de apoio familiar.

Encorajamento pessoal

Celebrar pequenas conquistas: reconhecer e celebrar pequenas vitórias no cuidado do bebê e no manejo das próprias emoções.

Praticar a gratidão: focar nos aspectos positivos da experiência materna e nos momentos felizes pode ajudar a equilibrar sentimentos negativos.

A chave é criar um ambiente de suporte e compreensão em que a mãe se sinta valorizada e apoiada, independentemente do método de alimentação escolhido.

Mesmo quando o aleitamento materno não acontece (seja qual for o motivo), é possível que os mesmos benefícios tanto físicos quanto mentais que ele propicia sejam mantidos para o bebê e a mãe? De que maneira?

Embora o aleitamento materno ofereça benefícios únicos, é possível que muitos dos benefícios físicos e mentais sejam mantidos para o bebê e a mãe mesmo quando a amamentação não ocorre. Aqui estão algumas maneiras de alcançar isso:

Benefícios físicos

Nutrição adequada: fórmulas infantis de alta qualidade são desenvolvidas para fornecer os nutrientes essenciais necessários para o crescimento e desenvolvimento saudável do bebê. É importante escolher fórmulas recomendadas por pediatras e seguir as instruções de preparo e armazenamento.

Imunidade e saúde: embora o leite materno contenha anticorpos, os bebês alimentados com fórmula podem ainda assim receber imunizações adequadas e cuidados de saúde preventivos para proteção contra doenças.

Higiene e preparação: manter boas práticas de higiene na preparação e armazenamento das fórmulas ajuda a prevenir infecções e problemas digestivos.

Benefícios mentais e emocionais

Vínculo mãe e bebê: o vínculo emocional pode ser fortalecido por outros meios de contato próximo, como o contato pele a pele, abraços, olhar nos olhos durante a alimentação e tempo de qualidade juntos.

Estimulação sensorial: envolver-se em atividades que estimulem os sentidos do bebê, como falar, cantar, ler e brincar, pode promover o desenvolvimento cognitivo e emocional.

Rotina e previsibilidade: estabelecer uma rotina consistente de alimentação e cuidados pode proporcionar segurança e estabilidade emocional para o bebê.

E qual o papel da saúde mental da mãe nesse contexto?

Bem-estar emocional: a saúde mental da mãe é crucial para a criação de um ambiente positivo e amoroso para o bebê. Mães que se sentem bem consigo mesmas e emocionalmente apoiadas são mais capazes de proporcionar cuidados de qualidade.

Gestão do estresse e da ansiedade: práticas de autocuidado, como atividades de relaxamento, tempo para si mesma e suporte social, ajudam a mãe a manter um equilíbrio emocional saudável.

Apoio profissional: buscar apoio de profissionais de saúde mental pode ajudar a mãe a lidar com sentimentos de culpa, ansiedade e depressão, garantindo que ela esteja em sua melhor forma para cuidar do bebê.

Estratégias para manter os benefícios

Rede de suporte: construir e utilizar uma rede de suporte, incluindo familiares, amigos e profissionais de saúde, podem proporcionar o suporte emocional e prático necessário.

Educação e informação: buscar informações sobre cuidados infantis, nutrição e desenvolvimento pode capacitar a mãe a tomar decisões informadas e confiantes.

Foco na qualidade do tempo: priorizar momentos de qualidade com o bebê, como brincadeiras e atividades de interação, pode fortalecer o vínculo e promover o desenvolvimento saudável.

Em resumo, enquanto o aleitamento materno tem seus benefícios únicos, muitos desses benefícios podem ser alcançados por meio de alternativas adequadas e de um ambiente de cuidado e suporte emocional positivo. A saúde mental da mãe desempenha um papel fundamental em garantir que tanto ela quanto o bebê prosperem independentemente do método de alimentação escolhido.