Apesar de todas as conquistas femininas ao longo do tempo, de acordo com a sexóloga, psicanalista e terapeuta familiar, Lelah Monteiro, o prazer feminino ainda é tabu e, por isso, as mulheres seguem desconectadas do próprio corpo.
“O empoderamento feminino muda o mundo”. Essa frase, proferida pela filantropa Melina Gates, poderia ser apenas impactante não fosse as várias pesquisas disponíveis que mostram o quanto uma mulher que tem apoio para se desenvolver pessoal e profissionalmente pode transformar comunidades inteiras. Um desses estudos foi feito pela Pricewaterhouse Coopers para países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o qual comprovou que melhorar a participação feminina apenas no trabalho poderia impulsionar o PIB da OECD em aproximadamente US$ 6 trilhões.
Apesar disso, ainda pouco se faz pelo empoderamento feminino. Tanto que uma pesquisa publicada no final do ano passado pelo Fórum Econômico Mundial mostrou que será preciso esperar mais de 2 séculos para que as mulheres conquistem a paridade de gêneros no trabalho.
Embora seja comum relacionar o tema à questão da carreira, o empoderamento feminino não diz respeito apenas ao desenvolvimento profissional. De acordo com uma pesquisa publicada, em 2019, na Archives of Sexual Behavior, 58,8% das mulheres, cerca de mil, com idades entre 18 e 94 anos, disseram ter fingido o orgasmo ao fazer sexo com um parceiro. Dessas, 55% reconheceram que essa é uma prática frequente.
De acordo com a sexóloga, psicanalista, fisioterapeuta, educadora sexual e terapeuta de casais, de família e sexual, Lelah Monteiro, o prazer feminino ainda é tabu e, por isso, as mulheres seguem desconectadas do próprio corpo, se sentem inseguras e dependentes e, em geral, abrem mão do próprio prazer para satisfazer o outro. Nesta entrevista, ela fala um pouco sobre o que é o empoderamento sexual feminino e como a conquista da liberdade sobre o corpo e a sexualidade está diretamente relacionada à construção de uma sociedade mais igualitária.
Como você se interessou pela Psicanálise e, então, pela Sexologia?
Fui fazer Fisioterapia numa faculdade pública, dentro de um campus, numa outra cidade, com mais liberdade. Foi sensacional ser filha de escola pública. Meu interesse pela Psicanálise/ Sexologia surgiu porque tive incontinência urinária muito jovem e quando eu ia aos médicos, com exames inconclusivos, ouvia eles me dizerem que era coisa da minha cabeça. Eu não me conformei com essas respostas e decidi fazer Psicanálise e, depois, Sexologia pois também notei que muitas das mulheres que eu já atendia, e que também apresentavam problemas de incontinência urinária, tinham problemas sexuais.
Muito se fala, hoje em dia, que a mulher precisa se empoderar. Explique o que é, afinal, empoderamento sexual feminino?
Há muito tempo falo sobre a necessidade de empoderamento feminino. Tenho 28 anos de experiência clínica nesta área, e percebi o quanto a mulher é desempoderada dos cuidados com o seu corpo, indo ao tratamento apenas quando já se manifesta um problema, uma doença, uma disfunção. Demorou muito para que elas admitissem que não estão tendo prazer, e que não sabem como ter prazer. Há anos eu falo que o empoderamento feminino passa pelo empoderamento sexual. Não dá nem pra falar de empreendedorismo feminino se essa mulher, essa empresária, não conseguiu acessar esse lugar da sexualidade na relação.
De que maneira essa falta de empoderamento sexual se reflete na saúde e relações da mulher?
A mulher que se nega a conhecer o seu corpo está negando a saúde a si própria. A mulher que não se olha como um ser que tem prazer, e não dor, está relegando a sexualidade e o relacionamento para o outro.
Quais as principais causas da falta de empoderamento das mulheres, inclusive sexual?
Ainda é o medo de ser julgada. Mas também pode ser por falta de autonomia e porque, ainda hoje, a maioria das mulheres prioriza outras pessoas em detrimento de si próprias, inclusive na cama.
Quais os desafios enfrentados neste processo de empoderamento sexual frente a uma sociedade ainda conservadora, machista e sexista?
Tenho um exemplo que eu mesma vivenciei: fui contratada por uma empresa para falar de empoderamento feminino e um dos tópicos era sobre empoderamento sexual. Cinco minutos antes de subir ao palco me proibiram de falar de sexualidade. Mas a sexualidade esbarra em temas como abusos, inclusive no ambiente de trabalho. Mantive o tema, mas evitei expressões que poderiam remeter à sexualidade. Somos uma sociedade machista e temos mulheres que também são machistas. Enquanto isso ainda acontecer, estaremos em desvantagem.
Ainda são comuns os estereótipos que dificultam esse processo, como o de que há mulher certa para relacionamentos duradouros e outras para sexo casual?
Sim, ainda é comum esse tipo de afirmação sobre mulher para casar, transar, há dúvidas sobre quando transar, se pode sexo no primeiro encontro. São julgamentos que permeiam a mente de homens, mulheres, velhos e jovens. As mulheres precisam estar muito seguras das escolhas e não se preocupar com nenhum julgamento. Mas, principalmente, não se auto julgar.
É possível dizer que a mulher que decide com quem e quando transar é empoderada ou há uma confusão de conceitos? Por quê?
Há uma confusão de conceitos porque ainda estamos num padrão normativo e binário, determinado por pais e avós que decidiam com quem transar, quantas vezes, ainda antes das relações estabelecidas. A terapia com foco na sexualidade possibilita às mulheres falarem mais sobre o assunto e pode contribuir para que elas se sintam mais livres. Mas é tanto tabu relacionado à área que tenho pacientes que fazem anos de terapia, com problemas graves de sexualidade e empoderamento sexual, e muitas nem têm coragem de entrar neste tema. As mulheres precisam falar disso em todos os âmbitos, inclusive no divã.
O que vem primeiro: o empoderamento pessoal ou o sexual? Por quê?
É muito frequente mulheres que se acham empoderados, mas que estão com fragilidades sexual e de relacionamento. Nós, mulheres, precisamos ter esse poder íntimo para então estabelecer o poder relacional – e isso não diz respeito apenas à cama.
Quais as principais queixas que chegam para você com relação a esse assunto?
A principal queixa é da mulher que não tem desejo, porque o relacionamento está péssimo, não tem autoestima, está sobrecarregada. Outra queixa frequente é a de que não chega ao orgasmo. Precisamos falar mais do assunto, de forma clara, objetiva, para que as mulheres sintam que estão sendo atendidas, ouvidas e, a partir daí, que elas queiram se resolver. Qualquer receita de bolo que entregamos para uma mulher é um desserviço. E todo acolhimento, todo questionamento e abertura, é uma possibilidade dela se empoderar de fato, inclusive sexualmente.