A equipe da geneticista Maria Cátira Bortoloni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), detectou variações no neurohormônio oxitocina em primatas do Novo Mundo, originários da América do Sul e Central, e descobriu que essas alterações são parte de um repertório genético responsável pelo comportamento de cuidado dos machos com os filhotes.

O estudo analisou a composição da oxitocina em 29 espécies de primatas, entre eles 20 macacos do Novo Mundo. Até recentemente, acreditava-se que a oxitocina apresentava a mesma sequência de aminoácidos em todos os mamíferos placentários. Já aquela presente no Homo sapiens, bem como em outros primata do Velho Mundo, na África, é igual ao do camundongo.

Laços afetivos e sociais

A oxitocina é importante na modulação de comportamentos sociais, como cuidado dos pais com os filhotes e a formação de laços afetivos e sociais, por exemplo, a monogamia. Ela funciona como um neurotransmissor, liberado por células neuronais em sinapses, regiões responsáveis pela comunicação entre neurônios, e também como hormônio, propiciando a contração uterina durante o parto e na ejeção do leite durante lactação.

Através de um modelo estatístico, os cientistas analisaram as sequências do gene da oxitocina que fornece instruções para geração das moléculas. O grupo então comparou esses dados às mudanças nas linhagens ao que seria esperado se as mutações ocorressem ao acaso e a seleção natural não empurrasse para lado nenhum. É o que os especialistas chamam de neutralidade.

“Uma mutação em duas variantes pode formar um elemento essencial ao repertório genético que permitiu a certos macacos do Novo Mundo desenvolver características comportamentais que são raras entre os mamíferos, tais como monogamia social e o cuidado por machos”, escreveram os autores.

Esses comportamentos são comuns na família Cebidae, que são conhecidos pelo pequeno tamanho do corpo e, em alguns subfamílias como Callitrichinae, nos quais são frequentes os nascimentos de gêmeos. Com base nessas descobertas, parece que essas variantes podem ter implicações funcionais e evolutivas relevantes.

Reações são incomuns

Bortoloni explica que comportamentos sociais, como os cuidados dos pais com a prole e a monogamia, são geneticamente moldados. Ou seja, passam ao longo das gerações a partir da seleção natural. O curioso é que essas reações são incomuns em primatas, surgindo em alguns ramos, pelo menos em quatro deles, por exemplo, incluindo nos macacos do Novo Mundo.

As fêmeas desses macacos normalmente têm filhotes gêmeos e a presença do macho cuidador aumenta bastante o valor adaptativo, na medida em que são dois filhotes para cuidar. “Então, essas variantes de oxitocina sugerem que elas possam fazer parte do repertório genético, que pode ter dotado essas espécies com um comportamento extremamente bem-sucedido, considerando machos cuidadores e aumento do valor adaptativo dos gêmeos”, explica.

No artigo “Evolutionary pattern in the OXT-OXTR system in primates: coevolution and positive selection footprints”, publicado na revista “PNAS”, a geneticista afirma que, novas descobertas contrariam a tese de uma sequência de aminoácidos oxitocina universal.

Em humanos

É importante lembrar que o receptor de oxitocina apresenta centenas de variantes. Em humanos, esses receptores foram associados com vários fenótipos de comportamento social.

A atividade da oxitocina depende da interação adequada com seu único receptor, embora também possa se ligar a receptores de outro hormônio, conhecido como vasopressina, que também atua como neurotransmissor e está ligado ao controle e estresse e outros comportamentos sociais. “Pode existir uma relação cruzada entre receptores e oxitocina e vasopressina. É um sistema bastante complexo, com essas conexões cruzadas entre receptores”, afirma Bortoloni.

O interessante é que a vasopressina também é um neurohormônio pequeno, de apenas nove aminoácidos, e possui evolução em paralelo com a oxitocina (genes das duas moléculas se originaram a partir da duplicação de um gene ancestral) e, nos macacos do Novo Mundo, ela não varia. “Então, imaginamos que essas variantes da oxitocina que fazem parte desse repertório genético, dotou esses animais com essa inovação extraordinária e bem-sucedida evolutivamente”, sugere a pesquisadora.

E mais

Outros experimentos

Em seu artigo “Functional New World monkey oxytocin forms elicit an altered signaling profile and promotes parental care in rats”, publicado no periódico “PNAS”, Bortoloni mostra que ratos tratados por via intranasal com duas variantes de oxitocina encontradas nos macacos do Novo Mundo mostraram um aumento em alguns comportamentos de cuidado com os filhotes.

No experimento, que contou com a ajuda de colaboradores da equipe da Fisiologia da UFGRS, os pesquisadores espalharam os filhotes em uma caixa e colocaram os pais (machos e fêmeas) dentro dela, separadamente para observar se eles recolhiam os animais. Os machos não chegaram a agrupar os filhotes, mas atenderam a seu chamado – o que é um comportamento absolutamente incomum em ratos de laboratório.

Além disso, experimentos em parceria com pesquisadores da Bioquímica da USP, mostraram como a sinalização intercelular dessas variantes é alterada, reforçando sua condição funcional.

“Com esses trabalhos, vimos realmente que essas variantes têm sinal de seleção natural positiva e dificilmente são neutras e, pela nossa hipótese, elas foram selecionadas, junto com outras variantes, para dotar essas espécies com esse comportamento adaptativo”, observa a geneticista.

Segundo ela, existem pelo menos quatro ramos de primatas em que os pais cuidadores aparecem independente dessas variantes. Uma dessas espécie é o Homo sapiens. Então, provavelmente há nos humanos um repertório genético, moldado para o cuidado intenso que um filhote de humano exige, aparecesse, determinando a presença dos cuidados tanto do pai quanto da mãe.