Após sentir-se ameaçada com a eventual adesão da Ucrânia à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a Rússia, então, declarou guerra contra esta nação, infelizmente. Em um momento em que o controle da pandemia ainda não tem resultados 100% satisfatórios, essa situação delicada no cenário geopolítico é um banho de água gelada nos ânimos da população mundial.

Mas, a notícia da guerra, na verdade, é apenas mais uma entre inúmeras circunstâncias que vêm provocando a sensação de insegurança entre as pessoas. Para o Pnud, programa da ONU para o desenvolvimento humano, nos últimos anos houve uma significativa queda no senso individual de proteção e segurança em termos globais. As pessoas têm percebido o mundo cada vez mais perigoso e a saúde mental da população mundial tem sido afetada por essa sensação.

Mundo cada vez mais perigoso

De acordo com o relatório “Novas ameaças à segurança humana no Antropoceno”, publicado pela ONU, fatores como alterações climáticas, desafios do mundo digital, falta de igualdade, violência, entre outros, foram pontos elencados dentre aqueles que causam insegurança nas pessoas.

Geralmente, quando se fala de um estudo desta natureza, a primeira coisa que se pensa é que esse tipo de insegurança acomete apenas os que vivem em países sub-desenvolvidos ou menos desenvolvidos. Mas, surpreendentemente, não foi isso que o estudo apontou. Mesmo em países onde há melhor qualidade de vida e melhores condições socioeconômicas, há um discurso sobre a sensação de insegurança. As pessoas, nas mais diferentes nações, têm se percebido menos seguras. O resultado desse relatório é fundamental, pois mostra o quão urgente é a necessidade de se pensar sobre os aspectos que têm levado as pessoas se sentirem em estado de vulnerabilidade e risco.

Conceito de segurança

Mas afinal, o que é a segurança e insegurança? De modo geral, é claro que se entende que um contexto seguro é um lugar onde não há ameaças de nenhum tipo e onde as pessoas têm suas necessidades essenciais e até algumas não essenciais supridas. No entanto, o conceito de segurança e insegurança pode ser extremamente subjetivo, independentemente da realidade concreta ser ou não mais favorável. E talvez esse seja o motive pelo qual pessoas em contextos mais “seguros” também estejam se sentindo inseguras.

A questão aqui posta é justamente responder o que faz com que as pessoas se sintam seguras ou não. Um fator importante a considerar é que segurança (e seu oposto, a insegurança) são conceitos muito pessoais, influenciados pelo perfil psicológico de cada indivíduo. Para uns, estar seguro pode significar poder ter condições de comprar comida para a família e pagar suas contas. Para outros, a falta de segurança se mostra presente quando falta o opoio, o incentivo e a presença de alguma(s) pessoa(s). A necessidade aparente numa situação como esta última é a de conexão afetiva, enquanto na primeira é de se suprir as mais primitivas necessidades humanas, as fisiológicas e de abrigo.

Sob qual ótica?

Por outro lado, outro aspecto a se considerar e que depende muito das idiossincrasias pessoais é a maneira particular de enfrentamento de situações ameaçadoras. Enquanto alguns ficarão sentados esperando que a salvação venha de algum lugar ou de alguém, outros são muito mais proativos e buscam soluções que permitam a resolução dos problemas em questão.

Tudo isso acontece por conta de nossas “lentes” de vida! Nós forjamos nossas ‘lentes” à partir de inúmeras circunstâncias. Nossa carga genética e as informações filogenéticas passadas por nossos antepassados influenciam de modo singular a formação de nosso temperamento inato, por exemplo. Nosso temperamento, por sua vez, induz poderosamente os traços de personalidade que desenvolveremos. Já na nossa infância, em nossas primeiras relações com o mundo exterior e quando apresentamos necessidades que serão ou não atendidas, sofremos a interferência desse contexto e dos nossos cuidadores que facilitarão ou não as experiências positivas continuadas e que favorecerão o desenvolvimento de padrões comportamentais mais saudáveis, funcionais e adaptados. Ou não.

Resignificar padrões

Quando a interferência genética e as vivências mais remotas e primitivas favorecem a sensação de abandono e insegurança, algo a mais precisa ser feito. Pedro Conceição, diretor do Gabinete do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, numa entrevista à CNN de Portugal afirma que é necessário se equipar as pessoas com habilidades para que saibam enfrentar com resiliência e estratégias de enfrentamento situações desafiadoras de vulnerabilidade e imprevisibilidade. E ele está correto. É realmente preciso falar e agir para que isso se torne realidade.

No entanto, fazendo um corte mais específico na população geral e considerando então aquelas pessoas com padrões comportamentais propensos à vulnerabilidade, o trabalho certamente inclui algo mais, como a psicoterapia e resignificação de padrões de comportamento e de enfrentamento.

Jeffrey Young e sua teoria da Terapia do Esquema ressalta de modo muito didático o papel das “lentes” desadaptadas na vida das pessoas e no modo como aprendem a enfrentar as circunstâncias da vida.

Pessoas que passaram ou sentiram algum tipo de abandono, instabilidade e privação na primeira infância e/ou na adolescência podem desenvolver “lentes” que fazem-na sentir-se em vulnerabilidade. É como se a pessoa criasse uma expectativa de que o mundo e as pessoas ao seu redor reforçassem constantemente suas necessidades primitivas não atendidas. Crianças que são criadas em ambientes hostis onde há violência ou mesmo quando vivem circundadas por cuidadores incapazes de se conectar emocionalmente com elas, podem se tornar desconfiadas, isoladas, com grande senso de serem defeituosas e inseguras. Em “Cuidado Materno e Saúde Mental”, John Bowlby nos faz refletir sobre a consequência catastrófica da falta de conexão afetiva e de cuidado essencial na primeira infância que podem, inclusive, culminar no desenvolvimento de psicopatologias.

Multiplicidade de fatores

Mas, também é importante lembrar que tais circunstâncias não são determinantes da forma como a pessoa enfrentrará seus desafios na vida. Young aponta justamente para a multiplicidade de fatores que interagem para que o perfil psicológico de um indivíduo se estabeleça, e com este, o modo como cada um enfrenta os problemas.

A verdade é: o mundo está passando por processos de mudanças significativos e a mente humana tem tentado acompanhar tudo o que está acontecendo. Porém, há algo mais a ser feito e pensado. É preciso se pensar no mundo como um todo e naquilo que pode ser realizado em escala global para sanar ou dirimir a sensação desconfortável de insegurança mundial. Contudo, também é preciso sair dessa macro visão e entender o contexto pessoal, tentar se pensar nas soluções para os enfrentamentos universais mas, que cada indivíduo vive pessoalmente.

E MAIS…

Os preconceitos sobre psicoeduação

Instrumentalizar as pessoas para que possam lidar melhor com as crises e enfrentamentos da vida é um passo fundamental. Mas, o mundo precisa se livrar dos preconceitos sobre psicoeduação e facilitar o acesso ao tratamento e cuidado com a psique humana. O mundo está cada dia mais disruptivo e desafiador. Por isso mesmo, faz-se necessário quebrar paradigmas e lançar mão dos modelos modernos de enfrentamento dessa “pandemia psicológica” de insegurança pessoal, entre outras tantas.

REFERÊNCIAS
____. Cuidados Maternos e Saúde Mental. São Paulo: Martins Fontes, 2020.
FREUD, Sigmund. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
YOUNG, Jeffrey. Terapia Cognitiva para Transtorno da Personalidade: Uma abordagem focada no esquema.
YOUNG, Jeffrey; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do Esquema: Guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras.
WAINER, Ricardo; PAIM, Kelly; ERDOS, Renata; ANDRIOLA, Rossana. Terapia Cognitiva focada em esquemas: Integração em psicoterapia.