Quando começamos a formação em psicanálise, percebemos uma divisão: a Escola inglesa e a Escola francesa. Gosto de pensar no trabalho de Freud, em seus escritos sobre os primeiros atendimentos, na teorização sobre a prática clínica, em seus textos técnicos e nos sociais, como o tronco do qual nascem ambas as Escolas e pelo qual corre continuamente a seiva que alimenta esses galhos. Dito isso, enfatizo que não há Escola sem Freud.
Em artigo anterior, apresentei a maior expoente da Escola inglesa: Melanie Klein e hoje escrevo sobre Jacques Lacan, que ocupa o lugar central na Escola Francesa. Nascido em 1901, Lacan formou-se em Medicina, com especialização em psiquiatria. Inicialmente, fez sua formação associado à IPA (International Psychoanalytical Association). Sustentou seminários semanais durante mais de 20 anos.
A importância central da linguagem
O trabalho de linguistas como Saussure e do antropólogo Lévi-Strauss não passaram despercebidos. O psicanalista francês notou que a linguagem é estruturante do próprio sujeito, de seu inconsciente. Não é qualquer coisa um analisante usar determinada palavra, repeti-la e, muitas vezes, usá-la em uma frase que não cabe… Concordemos que isso não é novidade, já estava em Freud. Sim, estava!
Lacan repete: Freud reconhecia a importância central da linguagem na constituição do sujeito. Aqueles que já conhecem um pouquinho a obra freudiana, podem lembrar do Fort-da. Essa insistência lacaniana em ouvir o significante trouxe profundas mudanças à prática clínica. As interpretações se modificaram, as pontuações passaram a ser outras. Determinada fala do paciente pode abrir as vias para o saber inconsciente – o que é possível acontecer a qualquer momento da sessão. Se é justamente esse saber inconsciente que, desde Freud, buscamos, há que estar atento a ele. O tempo da sessão passou a ser variável, não mais necessariamente os 50 minutos estabelecidos pela IPA.
O discurso do paciente
Como corolário da ênfase na escuta do discurso do paciente, o modelo de atendimento e de formação imposto pela IPA passou a ser criticado, causando desconforto entre seus membros. Passou a ser cada vez maior o número daqueles que assistiam aos seminários de Lacan. O resultado foi sua expulsão da IPA, em 1963. Em janeiro de 1964, ele retomou, como tema de seu seminário, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise: inconsciente, pulsão, repetição e transferência. No mesmo ano, é fundada a Escola Francesa de Psicanálise, que logo se torna a Escola Freudiana de Paris.
Psicanálise, lógica e matemática
Sua preocupação com a formalização da psicanálise o fez se aproximar da lógica e da matemática, das figuras topológicas e, mais tarde, do nó borromeano – estrutura formada por três elos juntos que ao soltar um deles toda a formação se desfaz. Para aqueles que começam a estudar a teoria lacaniana, esses assuntos podem parecer um idioma completamente distinto. Mas o objetivo do percurso lacaniano é o contrário. Lacan esforçou-se continuamente em decantar o que é essencial para a escuta a analítica e para a formação clínica – é isso que formará o seu corpo teórico.