Vivenciamos neste ano de 2020 uma das maiores transformações da humanidade, devido a Pandemia do novo coronavírus, que certamente ainda está longe de nos sinalizar todos os prejuízos que causará a curto, médio e longo prazos. E mesmo sem contar com as inestimáveis vidas perdidas e com os danos financeiros que já abalaram muitas economias mundiais, estamos diante de transformações sociais impactantes que o isolamento para prevenção da propagação desse vírus trouxe, inclusive à aprendizagem acadêmica.
Escolas de todos os níveis, das creches às universidades, se mantêm fechadas praticamente desde o princípio do primeiro trimestre e, pelo que se vê, as salas de aulas ainda permanecerão vazias até meados do segundo semestre de 2020.
E assim, sem uma vacina para a Covid-19, e frente ao desconhecimento de um tratamento eficaz, talvez tenhamos que vivenciar ainda por mais um período a nova forma de assistir às aulas e estudar: pela internet, de forma exclusiva ou híbrida.
Aliás, tivesse esta pandemia mundial ocorrido em outro século, e não tivéssemos ainda o acesso aos recursos tecnológicos e à internet, os danos educacionais seriam muito maiores.
Situação de vulnerabilidade
Infelizmente, o fechamento das salas de aula em 188 países, restrição imposta em nome da contenção do vírus e manutenção da vida, deixa também uma parte muito expressiva de crianças, inclusive no nosso país, bastante vulneráveis nas ruas, sujeitos à exploração, ao trabalho infantil, às drogas, à prostituição, à gravidez precoce. O Brasil aparece em 102º lugar no ranking da KidsRights, uma ONG internacional de defesa dos direitos infantis, sediada em Amsterdã-Holanda (fundador Marc Dulleart), o que aumenta nossa preocupação.
Muitos desafios
A atual experiência mostrou o quanto a manutenção do funcionamento das escolas é importante para o futuro, tanto em termos sociais como do neurodesenvolvimento infantil, já que em relação ao amadurecimento cerebral e aprendizagem, o prejuízo pode ser irrecuperável. Alguns desafios do momento que vivemos hoje, em pleno século XXI, obrigaram governantes, cientistas, sociedade e escolas a tomarem rapidamente medidas na busca de soluções urgentes e estas foram encontradas na tecnologia e no empenho inesgotável de professores que, na maioria dos casos, nunca haviam ministrado aulas on-line. É desta forma que parte dos 1,5 bilhão de crianças e jovens, em todo o mundo, impedidos de frequentar as escolas, continuam estudando e assistindo aulas, se desenvolvendo e aprendendo.
As mudanças no sistema educacional é uma das mais marcantes. Anteriormente à pandemia, se via com restrições, a validade e a relevância do mundo digital para o aprendizado escolar de todos os níveis no Brasil. Mas hoje, ainda que com uma série de expressivos desafios, (como os limites ao acesso a tais ferramentas enfrentado pelas populações comprometidas financeiramente, ou até em locais onde esses recursos são inacessíveis), já se alcança o valor potencial que o segmento virtual tem para favorecer a educação no país.
Por outro lado, recursos, como computadores, tablets, celulares, internet e outros, ainda são pouco numerosos nas casas da maioria da população brasileira por exemplo, onde também os pais usam do mesmo recurso para trabalhar.
O que aprendemos desde o princípio da pandemia em relação a aprendizagem escolar na modalidade virtual é que, passada a fase em que todos se organizaram da melhor maneira possível, sem poupar esforços, o futuro exige uma tomada de decisões mais planejada para não deixar que o próprio sistema educacional se torne vulnerável e que a exposição da sala de aula traga problemas à saúde das crianças.
Educação à distância
É importante que se considere a retaguarda de um grupo profissional, preparado para trabalhar com Educação à distância, EAD, e que também inclua os professores nessa capacitação. E esta não pode ser apenas instrumental, mas também pedagógica e voltada a este setor.
Já foram descritas boas surpresas nesse campo, pois inversamente ao que se imaginava que pudesse ocorrer, a participação e o interesse na aquisição desses conhecimentos e habilidades tem mobilizado muitos profissionais da educação.
Além disso, as novas gerações que já são considerados nativos digitais, se mostram geralmente motivadas e interessadas em participar tanto das aulas como das tarefas, que passaram ser muito mais estimulantes com os recursos tecnológicos. Passamos por um período inicial em que as crianças e jovens se sentiam em férias pela quebra da rotina diária. Mas, aos poucos, com a ajuda das famílias e o estabelecimento de novas regras em casa, todos compreenderam que as mudanças foram necessárias e vieram para ficar – pelo menos por um tempo.
Tecnologia educacional
É importante lembrar que, há bem poucos meses, se discutia os efeitos negativos de exposição das crianças e jovens ao uso de computadores, celulares, tablets. Estudos apontaram, inclusive, que o uso inadequado das telas poderia gerar comportamentos característicos de dependência, com prejuízos biopsicossociais.
Aqui, entram algumas considerações fundamentais. O tempo de exposição das crianças durante as aulas virtuais é proporcional à sua idade. Não se imagina um pré-escolar que consiga manter atenção de qualidade por mais de 20 a 30 minutos por dia, e isso se houverem pausas para outras atividades. Mas é claro que um adolescente também vai precisar de um tempo ajustado frente a tela, muitas vezes diferente do que estaria frente ao professor dentro da escola.
Não se trata de importar o presencial para o virtual, mas de desenvolver de uma forma cientificamente planejada a tecnologia educacional, como facilitadora dos processos de aprendizagem, pensando também na afetividade e humanidade para haver eficácia do processo.
Mundo digital
O receio das telas pode ter vários fundamentos, mas o princípio é o mesmo: educação para o mundo digital. Nenhum adulto responsável manda o filho pequeno atravessar a rua sozinho antes de o ensinar a fazer isso com segurança e não o deixa navegar na internet ou brincar com jogos infinitamente, só para o satisfazer ou conter seu comportamento por algum tempo.
Telas não são portas para um mundo desconhecido se houver objetivo na ação e conhecimento da tecnologia básica – e disso, pais e escola não poderão esquecer. A educação escolar virtual e a híbrida, pelos benefícios que vão trazer, provavelmente mudarão esse pressuposto.
As finalidades da educação a distância não surgiram e nem se prendem apenas a este momento: já há experientes profissionais envolvidos há quase três décadas no Brasil.
Como tudo, a educação EAD tem aspectos positivos e negativos. Na verdade, neste momento, precisamos nos empenhar em conhecer melhor esse mundo digital e vencer o desafio que a emergência nos trouxe. Principalmente, sem deixar de assumir que também somos responsáveis, família e escola, por fazer deste momento uma época muito especial de aprendizagem, virtual ou presencial, da qual todos nos lembraremos no futuro.
A educação a distância e os distúrbios de aprendizagem
As crianças com distúrbios de aprendizagem e suas famílias perderam o acesso presencial à escola e aos atendimentos com especialistas. Se há dificuldades múltiplas, déficits intelectuais ou motores, o problema se agrava na educação a distância. Entram no quadro as famílias, que embora se desdobrem, não são especialistas, não dominam todos os recursos necessários e têm dificuldade em acompanhar o ritmo da aprendizagem da criança, desconhecem as estratégias e se vêm frente à uma tela, com profissionais que, muitas vezes, estão aprendendo a lidar com o ineditismo da situação.
Esforços dessa amplitude dos profissionais e famílias não têm precedentes e são louváveis. Além da pressão causada pelo receio de contaminação, somou-se o confinamento e a falta de modelo anterior. A escola presencial não é passível de ser reproduzida em situação virtual e, somente agora, passados quase seis meses de intensos estudos e tentativas, se conseguiu chegar a um patamar mais equilibrado, em que aulas e tarefas escolares passam não apenas pela ação emergencial, mas também pela capacitação prévia do corpo docente, dos especialistas, dentro de uma concepção nova de aula:, menos conteudista, mais participativa nos momentos de aprendizagem e de sua avaliação.
Imagem: pexels.com – Julia M Cameron